Abel me chamou para andar à toa, na verdade queria encontrar o Diniz. Tranca até no portão. Entortamos pro apartamento do Heleno. Com a Brígida em Goiás por um mês, ele sozinho estava muito sem graça. Tossi pro Abel e fomos pra casa da Joana. Só a luz da sala acesa, ela, o Tim e a Margarida vendo televisão, Joana de cara assustada. O que é mais feio, olhar obtuso, morto, ou medroso? Sentia o mesmo que eu, arrepios tipo ‘a morte passou’ e pinicadinhas no peito. A Graça também está assim, ela falou. Então nós três com sintomas iguais? Fiquei mais aliviada, com certeza captávamos sofrimentos do inconsciente coletivo e devíamos rezar como os primeiros cristãos aguardando o apocalipse. Falei da oração mas omiti o inconsciente, Joana iria enfadar-se, só precisava de companhia e conversa boba. Me lembrei com saudade do professor de metafísica. Nas grimpas da abstração pedia um café e nos devolvia ao genérico de nossa necessitada condição, um homem humilde. Minha própria doutora não me fez conferência ao pânico: Olímpia, ‘a glória de Deus é que o homem viva’. Achei legal ela saber a máxima de um santo. Costumam ser meio ateus os ‘psis’, quando muito concedem-se um agnosticismozinho, a maioria para fazer pose.
Adélia Prado, in Quero minha mãe
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