Joe
Mayer era escritor freelance. Estava de ressaca e o telefone
acordou-o às nove horas da manhã. Ele levantou-se e atendeu.
– Alô?
– Oi,
Joe. Como vai indo?
– Oh,
lindo.
– Lindo,
é?
– É.
– Vicki
e eu acabamos de nos mudar pra nossa nova casa. Ainda não temos
telefone. Mas posso lhe dar o endereço. Tem uma caneta à mão?
– Só
um minuto.
Joe
tomou o endereço.
– Não
gostei daquele conto seu em Anjo Quente.
– Tudo
bem – disse Joe.
– Não
quero dizer que não gostei, quero dizer que não gostei em
comparação com a maioria das outras coisas suas. A propósito, sabe
onde anda Buddy Edwards? Griff Martin, que editava Histórias
Quentes, está procurando ele. Achei que talvez você soubesse.
– Não
sei onde ele está.
– Acho
que talvez esteja no México.
– Pode
ser.
– Bem,
escuta, passo aí pra ver você breve.
– Claro.
Joe
desligou. Pôs dois ovos numa panela d’água, pôs água do café
para ferver e tomou um Alka Seltzer. E voltou para a cama.
O
telefone tornou a tocar. Ele se levantou e atendeu.
– Joe?
– Sim?
– Aqui
é Eddie Greer.
– Ah,
sim.
– Queremos
que você faça um recital beneficente...
– Que
é?
– Pro
I.R.A.
– Escuta,
Eddie, eu não me ligo em política nem religião, nem seja lá no
que for. Realmente não sei o que está acontecendo por lá. Não
tenho TV, não leio jornais... nada disso. Não sei quem está certo
ou errado, se é que isso existe.
– A
Inglaterra está errada, cara.
– Não
posso fazer recital pro I.R.A., Eddie.
– Tudo
bem então...
Os
ovos estavam prontos. Ele se sentou, descascou-os, pôs pão na
torradeira e diluiu o Sanka com água quente. Comeu os ovos e a
torrada e tomou dois cafés. Depois voltou para a cama.
Já
ia dormir quando o telefone tornou a tocar. Levantou-se e atendeu.
– Sr.
Mayer?
– Sim?
– Eu
me chamo Mike Haven, sou amigo de Stuart Irving. Nós publicamos
juntos em Mula de Pedra, quando Mula de Pedra era editada em Salt
Lake City.
– Sim?
– Eu
cheguei de Montana e fico aqui uma semana. Estou no Hotel Sheraton na
cidade. Gostaria de fazer uma visita e conversar com você.
– Hoje
é um mau dia, Mike.
– Bem,
talvez eu possa passar depois, esta semana.
– É,
por que não liga depois?
– Sabe,
Joe, eu escrevo como você, poesia e prosa. Quero levar alguns
trabalhos meus e ler pra você. Você vai ficar surpreso. Meu
material é realmente forte.
– Ah,
é?
– Você
vai ver.
Depois
foi o carteiro. Uma carta. Joe leu-a:
Caro
Sr. Mayer:
Peguei
seu endereço com Sylvia, a quem o senhor escrevia, para Paris, há
muitos anos. Sylvia ainda está viva em San Francisco, e ainda
escreve seus poemas doidos, proféticos e angelicais. Estou morando
em Los Angeles agora e adoraria ir visitar o senhor! Por favor,
diga-me quando estaria bem para o senhor.
amor,
Diana.
Ele
despiu o roupão e vestiu-se. O telefone tornou a tocar. Ele foi até
lá, olhou-o e não atendeu. Saiu, entrou no carro e dirigiu-se a
Santa Anita. Dirigia devagar. Ligou o rádio e sintonizou uma música
sinfônica. Não estava muito nublado. Desceu o Sunset, pegou o
atalho favorito, subiu o morro em direção a Chinatown, passando
pelo Anexo, pelo Little Joe, Chinatown, e pegou o trecho tranquilo ao
lado dos pátios da ferrovia, olhando os vagões marrons lá embaixo.
Se soubesse pintar, gostaria de pegar aquilo. Talvez os pintasse
mesmo assim. Subiu a Broadway e pegou Huntington Drive para ir ao
hipódromo. Comprou um sanduíche de carne em conserva e um café,
abriu o programa das corridas e sentou-se. Parecia uma boa cartada.
Pegou
Rosalina no primeiro a 10 dólares e 80 centavos, Wife’s Objection
no segundo a 9,20 e cravou-os na dupla diária por 48,40. Teve um
ganho de 25 dólares em Rosalina e de cinco em Wife’s Objection, e
assim faturou 73,20. Perdeu em Sweetott, ficou em segundo com Harbor
Point, segundo com Pitch Out, segundo com Brannan, todas apostas na
cabeça, e estava com um lucro de 48,20 quando teve um ganho de 20
dólares em Southern Cream, que o levou de volta a 73,20.
Não
estava ruim no hipódromo. Só encontrou três conhecidos. Operários
de fábrica. Negros. Dos velhos tempos.
A
oitava corrida foi o problema. Cougar, que estava pagando 128, corria
contra Unconscious, pagando 123. Joe não considerou os outros na
corrida. Não conseguia decidir-se. Cougar estava 3 a 5 e Unconscious
7 a 2. Estando com um ganho de 73,20, ele achou que podia se dar ao
luxo de apostar no 3 a 5. Apostou 30 dólares. Cougar partiu mole,
como se corresse numa vala. Quando chegou na metade da primeira
volta, estava dezessete corpos atrás do cavalo da frente. Joe sabia
que pegara um perdedor. No fim, seu 3 a 5 ficou cinco corpos atrás e
a corrida acabou.
Ele
pôs 10 e 10 em Barbizon Jr. e Lost at Sea no nono, perdeu e saiu com
23,20. Era mais fácil colher tomates. Entrou em seu velho carro e
voltou devagar...
Quando
entrava na banheira, a campainha da porta tocou. Ele se enxugou e
enfiou a camisa e as calças. Era Max Billinghouse. Max tinha vinte e
poucos anos, não tinha dentes, era ruivo. Trabalhava como faxineiro
e sempre usava blue jeans e uma camiseta branca suja. Sentou-se numa
cadeira e cruzou as pernas.
– Bem,
Mayer, que é que há?
– Que
quer dizer?
– Quero
dizer: está sobrevivendo com sua literatura?
– No
momento.
– Tem
alguma novidade?
– Não
desde que você esteve aqui na semana passada.
– Como
foi seu recital de poesia?
– Foi
tudo bem.
– A
turma que vai a recital de poesia é bem falsa.
– A
maioria das turmas é.
– Tem
algum doce? – perguntou Max.
– Doce?
– É,
eu tenho mania de doces. Tenho mania de doces.
– Não
tenho nenhum doce.
Max
levantou-se e foi até a cozinha. Voltou com um tomate e duas fatias
de pão. Sentou-se.
– Nossa,
você não tem nada pra comer por aqui.
– Vou
ter de ir ao supermercado.
– Sabe
– disse Max –, se eu tivesse de ler diante de uma multidão, na
verdade insultava eles, ia ferir os sentimentos deles.
– Podia.
– Mas
eu não sei escrever. Acho que vou andar por aí com um gravador. Às
vezes converso comigo mesmo quando estou trabalhando. Depois posso
escrever o que digo e fazer um conto.
Max
era homem de hora e meia. Servia para uma hora e meia. Jamais ouvia,
só falava. Após uma hora e meia, levantou-se.
– Bem,
tenho de ir andando.
– Tudo
bem, Max.
Max
saiu. Sempre falava das mesmas coisas. Que insultara pessoas num
ônibus. Que uma vez se encontrara com Charles Manson. Que um homem
estava mais bem servido com uma prostituta que com uma mulher
honesta. Tinha sexo na cabeça. Não precisava de roupas novas, de
carro novo. Era um solitário. Não precisava das pessoas.
Joe
foi à cozinha, pegou uma lata de atum e fez três sanduíches. Pegou
a garrafa de uísque que vinha poupando e serviu uma boa dose com
água. Ligou o rádio na estação de clássicos. “Danúbio Azul.”
Desligou-o. Acabou os sanduíches. A campainha tocou. Joe foi até a
porta e abriu-a. Era Hymie. Hymie tinha um emprego mole em algum
lugar de algum governo municipal perto de Los Angeles. Era poeta.
– Escuta
– ele disse –, aquele livro que estava pensando, Antologia de
Poetas de Los Angeles, vamos esquecer.
– Tudo
bem.
Hymie
sentou-se.
– Precisamos
de um novo título. Acho que eu tenho. Perdão aos Fomentadores da
Guerra. Pense nisso.
– Acho
que gosto – disse Joe.
– E
podemos dizer: “Este livro é para Franco, Lee Harvey Oswald e
Adolf Hitler”. Ora, eu sou judeu, logo isso exige alguma coragem.
Que acha?
– Parece
bom.
Hymie
levantou-se e fez sua imitação de um judeu gordo típico dos velhos
tempos, um judeu muito gordo. Deu uma cuspida e sentou-se. Era muito
engraçado. Era o homem mais engraçado que Hymie conhecia. Servia
por uma hora. Após uma hora, levantou-se e foi embora. Sempre falava
das mesmas coisas. Que a maioria dos poetas era ruim. Que era
trágico, tão trágico que tinha graça. Que se ia fazer?
Joe
tomou outro bom uísque com água e foi para a máquina de escrever.
Bateu duas linhas, e o telefone tocou. Era Dunning no hospital.
Dunning bebia muita cerveja. Cumprira seus vinte anos no exército. O
pai de Dunning tinha sido editor de uma revistinha famosa. Morrera em
junho. A esposa de Dunning era ambiciosa. Pressionara-o para ser
médico, muito. Ele conseguira ser quiropata. E trabalhava como
enfermeiro tentando economizar oito ou dez mil dólares para uma
máquina de raios x.
– Que
tal eu aparecer pra tomar umas cervejas com você? – perguntou
Dunning.
– Escuta,
podemos adiar isso? – perguntou Joe.
– Que
é que há? Está escrevendo?
– Mal
comecei.
– Tudo
bem, eu espero.
– Obrigado,
Dunning.
Joe
sentou-se à máquina de escrever. Não estava mal. Chegou ao meio da
página, quando ouviu passos. Depois uma batida. Abriu a porta.
Eram
dois rapazinhos. Um de barba negra, o outro barbeado.
O
rapaz de barba disse:
– Vi
você em seu último recital.
– Entre
– disse Joe.
Entraram.
Tinham seis garrafas de cerveja importada, casco verde.
– Vou
pegar um abridor – disse Joe.
Ficaram
ali sentados mamando a cerveja.
– Foi
um bom recital – disse o rapaz de barba.
– Quem
foi sua maior influência? – perguntou o sem barba.
– Jeffers.
Poemas mais longos. Tamar. Garanhão Ruão. Por aí.
– Alguma
coisa nova em literatura que lhe interesse?
– Não.
– Dizem
que você está saindo da marginalidade, que faz parte do
establishment . Que acha disso?
– Nada.
Houve
outras perguntas do mesmo tipo. Os rapazes não aguentavam mais do
que uma cerveja por cabeça. Joe cuidou das outras quatro. Eles
partiram em quarenta e cinco minutos.
Mas
o sem barba disse, quando saíam:
– A
gente volta.
Joe
tornou a sentar-se à máquina de escrever com uma nova bebida. Não
conseguia bater. Levantou-se e foi ao telefone.
Discou.
E esperou. Ela estava em casa. Respondeu.
– Escuta
– disse Joe –, me deixa sair daqui. Me deixa ir aí dar uma foda.
– Quer
dizer que pretende passar a noite?
– É.
– De
novo?
– É,
de novo.
– Tudo
bem.
Joe
foi até o canto da varanda e rampa da garagem. Ela morava três ou
quatro casas abaixo. Ele bateu. Lu deixou-o entrar.
Luzes
apagadas. Ela estava só de calcinha e levou-o para a cama.
– Deus
– ele gemeu.
– Que
foi?
– Bem,
é tudo inexplicável de certa forma, ou quase inexplicável.
– E
só tirar a roupa e vir pra cama.
Joe
fez isso. Deitou-se. A princípio não sabia se ia funcionar de novo.
Tantas noites seguidas. Mas o corpo dela estava ali e era jovem. E os
lábios abertos e concretos. Joe flutuava. Era bom estar no escuro.
Ele malhou-a bem. Chegou a baixar lá embaixo e meter a língua na
xoxota. Depois, quando montou, após quatro ou cinco estocadas, ouviu
uma voz...
– Mayer...
estou procurando um certo Joe Mayer... Ouviu a voz do senhorio. O
senhorio estava bêbado.
– Bem,
se ele não está nesse apartamento de frente, verifique aquele de
trás. Ele está num ou noutro.
Joe
deu quatro ou cinco estocadas até começarem as batidas na porta.
Ele escorregou para fora e, nu, foi à porta. Abriu uma janela
lateral.
– Sim?
– Ei,
Joe! Oi, que anda fazendo, Joe?
– Nada.
– Bem,
que tal uma cervejinha, Joe?
– Não
– disse Joe.
Bateu
a janela lateral e voltou para a cama.
– Quem
era? – ela perguntou.
– Não
sei. Não reconheci o rosto.
– Me
beija, Joe. Não fique aí deitado.
Ele
beijou-a, enquanto a lua do sul da Califórnia atravessava as
cortinas do Sul da Califórnia. Era Joe Mayer. Escritor freelance.
Conseguiu.
Charles Bukowski, in Numa Fria
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