quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Outra

Como é dia 15, a fila se estende até chegar quase ao setor dos legumes. Você anda um pouco procurando alguma fila mais vazia, mas muitas pessoas buscam o mesmo e não há nada a fazer: você tem de esperar.
Há tanta gente no supermercado que as revistas para folhear acabaram, e só lhe resta olhar para o teto, olhar para as unhas, olhar para o que os outros estão comprando, dizer a si mesma: “Para um país que está na merda, bem que há muita gente que pode comprar três variedades de sucrilhos”. E no fim, morta de tédio e de vontade de matar a louca que comprou toneladas de papel higiênico, olha seu próprio carrinho, para ver se esqueceu de pegar alguma coisa. É um exercício ridículo porque é claro que falta alguma coisa, que pena: você sai dali e perde o lugar. Nunca foi capaz de fazer isto que os outros fazem: parar a fila porque esqueceu alguma coisa, leite ou amaciante.
A primeira coisa que você vê são as sardinhas. Latinhas vermelhas estampadas com pescados azul-prateados que parecem muito alegres, mas com certeza não estão. “Estou levando o bastante?”, você se pergunta. Ele gosta de comer sardinhas com mandioca e cebola pelo menos uma vez por semana. “O que ele vê nas sardinhas?”, diz você ao mesmo tempo que dá pequenos passos, olha para todos os lados e abre devagarinho um pacote de batatas fritas. Essa subversão, comer coisas no supermercado antes de pagá-las, é uma das únicas que você se permite.
É a única que você se permite.
O que ele vê nas malditas sardinhas?”, pensa você. “São prateadas como papel-alumínio e têm pequenos espinhos que raspam a garganta. Têm gosto de barro salgado.”
As crianças também não suportam, mas ele adora, ele as exige, e você sempre leva quatro latas por mês, embora ele seja o único que vá comê-las, embora nesse dia você tenha de cozinhar uma coisa diferente para os outros membros da família.
Ao lado das sardinhas assomam as alcachofras, como granadas de mão. “Por que ele gosta dessas infâmias? São caríssimas, complicadas de comer e não têm nem sabor.” Para ele, você tem de fazê-las no vapor e servi-las acompanhadas de um molho de queijo, tabasco e mostarda e, depois que ele termina de mordiscar as pontinhas das folhas — “como um afrescalhado”, você pensa —, você tem que retirar o prato, eliminar a parte peluda — “buceta de gringa, eca” — e levar para ele outra vez à mesa o coração picadinho cheio de molho.
Ele come os corações com a mão.
Você fica olhando para as cervejas. Ele é capaz de bater nas crianças se, ao chegar do trabalho, não encontrar uma lata junto ao copo congelado. Tudo do jeito dele. Por mais que você tente, não consegue fazer com que as crianças percam a obsessão que têm por esse copo filho da puta: são fascinadas pela água dentro dele e os peixinhos coloridos flutuando nesse espaço. Um dia ele encontrou Junior agitando-o para que os peixes se mexessem enquanto ele bebia. Ele deu tamanho tapa no menino que o suco de laranja voou pela casa inteira. Que aquilo não era brinquedo. Que era o seu copo de cerveja e que da próxima vez que o visse com ele, ia queimar seus dedos com fósforos.
Assim — pegou um papel e o aproximou da chama de um isqueiro —, é assim que eu vou queimar sua mão se você pegar meu copo de novo.
O copo, é preciso lavá-lo e voltar a guardá-lo no congelador até que ele abre a porta às cinco e quarenta e cinco. Aquela hora, e não antes. Aquela hora, e não depois. Deve-se tirá-lo, abrir a cerveja e servi-la inclinando o copo e a lata, de maneira que não forme muita espuma. Nem muito pouca. É capaz que ele a chame de cretina, retardada, maldita se não fizer as coisas direito.
Cretina, estragou minha cerveja. Eu sei que você faz isso de propósito, porque a única coisa que você gosta de fazer é foder minha vida.
Também há os seus iogurtes. São iogurtes de baunilha com geleia de frutas no fundo. Ele os pega e enfia no congelador de sua geladeira. Todas as noites ele come um deles enquanto vê televisão deitado em sua poltrona reclinável. Ele os conta, os iogurtes, ele os conta, e então quando as crianças, que são gulosas, comem algum potinho, você tem de lhe dizer que foi você e aguentar a ladainha até que ele se canse, sem levantar os olhos, porque ai de você se levantar os olhos.
Você está me desafiando, é? Está me desafiando, sua merda?
Às vezes ele manda você ir ao mercado, seja a hora que for. Mesmo que esteja chovendo. É o seu castigo: você pegou o que não é seu. Pior: você pegou o que é dele.
Você continua olhando o carrinho. Não pegou a caixa de cereais que as crianças pediram e fica com dó. Se a levasse, o dinheiro não ia dar para a carne, ele gosta do bife fino, sem uma pelezinha, sem uma gordura. O bife fino é caro e ele não solta um centavo a mais durante o mês inteiro. Você pegou três pacotinhos de cereais nacionais, um para cada um, e uma marca de absorventes das piores, dos ásperos, desses que se desmancham rápido e as calcinhas ficam cheias de bolinhas de algodão.
Mas você pegou as tripas e o amendoim para fazer guata para ele, o Coffee-Mate que ele leva para o escritório, os Kleenex de seu carro, sua revista Estadio, as favasfritas para ver o jogo de futebol, o maracujá para fazer seu suco. Maracujá: essa coisa pegajosa que você não entende como alguém pode gostar.
Você voltou a comprar o xampu que está na oferta, um daqueles que é como tomar banho com detergente. O que é bom para o seu cabelo é o outro, aquele que você nunca compra.
Enquanto você está nesse devaneio, a fila anda: a mulher que está à sua frente retira as últimas coisas do carrinho. Ela está levando o xampu para cabelos tingidos que você todos os meses jura que vai comprar. Não pegou sardinhas. Não pegou alcachofras.
Ela olha para você, sorri e põe na esteira a barrinha, essa pequena fronteira metálica que separará as compras dela das suas. O xampu dela do seu. As escolhas dela das suas.
Alguém vem e devolve um carrinho vazio. Você o põe ao lado do seu, que está cheio. Começa a passar para esse outro carrinho as sardinhas, as cervejas, as tripas, as favas, as alcachofras filhas da puta, os iogurtes de merda, o maldito Coffee-Mate, o maracujá melequento e a revista Estadio com todos os putos jogadores do Barcelona e do Emelec, cada um pior que o outro.
A senhora não vai levar isso? — pergunta a caixa apontando para o segundo carrinho.
Você olha para ela.
Senhora, e essas coisas, não vai levar? — insiste a caixa, apontando com o queixo para o carrinho onde brilham as latas de sardinha.
Você nega com a cabeça.
A menina chama um rapaz para que devolva tudo às prateleiras. Você olha para ele com o rabo do olho. Ele olha para você. Você lhe diz, com o queixo, que vá. E, sorrindo, diz uma frase para si mesma que ninguém mais consegue escutar.

María Fernanda Ampuero, in Rinha de galos

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