Eu
vinha de não sei que tristes sonhos, nefastos pesadelos.
Despertei,
ansiado, no meio da noite, e olhando a escura parede senti que as
imagens torvas que me povoavam os olhos ainda tontos ali vagamente se
moviam. Voltei-me, então, sobre o meu flanco direito; a janela
estava aberta para a noite. Era uma noite sem lua, que ciciava em
árvores e murmurava em águas humildes; e uma grande estrela
brilhava.
Haveria
outras, esparsas e pequenas, mas aquela era tão grande e cintilava
com uma estranha palpitação; era tão distante, mas brilhava tão
perto e tão para mim como se fosse uma lanterna que mão amiga
houvesse pendurado em minha janela para me dar alento no fundo da
treva. Eu vagara tanto pelo mundo que, ao despertar, não sabia em
que leito, casa, país e tempo; e mesmo tinha de recompor minha ideia
para lembrar se era feliz ou infeliz. Apenas senti que estava agora
voltado para o norte, e do fundo de meu coração saudei a estrela
com a palavra que me veio aos lábios: Aldebarã!
Lera
essa palavra em velhos, cansados livros que falam de astros e
mistérios do céu; mas somente agora percebia que era uma palavra
mística, feita de muitas outras, querendo dizer, em antigas secretas
línguas: a Nova Esperança, a Grande Amiga, o Esquecimento das
Mágoas, a Alegria da Noite.
Aldebarã,
Aldebarã! — disse eu, com estranho ardor; e foi como se a sua
palpitação se fizesse mais fremente e pura. Então uma voz suave me
disse, e era como se a minha melancólica mãe ou, ainda mais
distante, a minha irmã e madrinha me passasse a mão pelos cabelos:
“Descansa, dorme em paz, Aldebarã é tua amiga; e como soubeste
dizer seu nome ela é para sempre tua amiga; dorme em paz, homem da
noite solitária e cruel e dos fatigados, tristes pesadelos; dorme. E
se amanhã, na tua inquieta fantasia, quiseres dar esse nome a algo
que ames, podes dá-lo sem remorso à égua fidalga que no galope
deixa que o luar lhe beije as negras crinas, ou à mais bela flor no
pélago marinho; e até podes chamar Aldebarã a uma nuvem que se
doira no momento em que o céu, para o ocidente, já toma a cor da
triste violeta; mas promete que nunca darás esse nome, nunca, a
nenhuma filha dos homens, por mais ansioso te faça a sua beleza
peregrina.”
Eu
disse apenas, humilde: “Prometo.” E então, pela primeira vez em
muitos e muitos anos de longas noites, eu pude adormecer sorrindo,
porque meu coração era puro como o de um menino.
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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