Casal
jantando. Barulho de garfos. Silêncio.
ELE
Meu chefe hoje chegou pra mim e disse que…
ELA
… Se você quisesse ele te transferia pra São Paulo.
Silêncio
constrangedor.
ELA
Você já me falou.
Silêncio.
ELE
Você viu o que o Jorge escreveu no Facebook?
ELA
Eu que te mostrei.
ELE
Verdade.
Silêncio.
ELA
Acho que tá na hora da gente terminar.
Silêncio.
ELE
Eu posso, pelo menos, saber o porquê?
ELA
Por quê? Por isso.
ELE
Isso o quê?
ELA
Eu sabia que você ia dizer “eu posso pelo menos saber o porquê”
ao invés de só perguntar “por quê”.
ELE
Eu sou realmente assim tão previsível?
ELA
Eu também sabia que você ia dizer isso.
ELE
É fácil dizer que você sabia que eu ia fazer uma coisa depois que
eu já fiz.
ELA
Pensa numa palavra.
Os
dois falam juntos.
OS
DOIS Mesa. Prato. Chão. Parede.
ELE
Como é que você consegue?
ELA
Você não consegue pensar numa coisa que você não esteja vendo na
sua frente.
ELE
Claro que consigo.
OS
DOIS Plâncton. Peroba. Esfíncter. Michelangelo. Nunchaku.
ELE
Como é que você fez isso?
ELA
Você olhou pro seu prato e viu um peixe que te fez pensar em
plâncton. Plâncton te lembra mar, que te lembrou as férias
em Iguaba, que é uma palavra que te lembra peroba, que é uma
madeira, que te fez pensar numa farpa, que te deu aflição e fez
contrair o esfíncter, que te lembrou do mestre Splinter, que
te fez pensar no Michelangelo, sua tartaruga ninja preferida,
cuja arma era um nunchaku.
Ela
tapa os olhos. Começa a narrar o que ele tá fazendo.
ELA
Agora você tá levando a mão direita e colocando na testa. Com a
outra mão você tá pegando o copo d’água. Você vai beber a
água. Desiste de beber só porque eu falei. Você vai dizer alguma
coisa.
OS
DOIS Será que tem alguma coisa que eu possa fazer pra te
surpreender?
Ele
joga a água no rosto dela. Mas ela já estava com um guarda-chuva
aberto, seca. Ela fecha o guarda-chuva.
ELA
Não, meu amor. Acabou.
Gregório Duvivier, in Put some farofa
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