Como
é dia 15, a fila se estende até chegar quase ao setor dos legumes.
Você anda um pouco procurando alguma fila mais vazia, mas muitas
pessoas buscam o mesmo e não há nada a fazer: você tem de esperar.
Há
tanta gente no supermercado que as revistas para folhear acabaram, e
só lhe resta olhar para o teto, olhar para as unhas, olhar para o
que os outros estão comprando, dizer a si mesma: “Para um país
que está na merda, bem que há muita gente que pode comprar três
variedades de sucrilhos”. E no fim, morta de tédio e de vontade de
matar a louca que comprou toneladas de papel higiênico, olha seu
próprio carrinho, para ver se esqueceu de pegar alguma coisa. É um
exercício ridículo porque é claro que falta alguma coisa, que
pena: você sai dali e perde o lugar. Nunca foi capaz de fazer isto
que os outros fazem: parar a fila porque esqueceu alguma coisa, leite
ou amaciante.
A
primeira coisa que você vê são as sardinhas. Latinhas vermelhas
estampadas com pescados azul-prateados que parecem muito alegres, mas
com certeza não estão. “Estou levando o bastante?”, você se
pergunta. Ele gosta de comer sardinhas com mandioca e cebola pelo
menos uma vez por semana. “O que ele vê nas sardinhas?”, diz
você ao mesmo tempo que dá pequenos passos, olha para todos os
lados e abre devagarinho um pacote de batatas fritas. Essa subversão,
comer coisas no supermercado antes de pagá-las, é uma das únicas
que você se permite.
É
a única que você se permite.
“O
que ele vê nas malditas sardinhas?”, pensa você. “São
prateadas como papel-alumínio e têm pequenos espinhos que raspam a
garganta. Têm gosto de barro salgado.”
As
crianças também não suportam, mas ele adora, ele as exige, e você
sempre leva quatro latas por mês, embora ele seja o único que vá
comê-las, embora nesse dia você tenha de cozinhar uma coisa
diferente para os outros membros da família.
Ao
lado das sardinhas assomam as alcachofras, como granadas de mão.
“Por que ele gosta dessas infâmias? São caríssimas, complicadas
de comer e não têm nem sabor.” Para ele, você tem de fazê-las
no vapor e servi-las acompanhadas de um molho de queijo, tabasco e
mostarda e, depois que ele termina de mordiscar as pontinhas das
folhas — “como um afrescalhado”, você pensa —, você tem que
retirar o prato, eliminar a parte peluda — “buceta de gringa,
eca” — e levar para ele outra vez à mesa o coração picadinho
cheio de molho.
Ele
come os corações com a mão.
Você
fica olhando para as cervejas. Ele é capaz de bater nas crianças
se, ao chegar do trabalho, não encontrar uma lata junto ao copo
congelado. Tudo do jeito dele. Por mais que você tente, não
consegue fazer com que as crianças percam a obsessão que têm por
esse copo filho da puta: são fascinadas pela água dentro dele e os
peixinhos coloridos flutuando nesse espaço. Um dia ele encontrou
Junior agitando-o para que os peixes se mexessem enquanto ele bebia.
Ele deu tamanho tapa no menino que o suco de laranja voou pela casa
inteira. Que aquilo não era brinquedo. Que era o seu copo de cerveja
e que da próxima vez que o visse com ele, ia queimar seus dedos com
fósforos.
— Assim
— pegou um papel e o aproximou da chama de um isqueiro —, é
assim que eu vou queimar sua mão se você pegar meu copo de novo.
O
copo, é preciso lavá-lo e voltar a guardá-lo no congelador até
que ele abre a porta às cinco e quarenta e cinco. Aquela hora, e não
antes. Aquela hora, e não depois. Deve-se tirá-lo, abrir a cerveja
e servi-la inclinando o copo e a lata, de maneira que não forme
muita espuma. Nem muito pouca. É capaz que ele a chame de cretina,
retardada, maldita se não fizer as coisas direito.
— Cretina,
estragou minha cerveja. Eu sei que você faz isso de propósito,
porque a única coisa que você gosta de fazer é foder minha vida.
Também
há os seus iogurtes. São iogurtes de baunilha com geleia de frutas
no fundo. Ele os pega e enfia no congelador de sua geladeira. Todas
as noites ele come um deles enquanto vê televisão deitado em sua
poltrona reclinável. Ele os conta, os iogurtes, ele os conta, e
então quando as crianças, que são gulosas, comem algum potinho,
você tem de lhe dizer que foi você e aguentar a ladainha até que
ele se canse, sem levantar os olhos, porque ai de você se levantar
os olhos.
— Você
está me desafiando, é? Está me desafiando, sua merda?
Às
vezes ele manda você ir ao mercado, seja a hora que for. Mesmo que
esteja chovendo. É o seu castigo: você pegou o que não é seu.
Pior: você pegou o que é dele.
Você
continua olhando o carrinho. Não pegou a caixa de cereais que as
crianças pediram e fica com dó. Se a levasse, o dinheiro não ia
dar para a carne, ele gosta do bife fino, sem uma pelezinha, sem uma
gordura. O bife fino é caro e ele não solta um centavo a mais
durante o mês inteiro. Você pegou três pacotinhos de cereais
nacionais, um para cada um, e uma marca de absorventes das piores,
dos ásperos, desses que se desmancham rápido e as calcinhas ficam
cheias de bolinhas de algodão.
Mas
você pegou as tripas e o amendoim para fazer guata para ele,
o Coffee-Mate que ele leva
para o escritório, os Kleenex de seu carro, sua revista Estadio,
as favasfritas para ver o jogo de futebol, o maracujá para fazer seu
suco. Maracujá: essa coisa pegajosa que você não entende como
alguém pode gostar.
Você
voltou a comprar o xampu que está na oferta, um daqueles que é como
tomar banho com detergente. O que é bom para o seu cabelo é o
outro, aquele que você nunca compra.
Enquanto
você está nesse devaneio, a fila anda: a mulher que está à sua
frente retira as últimas coisas do carrinho. Ela está levando o
xampu para cabelos tingidos que você todos os meses jura que vai
comprar. Não pegou sardinhas. Não pegou alcachofras.
Ela
olha para você, sorri e põe na esteira a barrinha, essa pequena
fronteira metálica que separará as compras dela das suas. O xampu
dela do seu. As escolhas dela das suas.
Alguém
vem e devolve um carrinho vazio. Você o põe ao lado do seu, que
está cheio. Começa a passar para esse outro carrinho as sardinhas,
as cervejas, as tripas, as favas, as alcachofras filhas da puta, os
iogurtes de merda, o maldito Coffee-Mate, o maracujá melequento e a
revista Estadio com todos os putos jogadores do Barcelona e do
Emelec, cada um pior que o outro.
— A
senhora não vai levar isso? — pergunta a caixa apontando para o
segundo carrinho.
Você
olha para ela.
— Senhora,
e essas coisas, não vai levar? — insiste a caixa, apontando com o
queixo para o carrinho onde brilham as latas de sardinha.
Você
nega com a cabeça.
A
menina chama um rapaz para que devolva tudo às prateleiras. Você
olha para ele com o rabo do olho. Ele olha para você. Você lhe diz,
com o queixo, que vá. E, sorrindo, diz uma frase para si mesma que
ninguém mais consegue escutar.
María Fernanda Ampuero, in Rinha de galos
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