sábado, 13 de agosto de 2022

Gesta de Grilo

Reparai que o grilo voltou a cantar!
Charles Dickens

Não juro, mas penso que o camarada grilo, que mora no mais alto ponto da pirâmide de tijolos, no canto de muro, não é bem brasileiro e sim colono europeu que se nacionalizou, sem decreto e ato jurídico espontâneo ou pleiteado.
No tempo de Gabriel Soares de Sousa, o grilo vinha para as povoações metido na palha cortada na mata e aproveitada para os casebres. Andava aos bandos como gafanhotos o que não é uso e costume mantido por ele nem por seus antepassados conhecidos nos almanaques de Gota para leitura da família grilídea, espécie ortóptera e gênero Grillus, o Gryllus domesticus, preto ou esverdeado, e o Gryllus campestris, negro, grosso, encorpado e falastrão.
Roberto Southey conta que, em 1540, já um castelhano vinha para o Brasil trazendo um grilo como passarinho cantador. E este grilo cantou adivinhando a proximidade de terra quando nenhum mareante dela suspeitava. Southey confessa que o grilo salvou a todos, naus e passageiros, incluindo o senhor Adelantado Álvaro Nuñez Cabeza de Vaca, que ia para o Paraguai. Injustamente, não houve entrega de mercê do rei Nosso Senhor ao ortóptero que defendera vidas e fazenda de Sua Majestade.
Vistos e relatados, deduzo que o nosso é grilo de longe e o grilo do Brasil velho fundiu-se nos amores com os emigrantes, vindos nos navios, com ou sem permissão legal.
Tanto é assim, que no Brasil o grilo não goza de prestígio como na Europa inteira, onde ninguém intencionalmente tem a coragem de matá-lo porque dizem os ingleses que to kill a cricket is unlucky, e a sua presença garante felicidade a uma casa, the cricket brings good luck to the house e desaparecendo é uma verdadeira desgraça; Its departure from the house is a sign of coming misfortune. Tratando-se de depoimentos de súditos de Sua Graciosa Majestade creio ser bastante para elucidar suficientemente a questão.
No Brasil o grilo não conseguiu manter esta fama e lá uma pessoa ou outra é que o ama. Triste e sabida minoria.
Outro ponto a desenvolver é a antipatia quase geral ao canto do grilo, determinando buscas com intuitos fatais para a sua pessoa. Ninguém admite que portugueses e espanhóis criem grilos em gaiolinhas de dois e cinco andares, cada um com seu tenor, e exista quem as compre para deleite confessado na audição noturna do quinteto ou trio encantador.
Idem os livros ensinam que ele come, roendo, brotos, sementes, folhas verdes, raízes. Verdade é que come tudo quanto quer ou pode. Onívoro é que ele é. Terá dois a três olhos de fingimento porque, se lhe arrancam as longas antenas, cega de vez. Os três pares de patas, desiguais e prestantes, conservam três articulações cada, o derradeiro par, comprido em demasia relativamente ao vulto, vale catapulta, atirando-o longe, com segurança e presteza. Se minhas pernas tivessem a proporção da força propulsora das do grilo podia eu visitar, de um único salto, o Cristo do Corcovado sem pagar transporte. E também possuíssem meus dentes idêntica energia à das mandíbulas do grilo, partiria facilmente, com uma dentada, um coco, bebendo-lhe a doce água sem trabalho de abri-lo.
Também a sua voz merece registro pela extensão poderosa. Tivesse ele o nosso volume, e sua fala cantada na praça Mauá alcançaria Botafogo com tranquilidade e largura. Talvez até fosse perto dos túneis, ainda audível.
Há, entretanto, faculdades negativas a mencionar. Comendo, como come, cinco vezes o seu peso, daria para o homem que lhe tivesse o apetite uma margem surpreendente de despesas alimentares. Multiplicar o nosso peso por cinco (e é quanto deveríamos comer), imitando o camarada grilo. O grilo, sendo providencialista, ignora admiravelmente o preço de vida, olhando os lírios do campo e as aves do céu.
Participa serenamente de hábitos crepusculares, dos noturnos, e quando Deus permite, diurnos também, com naturalidade ou cinismo.
Pode voar perfeitamente, mas prefere a série de saltos olímpicos, desferidos inopinada e brilhantemente quando o julgam quase prisioneiro. Assim muito o devem divertir as carreiras inócuas de Licosa e as campanhas teimosas de Titius. Deixa-os aproximar como se estivesse dormindo e desaparece quando a aranha ou o escorpião o consideram pronto para o jantar infalível. Tem, fiado nas pernas traseiras feitas de aço, atrevimentos humorísticos: cantar perto de Sofia, de Raca, de Gô, e vê-los de bico e focinho apontados para o ar vazio de qualquer grilo. Igualmente zomba do povo de Ata. Respeita unicamente o xexéu, o canário da goiabeira, o bem-te-vi e mesmo – desconfiar é juízo em potencial – a lavadeira, tão amável e mansinha. Nunca se mostra aos seus bicos e mete-se, caladinho, debaixo do tijolo residencial ou nalguma folha abrigadora e insusceptível de denunciar-lhe o retiro provisório.
Durante a noite canta desafogando as mágoas; sabe que Sofia está longe (Sofia bica todas as coisas passíveis de ser alimentação) e o filósofo Niti esvoaça lá pela estrada velha e mesmo não mora no quintal. Xexéu, canário, bem-te-vi, lavandeira não funcionam durante a noite, obedecendo às leis de sua legislação trabalhista.
O grilo, sozinho, enche todo espaço com seu canto. O instrumento musical consta, realmente, de um reco-reco. Os dois élitros, membranas finas, resistentes, podem vibrar por fricção em todo seu comprimento. Na base do élitro direito uma saliência irradia cinco nervuras, duas para o alto, duas para baixo e a quinta quase transversal. É o arco vibrador, eriçado com cento e cinquenta dentes, saliências que vão atritar a faixa rugosa do élitro esquerdo. As nervuras servem de tímpanos ressonadores, dois pela fricção direta e dois pela trepidação comunicada. Assim o humilde reco-reco amplia na majestade da noite quieta sua sonoridade vibrante. A potência estridulante consiste na simplicidade engenhosa destes elementos. Mas é a parte material. Falta o artista que é a virtuosidade da transmissão, a força que emite e sabe variar as intensidades interpretativas de sua intenção, lírica, contemplativa, sexual, boêmia, vadia. Há gama exata para todos os sentimentos de grilo que possui ressonador para divulgá-los.
As duas antenas são muito mais delicadas do que a polpa de um dedo feminino, capaz e perfeitamente idôneo na comunicação dos pensamentos mais complexos ou simplesmente perigosos. As antenas do grilo negro são menores que as do esverdeado. Basta que toquem para que o grilo adquira uma compreensão admirável do conjunto. Compreensão que não é a nossa mas a dele; por isso ficam ou fogem, cantam ou silenciam na conformidade da sensação captada.
Só cantam os grilos machos. As fêmeas ouvem, compreendem e respondem material e satisfatoriamente segundo circunstâncias de tempo e lugar. Não é, como dizem, privilégio dos grilos. Desde a velha antiguidade sempre as serenatas e os cantos esponsalícios foram privativos dos homens. Nunca ouvi falar em serenata feminina nem declaração melódica entoada por uma voz de mulher. São elas, como as senhoritas ou madame grilo, as inspiradoras, os motivos, as finalidades dos cantos. Para que mais, Laura, Beatriz, Julieta?
Afirma-se que a senhorita que o grilo corteja sabe responder ao seu apelo não apenas objetiva mas sonoramente, com um breve trilo eloquente e bastante comprometedor.
Discute-se muito, e com proveito para a paz universal e estabilidade do juízo humano, se os grilos realmente comunicam-se com o seu reco-reco sentimental. O grilo campestre tem dois cantos, segundo os mestres, e, segundo o meu ouvido, três.
O primeiro é a cega-rega impertinente com que inebria seu devoto auditório luso-castelhano. É uma série de notas curtas e claras, como caídas às gotas, de um vaso bem alto. Intensidade e timbre são imutáveis, e daí que signifiquem alguma coisa senão alegria lúdica, bom humor, expansão comunicativa de uma boa digestão, de um plano elaborado sem falhas para a futura aplicação. É idêntico às cantigas no banheiro, aos solfejos quando voltamos para casa eufóricos, ao indeciso cantarolar inconsciente com que acompanhamos um trabalho maquinal, feito com carinho. O segundo é uma emissão de notas de certa extensão, com intervalos que parecem regulares; notas elevadas, metálicas, insistentes e capazes de despertar o Gigante de Pedra.
Este é o que julgo intencional e destinado a recadear para a noiva, prometida pelo destino ou “conversada” de vez, como se diz em Portugal. O terceiro é ainda em notas vivas e prolongadas, porém com emissão de notas breves intervalares bem acentuadas.
Estes cantos são perfeitamente diferenciados e reconhecíveis. As notas breves do terceiro são ad libitum, em número desigual e de valor sônico inapreciável.
A intensidade do canto no grilo pode atingir a 20 mil vibrações por segundo, quase o quádruplo do limite do som musical. É fácil deduzir-se seu poder de penetração sonora, e decorrentemente influência em sugestão, excitação e provocação nas fêmeas.
Há na Europa (França, Itália etc.) grilos cantadores diurnos que não emigraram para o Brasil. Os nossos são boêmios, preferindo as horas crepusculares para as alegrias da execução musical. Nunca ouvi um grilo cantando durante o dia. Sua cantiga participa, na classe do violinos spalla, da grande orquestra sinfônica da noite tropical.
Uma fácil imagem comparativa sobre a fina acuidade auditiva do grilo é o ouvir como um grilo. Ele modifica os ritmos ou a intensidade do canto desde que perceba uma aproximação. Em compensação não me parece possuir visão suficiente. Com dissimulação e cuidado prendemos um grilo. Impossível, em certas oportunidades, é guiarmo­-nos pelo seu canto. O grilo torna o canto difuso, espalhado como por um processo ventriloquiano, ressonando em vários ângulos quase ao mesmo tempo. Os dois élitros estão elevados para a emissão das notas altas, numa mútua fricção incessante e ainda a quinta nervura do élitro direito, a quase transversal, provoca raspando a calosidade rugosa do élitro esquerdo outros valores sonoros. Assim o canto dá a impressão de vir de todos os pontos, do alto e de baixo, numa palpitação obstinada. Para as notas baixas, o grilo desce o rebordo do élitro vibrante e toca no próprio ventre que faz o papel de surdina pelo abaixamento do tom. É um pormenor acústico que ele sabe empregar com efeito seguro.
Ao lado do “ouvir como um grilo” sabe-se que a cigarra é surda, totalmente, ou “dura de ouças”. Vê, entretanto, pelos dois grandes olhos facetados e mais os três stematas que lhe servem de telescópios, ou melhor, periscópios, desvendando o que se passa por cima da cabeça do inseto. Mas, ouvir, não parece que ouça. A verificação de Fabre está sem contestação há mais de setenta anos.
Tem, pois, o camarada grilo, estes elementos superiores à cigarra clássica, amada pelos poetas grandes, desde Anacreonte a Olegário Mariano. Ouve excelentemente e pode modificar sua técnica de interpretação rítmica. Pode acentuar o canto porque o ouve e não tem a possível cofose da cigarra.
Há, para ele, tempo de amor e renuncia a sua gostosa solidão para procurar a fêmea. O caminho para encontrá-la é pelo faro, seguindo um aroma que a noiva segrega. O órgão olfativo do grilo é a antena. Cortando-a, deixa de receber as emanações animativas e excitadoras e desinteressa-se inteiramente pelo outro sexo. Fica casto como o cavaleiro do Santo Graal.
O ato amoroso realiza-o cavalgando a esposa que pode partir-lhe uma perna por ânsia sexual ou ciúme prévio de saber que não encontrará por muito tempo o esposo depois daquela hora embriagante. Hora ou mais, ficam juntos, e, às vezes, saltam jungidos, inseparáveis, parecendo um grilo duplo, assombrador da espécie.
O namoro é sempre precedido pela cantiga interminável que a fêmea responde ou não, sincronizada na recíproca. É, até prova em contrário, a vez única em que se permite cantar, aceitando o convite matrimonial na igreja verde e pagã do quintal. Quando a fêmea acorre ao chamamento, as notas ficam mais doces e o feliz escolhido presta a homenagem inicial à noiva passando-lhe levemente pelo corpo as antenas trêmulas.
Ele, o infiel, momentaneamente saciado, volta a seduzir outra romântica e repete a proeza até que cessa a febre da reprodução. A desposada larga uma série de grilos que nascem andando, comendo e quase solicitando companheiras no habitual apelo do reco-reco dorsal. O pai ignora-lhes ações e vida e compete ao devotamento maternal o cuidado clássico durante uns vinte dias.
Durante a fase de união saltam juntos por algum tempo mas é raro o encontro em parelha. Mas fácil e comum é deparar-se com dois grilos do mesmo sexo ocupados no pecado nefando, previsto e condenado pelos monitórios do Santo Ofício. É quase uma sentença passada em julgado o homossexualismo dos grilos. Não se pode indicar como elemento constante em baixa, média e alta civilização por ser useiro e vezeiro nos três estágios.
O grilo ostenta o luxo de ter fósseis no xistos de Solenhofen e no wealdiano, passagem entre os sistemas jurássico e cretáceo. Significa sua contemporaneidade com os mimosos Iguanodontes e Plesiossauros, antes que, explica o povo, morressem no dilúvio porque não foi possível empurrá-los para dentro da Arca de Noé.
Passada a tempestade sexual, o grilo retoma sua vida retirada, no isolamento, boêmia e caçadas. Nunca aparece acompanhado nem mesmo por algum amigo, como possuíam os imperadores romanos. Ao anoitecer, exercita-se para sua caçada que é busca e identificação das espécies vegetais preferidas. Quando coincide a escolha do grilo com a utilidade para o homem nasce-lhe o título de invasor maléfico e prejudicial.
O poder de suas mandíbulas arma-o de superioridade para ingerir os alimentos mais resistentes e diversos. O brando caule de uma gramínea vale, em tempo, tanto quanto a semente coriácea que decidiu provar. Rói igualmente madeira úmida ou semiapodrecida, tecidos, substâncias doces.
Um meu sagui (Hapalídeo) gostava imensamente de açúcar e costumava vir furtá-lo no açucareiro, retirando a tampa com carinha gaiata e desconfiada, metendo a mão e fugindo com o possível saque. Depois do açúcar o seu prato favorito era o grilo. Acompanhava minha mãe ao jardim, examinando cuidadosamente as roseiras e agarrando os grilos dos quais saboreava primeiro a cabeça e depois as patas, como se fossem caranguejos. De presente ou rapinagem havia açúcar espalhado ao redor da casinha do sagui e muitas vezes este apanhava grilos que ali vinham roer as pedrinhas.
Tanto o doméstico como o do campo, os grilos são excessivamente gulosos pelas flores, roendo sistematicamente as corolas semiabertas, as mais lindas porque eram as mais delicadas e substanciais, indignando minha mãe, jardineira devotada. O sagui exercia, em favor do seu agrado, uma missão simpática no castigo severo aos grilídeos.
Notável é a sua persistência como cantor às vezes dispensável e inoportuno. Sem explicação para chamamento da companheira ocasional, alheio a qualquer utilidade imediata, antes perigosa pela localização de sua pessoa na sonora coordenada geográfica, sozinho, dispensando alimentação, executa extenso programa com seu estridente reco-reco, variantes dos três números componentes do repertório. Horas e horas, embevecido, as asas frementes no atrito que o embriaga, entusiasta da própria execução inacabável e para os demais monótona, atendendo inexistentes pedidos de repetição, vive sua música como cercado de um halo de intensa vibração sonora, executor e ouvinte único da maravilhosa serenata sem assistência. Como o senso do utilitarismo é básico nos animais, ninguém atina com a vocação cantora inteiramente desinteressada e gratuita. Impressionante é vê-lo cantar, imóvel no seu recanto, extasiado pela magia rascante do atrito promovido a melodia. Os entomologistas admitem a existência deste canto sem aplicação, sem motivo, sem direção no espaço. Certo haverá um impulso incomprimível determinante desta atividade incompreendida pelos pesquisadores. É necessário crer que o camarada grilo esteja cumprindo uma missão obscura para os observadores mas indispensável e lógica para ele mesmo. Igualmente rãs e cigarras cantam sem plano útil e sem razão plausível. A interpretação que lhe dão é uma justificativa baseada no raciocínio individual. As coisas “devem” ser o que pensamos que sejam porque não sabemos como realmente “são”.
Este canto prolongado, puro, espontâneo, sacudido aos ventos tristes da noite, numa oblação rústica, oferenda bárbara, homenagem selvagem, não pode significar unicamente uma forma de expressão mecânica, desacompanhada de intenção, de forças representativas, mas tradutor de um movimento interior e misterioso, provocando sua expansão pela forma divulgadora daquela sonoridade primitiva e ritmada. Mais impressionante ainda porque o canto não está condicionado ao ciclo da excitação comunicativa do sexo. Não tem endereço à fêmea distante cujo perfume viajasse para suas antenas sensitivas. O sabido alarde de canto, bailado, desfile e luta, rejuvenescimento do pelo, couro, plumagem, para seduzir, enfeitiçar e fixar o pronunciamento da fêmea em seu favor, e, no plano ambivalente, afastar e amedrontar os concorrentes, não tem, no caso presente, a mais remota influência. O grilo já fecundou a esposa e a descendência está garantida. Retoma a rotina que não é silêncio e vida vegetativa de comer e defecar mas a energia assume a grandeza palpitante e nova daquele canto, obstinado e fiel, nas trevas do escurão tropical.

There are more things in heaven and earth,
Than are dreamt of in your philosophy.

Natural e humanamente muito Horácio não concorda.
O tenor gosta de lutar. Maxilas fortes, palpos cerdosos, as antenas adejantes, asas posteriores dobradas na posição longitudinal, os olhos grandes, escuros e baços, numa expressão sinistra de inutilidade, não se desvia de um encontro pressagiando o combate com armas iguais.
Não se medem num corpo a corpo em que as mandíbulas dão medida exata da resistência. Iniciam um jogo de empurra, dando cabeçadas, marradas, empuxões mútuos, cabeça a cabeça, como dois jovens touros joviais. Curioso vê-los baixar a cabeça e pular um sobre o outro num impulso das patas traseiras de prodigiosa propulsão. Depois é que o duelo se aquece e as mandíbulas procuram dar o corte feroz e definitivo, abreviando a pendência. O vencido é pasto do vitorioso. Lei comum...
A noite desceu e as estrelas clareiam o deserto do céu. Todos os animais do canto de muro, calçada, cozinha e quintal, apareceram para a revista ritual na luta noturna. Os morcegos passaram chiando nas asas de seda transparente. Gô largou um rosnado anunciador de caça à vista. O povo de Musi espalhou-se como sombras vivas e ágeis. Titius deixou o solar e Licosa transpôs o rebordo do tanque, seguindo presa invisível. O zumbido dos insetos venceu a treva fina e tépida. Niti já deve estar na estrada velha. Sofia abriu o voo silencioso na pista do sul. Fu largou o bufado resmungo saudador. A figura esguia de Raca coleou, deslizando.
No cimo informe dos tijolos subiram, claras, vivas, rápidas, três notas como flechas de cristal varando a noite serena.
O grilo começou a cantar…

Luís da Câmara Cascudo, in Canto de Muro

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