terça-feira, 12 de julho de 2022

Já leu Pirandello?

Minha namorada sugeriu que eu me mudasse de sua casa, uma casa muito grande, bacana e confortável, com um quintal do tamanho de uma quadra, canos furados, e rãs, grilos e gatos. Seja como for, eu saí, como se sai dessas situações – com honra, coragem e expectativa. Pus um anúncio num dos jornais alternativos:

Escritor: precisa de casa onde o som de uma máquina de escrever seja mais bem-vindo que a trilha sonora de risadas de “I Love Lucy”. Cem dólares por mês está legal. Exige-se privacidade.

Eu tinha um mês para me mudar, enquanto minha namorada estava no Colorado para a reunião anual da família. Fiquei deitado na cama esperando o telefone tocar. Finalmente tocou. Era um cara que queria que eu cuidasse dos três filhos dele sempre que o “impulso criativo” se apoderasse dele ou da esposa. Casa e comida de graça, e eu podia escrever sempre que o impulso criativo não os atacasse. Eu disse a ele que ia pensar. O telefonou tocou de novo duas horas depois. – Então? – ele perguntou. – Não – respondi. – Bem – ele disse –, conhece alguma mulher grávida em dificuldades? Respondi que ia tentar achar uma para ele e desliguei.
No dia seguinte, o telefone tornou a tocar. – Li seu anúncio – ela disse. – Eu ensino ioga. – Oh? – É, ensino exercício e meditação. – Oh? – Você é escritor? – Sou. – Sobre o que escreve? – Oh, deus, eu não sei. Por pior que isso soe: a Vida... acho. – Não soa mal. Isso inclui sexo? – A vida não inclui? – Às vezes. Às vezes, não. – Compreendo. – Como você se chama? – Henry Chinaski. – Já foi publicado? – Já. – Bem, eu tenho um quarto de casal grande que você pode ocupar por cem dólares. Entrada independente. – Parece bom. – Já leu Pirandello? – Já. – Já leu Swinburne? – Todo mundo leu. – Já leu Herman Hesse? – Já, mas não sou homossexual. – Você odeia homossexuais? – Não, mas também não adoro. – E os negros? – Que é que tem com os negros? – Que acha deles? – São legais. – Tem preconceito? – Todo mundo tem. – Que acha que é Deus? – Cabelo branco, barba comprida e sem pau. – Que pensa do amor? – Não penso. – Engraçadinho. Escuta, vou te dar meu endereço. Venha me ver.
Anotei o endereço e fiquei mais uns dois dias vendo os novelões pela manhã e os filmes de espionagem à noite, além das lutas de boxe. O telefone tornou a tocar. Era a moça.
Você não veio. – Estive ocupado. – Está apaixonado? – Sim, estou escrevendo meu novo romance. – Muito sexo? – Parte do tempo. – Você é bom de cama? – A maioria dos homens gosta de pensar que é. Provavelmente sou bom, mas não sensacional. – Chupa xoxota? – Chupo. – Ótimo. – Seu quarto ainda está vago? – Está, o quarto principal. Você baixa mesmo a boca nas mulheres? – Diabos, sim. Mas todo mundo faz isso hoje. Estamos em 1982, e eu tenho 62 anos. Você pode arranjar um homem trinta anos mais novo e ele faz a mesma coisa. Provavelmente melhor. – Você ficaria surpreso.
Fui até a geladeira, peguei uma cerveja e fumei um cigarro. Quando voltei ao telefone, ela ainda estava lá. – Como é seu nome? – perguntei. Ela me disse um nome extravagante que eu logo esqueci.
Andei lendo suas coisas – ela disse. – Você é um escritor forte. Tem muita merda aí dentro, mas tem um jeito de mexer nas emoções das pessoas.
Tem razão. Não sou sensacional, mas sou diferente.
Como você baixa a boca numa mulher?
Agora espere...
Não, me diga.
Bem, é uma arte.
É, e sim.
Como começa? – Como uma lambida, de leve. – Claro, claro. Então, depois que começa? – Sim, bem, tem técnicas... – Que técnicas? – O primeiro toque em geral embota a sensibilidade daquela área, de modo que a gente não pode voltar a ela com a mesma eficácia. – Que diabos está dizendo? – Você sabe o que eu estou dizendo. – Você está me excitando. – Isso é clínico. – Isso é sexual. Você está me deixando excitada. – Não sei o que mais dizer. – Que faz o homem então? – A gente deixa que o prazer guie a exploração. Cada vez é diferente. – Que quer dizer? – Quer dizer que às vezes é meio bruto, às vezes meio delicado, do jeito que a gente se sentir. – Me conta. – Bem, tudo acaba no grelo. – Diga essa palavra de novo. – Qual? – Grelo. – Grelo, grelo, grelo... – Você chupa ele? Mordisca? – Claro. – Está me deixando excitada. – Desculpe. – Pode ficar com o quarto principal. Gosta de privacidade? – Como já disse. – Me fale de meu grelo. – Todos os grelos são diferentes. – Não há privacidade aqui agora. Estão construindo uma parede de contenção. Mas vão acabar dentro de uns dois dias. Você vai gostar daqui.
Peguei o endereço dela de novo, desliguei e fui para a cama. O telefone tocou. Fui até lá, peguei-o e levei-o comigo para a cama. – Que quer dizer com essa de todos os grelos são diferentes? – Quero dizer diferentes em tamanho e reação aos estímulos. – Já encontrou um que não pudesse estimular? – Ainda não. – Escuta, por que não vem me ver agora? – Meu carro é velho. Não vai conseguir subir o desfiladeiro. – Pegue a auto-estrada e pare no estacionamento do retorno de Hidden Hills. Encontro você lá. – Tudo bem.
Desliguei, me vesti e me meti em meu carro. Peguei a autoestrada até o retorno de Hidden Hills, encontrei o estacionamento e fiquei lá sentado esperando. Vinte minutos depois, uma dona gorda num vestido verde chegou de carro. Estava num Caddy 1982. Os dentes da frente todos de ouro.
É você? – perguntou.
Sou eu.
Nossa. Não parece muito quente.
Você também não.
Tudo bem. Venha.
Saí do meu carro e entrei no dela. O vestido dela era muito curto. Na gorda coxa mais perto de mim havia uma pequena tatuagem que parecia um garoto mensageiro em cima de um cachorro.
Não vou pagar nada a você – ela disse.
Tudo bem.
Você não parece um escritor.
Dou graças por isso.
Na verdade, não parece um cara que saiba fazer qualquer coisa...
Têm muitas coisas que eu não sei.
Mas sem dúvida sabe falar no telefone. Eu estava me masturbando. Você estava?
Não.
Seguimos em silêncio depois disso. Eu só tinha dois cigarros e fumei os dois. Depois liguei o rádio e fiquei ouvindo a música. A casa dela tinha uma longa estradinha de acesso em curva, e as portas da garagem abriram-se automaticamente quando entramos. Ela soltou o seu cinto de segurança e aí, de repente, me agarrou. A boca parecia uma garrafa de tinta vermelha indiana. A língua para fora. Rolamos contra o assento, assim agarrados. E aí acabou e saltamos. – Vamos – ela disse. Eu a segui por uma trilha ladeada de roseiras. – Não vou lhe pagar nada – ela disse. – Tudo bem – eu disse. Tirou a chave da bolsa, destrancou a porta e eu a segui lá para dentro.

Charles Bukowski, in Numa Fria

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