domingo, 17 de julho de 2022

Capítulo sem Sexo

Veio visitar-me minha mãe, ou pelo menos alguém que assim se disfarça para poder me ver sem perigo.
Minha mãe era diferente, eu me lembro, e não tinha esse choro fácil com que essa desconhecida me brindou durante toda a entrevista, fitando-me com olhos desesperados. Minha mãe era alegre, vivia a rir um riso largo e desprendido das coisas terrenas, como se fora um pássaro voando sobre um mar de cinzas, mas um pássaro alegre. Ontem minha mãe tinha o olhar cavo e triste; logo, não era minha mãe.
A entrevista durou um tempo longo, durante o qual fumei vários cigarros e procurei posar de bom filho, para não desgostar a infeliz criatura. (Suponhamos que seja uma pobre louca que tenha perdido o filho — pensei eu, e cheguei mesmo a imaginar um romance que tivesse exatamente esse desfecho cruel.) No fim eu já estava tão habituado com as lágrimas da mulher e tão compenetrado do meu papel, que passei a tratá-la por mamãe — o que lhe causou, e a mim também, um bem-estar indescritível. Cheguei, um momento, a pegar-lhe as mãos em retribuição às suas carícias, e a fitá-la com um olhar de infinita ternura, que lhe deve ter feito um bem enorme, a julgar pelo sorriso que deu.
Falamos — ou, antes, ela falou e eu respondi — de coisas várias e aparentemente estranhas, que a mim não me comoviam absolutamente e que um segundo depois eu já havia esquecido, como de fato esqueci completamente. Lembro-me apenas de que, às tantas, ela abriu um pequeno embrulho que trazia sobre o colo e dele tirou, como num passe de mágica, um pacote de balas e um tablete de chocolate, que me entregou com um sorriso exultante, como se eu realmente fosse seu filho. Não direi que não tenha gostado do presente, mas confesso que o recebi meio constrangido e sem jeito, talvez porque o maître-d’hôtel, que se havia postado a certa distância, esticou o pescoço para ver do que se tratava e chegou a esboçar um gesto de impedimento. Suspeita-se cada vez mais da existência de espiões entre os hóspedes, e essa atitude de precaução por parte do gerente e dos seus empregados não deixa de ter, afinal, o seu fundamento.
Provados os doces, com a discrição que o momento exigia, levei minha mãe a visitar algumas dependências do estabelecimento franqueadas ao público, sobretudo o grande pátio de recreio, que lhe pareceu muito limpo e aprazível. Havia muita gente em torno, mas passávamos entre todos como se fôssemos nobres exilados em meio a uma malta de vagabundos, sem lhes dar a mínima atenção — eu com um pedaço de chocolate entre os dedos. Assobiei um pouco, para alegrar um pouco o ambiente, e depois fomos parar os dois juntos à amurada que dá para o bosque onde corre, sereno, o rio da Monotonia, como o chamei eu num dos meus versos mais felizes. Ali o tempo passou mais depressa e esqueci completamente a presença da minha doce companheira, absorto como sempre fico diante de um espetáculo de tão calma beleza. Quando dei por mim, já estava a sós no meu quarto, arrumando cuidadosamente na gaveta os caramelos que haviam sobrado, para que não os viesse a descobrir a empregada que arruma a cama e nas horas vagas me aplica o soro da juventude.
E agora que estou só, neste quarto de paredes imóveis e de profundo silêncio, sinto dentro de mim um amor filial que de há muito não me visitava e que só posso atribuir à tragicomédia que me vi obrigado a representar esta manhã, junto à pobre criatura que perdeu todos os seus filhos nas três últimas guerras. Que bom seria, realmente, se aqueles olhos tristes e repassados de ternura fossem na verdade os olhos de minha mãe, os mesmos olhos que em vão procuro recordar através da névoa cada vez mais espessa destes dias cinzentos! Que eu ainda daria um bom filho, apesar de tudo, penso que não resta a menor dúvida, mesmo porque há certos momentos em que sinto uma grande falta de um colo macio e morno onde recostar a cabeça e dormir tranquilamente — dormir, dormir, dormir, como se eu fosse apenas um passarinho. E onde, em que lugar da China, ou dos Estados Unidos, eu pergunto, poderia haver esse abrigo seguro e sem mortes, senão no peito de uma mãe verdadeira ou mesmo falsa, que me acolhesse e às minhas aflições sem pedir-me nada em troca, mesmo porque não teria nada para oferecer?
E tanto sinto em mim esse filho perdido, neste instante mais do que nunca, que vou pedir ao porteiro do hotel que deixe de novo visitar-me, quantas vezes ela queira, essa mãe triste e sem filhos que não teve pejo de chorar sobre o meu ombro, na presença de estranhos e de agentes da mais perfeita rede de contraespionagem de que tenho notícia. Afinal, apesar dos pesares, bem pode ser que um de seus filhos se tenha realmente reencarnado neste meu corpo franzino e doente, embora eu não seja muito de acreditar nessas coisas, nem mesmo em quaisquer outras coisas passadas, presentes ou futuras.

Walter Campos de Carvalho, in A lua vem da Ásia

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