Volta
e meia estou recebendo cartas e telefonemas a propósito de minha
coluna neste jornal. Agora mesmo acaba de me telefonar uma moça
chamada Maura. Disse que me lê todos os sábados e coleciona as
minhas colunas. Que eu não posso imaginar o bem que faço a ela. No
decorrer de sua conversa – Maura tem uma voz delicada e sensível –
disse-me: eu leio logo que são passadas em braile.
Fiquei
um instante perplexa ou perturbada: estaria eu adivinhando certo?
Perguntei-lhe:
– Você
é cega?
Disse
que sim, de nascença. Tem 26 anos e sua família mora em Minas
Gerais. Desde 1950 Maura mora no Rio, com uma família amiga, e
estudou no Instituto Benjamin Constant. Atualmente estuda, na
Faculdade, português e principalmente literatura: usa gravador, e os
colegas também cooperam lendo-lhe as aulas. Disse que a pessoa que
passa minhas colunas para braile não é cega. Chama-se Constantino.
E já passou para braile quatro livros meus, hoje encadernados. Eu
lhe disse:
– Você
é uma moça muito corajosa e eu me sinto muito pobre diante de você.
– Coragem?
Não, é necessário enfrentar a vida, e todos têm problemas, e
minha cegueira não é o meu maior problema.
Maura
percebeu como eu estava perturbada e pediu-me que a tratasse como se
ela não tivesse “deficiência de visão”. Maura, eu raramente
tenho a sua coragem, e nem sei enfrentar a vida. É com profunda
humildade, Maura, que agradeço o seu telefonema que aconteceu, sem
você saber, num momento em que eu estava precisando de muita
coragem. E agradeço também a Constantino.
Imagino
Maura com olhos abertos, sem ver. Com todos os demais sentidos mais
sensíveis por isso mesmo. Lembro-me da vez em que, numa recepção,
fui com outras pessoas apresentada a Helen Keller, cega, surda e
falando roucamente, trocando um pouco as sílabas (pois nunca ouvira
alguém falar). Havia no grupo uma mocinha especialmente bela. Helen
Keller, no meio da conversa, sentiu necessidade de ver alguém, e
quem estava mais próximo era a mocinha. Helen Keller, então, com as
duas mãos passou dedos pelos traços do rosto da mocinha,
cuidadosamente, demoradamente. E disse: você é muito bonita.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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