Por
que jogávamos botão? Porque somos loucos por futebol. Porque se
joga com a turma. Porque se joga com primos, pais, irmãos, tios,
avós, amigos. Porque se joga sozinho. Se joga na mesa da sala, onde
a família se reúne. Ou no chão do quarto, quando a família se
reúne. Se o chão estiver sendo lustrado, se joga na garagem, no
hall do elevador, na calçada.
Alguns
amigos têm mesas próprias. Cada casa tem a sua regra. Muitas vezes,
as discussões sobre elas demandam mais tempo do que o próprio jogo.
Mas há uma ética: a regra do visitante não vale na casa do outro.
Há
jogos em que cada jogador só pode tocar uma vez na bola. Há aqueles
em que se pode tocar no máximo três vezes. E há o jogador, como
Maradona, que pode sair da própria intermediária, driblar todo o
time adversário e entrar com bola e tudo. Uma regra é a mesma em
todos os lares: é preciso avisar “vai pro gol”, para o goleiro
do outro time ser posicionado.
Cada
cidade tem o seu jeito de jogar. No Rio, jogava-se com um dadinho,
comprado em qualquer papelaria. Parece coisa de maluco, jogar com uma
bola quadrada. Mas ela dá efeito, é rápida, voa, como se
estivéssemos no estádio de La Paz (Bolívia). No Rio, o galalite
era o material do jogador. Cada um de uma cor, brilhante como
madrepérola, devia ser lixado antes, para correr como um recordista
de 100 metros. Os atacantes eram menores. Os beques, altos.
O
goleiro? Chumbo derretido, enfiado em caixa de fósforo.
Em
Santos, jogava-se com tampas de relógio. As de despertador viravam
beques. As de pulso, atacantes hábeis. Toda molecada fazia incursões
pelos relojoeiros do Centro, em busca de grandes craques. Mas a bola
era quase redonda: a peça do jogo War.
Já
em São Paulo, se jogava com bolas de feltro, esféricas, mas lentas,
que corriam desengonçadas, e por vezes eram amassadas, vítimas de
um pisão involuntário.
Sozinhos,
treinávamos. Jogávamos nós contra nós. Fazíamos campeonatos com
tabela e torcida. E, claro, narrávamos, como um locutor de rádio
esbaforido. O som da torcida era confundido com a asma do avô.
Alguns
tinham a manha de manufaturar arquibancadas com caixas de sapatos,
desenhar torcedores, bandeiras e faixas.
Como
qualquer técnico, tínhamos os jogadores favoritos, o artilheiro, o
Bola de Ouro, guardados em caixas separadas e tratados com cuidado,
como se fossem nosso maior bem. Na dureza, poderíamos até vender o
craque para um amigo.
Amadurecemos
e nos esquecemos deles. Mas pode checar: em cada casa, em cada fundo
de armário, está lá, o time intacto, hibernando pacientemente,
esperando enlouquecermos, para voltarmos a jogar com eles.
Marcelo Rubens Paiva, in Crônicas para ler na Escola
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