Vou
dizer uma coisa: ser idiota não é nenhuma caixa de chocolates. As
pessoas riem, perdem a paciência, são mesquinhas com você. Dizem
que se deve ser atencioso com os deficientes, mas vou dizer uma
coisa: nem sempre é assim. Mas não me queixo, porque acho que levei
uma vida muito interessante, por assim dizer.
Tenho
sido um idiota desde que nasci. Meu QI está próximo de 70, o que me
define, segundo eles. É provável que eu seja quase um imbecil ou,
talvez, um retardado, mas, pessoalmente, prefiro pensar em mim mesmo
como um débil mental, ou algo assim — e não um idiota —,
porque quando as pessoas pensam em idiota, é certo pensarem num
daqueles idiotas mongoloides — aqueles que têm os
olhos juntinhos como chineses, e babam à beça, e brincam com eles
mesmos.
Bem,
eu sou lento, disso não há dúvida, mas provavelmente sou mais
inteligente do que as pessoas imaginam, porque o que se passa na
minha mente é uma visão diferente da que veem. Por exemplo, posso
pensar coisas muito bem, mas quando tento dizer ou escrever, elas
saem como uma espécie de gelatina, ou coisa parecida. Vou mostrar o
que quero dizer.
Outro
dia, eu descia a rua e um homem trabalhava em seu quintal. Ele tinha
um monte de arbustos para plantar e me disse “— Forrest, quer
ganhar um dinheirinho?” — e eu disse — Ã-hã —, e então ele
me pôs para remover a sujeira. Foram uns dez ou doze carrinhos de
sujeira, na hora mais quente do dia, transportando a torto e a
direito. Quando acabei, ele tirou um dólar do bolso. Eu devia mesmo
é ter ficado com muita raiva por causa do baixo pagamento, mas em
vez disso, peguei o maldito dólar e tudo que disse foi “obrigado”,
ou algo pateta parecido e continuei a descer a rua, enrolando e
desenrolando o dólar na mão, me sentindo um idiota.
Percebem
o que quero dizer?
Mas
eu sei alguma coisa sobre idiotas. Provavelmente é a única coisa
que sei, mas li sobre eles — desde o idiota daquele cara
Dochtoévski, até o bobo do Rei Lear, o idiota de Faulkner, Benjie,
e até mesmo o velho Boo Radley em To kill a mockingbird —
ele era um idiota sério. No entanto, o que mais gosto é do velho
Lennie, em Ratos e homens. A maioria desses caras escritores
contam direito — porque seus idiotas são sempre mais espertos do
que as pessoas reconhecem. Poxa, como concordo com isso. Qualquer
idiota concordaria. Hi, hi.
Quando
nasci, minha mãe me deu o nome de Forrest por causa do general
Nathan Bedford Forrest, que lutou na Guerra Civil. Mamãe sempre
dizia que, de alguma maneira, éramos um pouco parentes do general
Forrest. E ele foi um grande homem, ela dizia, exceto quando fundou a
Ku Klux Klan depois que a guerra acabou. Até minha avó dizia que
era um bando de gente ruim. Com o que até posso concordar, porque
aqui, o Grão-Mestre Bispo, ou seja lá como chama a si mesmo, tem
uma loja de armas na cidade e, certa vez, quando eu tinha uns doze
anos, passava por lá e olhei a vitrina, e ele tava pegando, lá
dentro, uma corda grande usada por carrascos pra enforcar. Quando me
viu, botou ela em volta do próprio pescoço, e puxou pra cima, como
se estivesse se enforcando, e pôs a língua pra fora, tudo isso só
pra me assustar. Eu saí correndo e me escondi atrás de uns carros
no estacionamento, até alguém chamar a polícia, eles virem e me
levarem pra casa, pra mamãe. Por isso, o que quer que o general
Forrest tenha feito, fundar essa tal de Klan não foi uma boa ideia —
qualquer idiota diria a mesma coisa. Apesar disso, foi assim que
ganhei meu nome.
Minha
mãe é uma pessoa boa de verdade. Todo mundo diz isso. Meu pai
morreu logo depois que eu nasci, por isso nunca conheci ele. Ele
trabalhava no cais como estivador e, um dia, um guindaste levantava
uma rede com um grande carregamento de bananas num dos navios da
United Fruit Company, e alguma coisa quebrou e as bananas despencaram
e esmagaram ele, deixando ele chato como uma panqueca. Certa vez ouvi
uns homens falando do acidente — diziam que foi uma confusão
danada, meia tonelada de bananas e meu pai esborrachado embaixo. Não
ligo muito pra bananas, a não ser pra pudim de bananas. Disso eu
gosto mesmo.
Minha
mãe recebeu uma pequena pensão do pessoal da United Fruit e aceitou
hóspedes em nossa casa, o que deu pra gente se virar. Quando eu era
pequeno, ela me mantinha quase sempre dentro de casa, pra que os
outros meninos não me incomodassem. Nas tardes de verão, quando
estava muito quente mesmo, ela costumava me colocar lá embaixo, na
sala de visitas, e fechava as venezianas, de modo que ficava escuro e
fresco, e me preparava um jarro de refresco de lima. Depois ficava
ali conversando comigo, só conversando, sem falar sobre nada em
particular, como alguém falaria com um cachorro ou um gato, mas eu
me acostumei e gostava disso porque sua voz fazia eu me sentir seguro
e bem.
No
começo, quando eu tava crescendo, ela deixava eu sair e brincar com
todo mundo, mas então ela descobriu que eles implicavam comigo, e um
dia um dos garotos bateu em minhas costas com uma vara, enquanto eles
me perseguiam, e a coisa foi aumentando e virou uma surra de dar
medo. Depois disso, ela me disse pra nunca mais brincar com aqueles
garotos. Tentei brincar com as garotas, mas não era muito melhor,
porque elas corriam de mim.
Mamãe
achou que seria bom eu ir pra escola pública porque talvez isso
ajudasse a eu ser como todo mundo, mas depois de pouco tempo
procuraram a mamãe e disseram que eu não devia estar ali como todo
mundo. Mas deixaram eu terminar o primeiro ano. Às vezes, enquanto a
professora falava, não sei o que se passava na minha cabeça, mas eu
começava a olhar pra fora da janela, pros passarinhos, esquilos, e
coisas que subiam e ficavam num grande carvalho, e, então, a
professora vinha e reclamava comigo. Às vezes, acontecia uma coisa
estranha comigo e eu começava a berrar, e então ela mandava eu sair
e sentar no banco do corredor. As outras crianças nunca brincavam
comigo, a não ser para me enxotar ou fazer com que eu gritasse pra
que pudessem rir de mim — todas, menos Jenny Curran, que pelo menos
não corria de mim e às vezes deixava eu ficar do lado dela quando a
gente ia pra casa depois das aulas.
Mas,
no ano seguinte, me botaram num outro tipo de escola e vou dizer uma
coisa: era esquisita. Era como se eles saíssem por aí recolhendo
tudo que é pessoa estranha e juntassem todas elas, incluindo as de
minha idade e mais novas até rapazes grandes de dezesseis ou
dezessete anos. Tinha retardos e espasmos de todo tipo e meninos que
não conseguiam nem comer, nem ir ao banheiro sozinhos. Provavelmente
eu era o melhor do bando.
Tinha
um garoto grande e gordo. Ele devia ter mais ou menos uns quatorze
anos, e sofria de uma coisa que fazia ele tremer todo como se
estivesse na cadeira elétrica, ou algo assim. A srta. Margaret,
nossa professora, mandou eu ir ao banheiro com ele, quando ele
precisava ir, pra que ele não fizesse nada esquisito. Mas, de
qualquer jeito, ele fez. Eu não sabia como fazer ele parar, por isso
me tranquei num dos compartimentos e fiquei ali até ele acabar e,
daí, levei ele de volta pra sala.
Fiquei
nessa escola por cinco ou seis anos. Não era ruim de todo. Deixavam
que a gente pintasse com os dedos e fizesse pequenas coisas, mas em
geral, só ensinavam coisas como amarrar os sapatos e não babar a
comida, nem ficar furioso, nem gritar e berrar e espalhar cocô em
tudo. Quase não usavam livros — a não ser pra mostrar como
interpretar os sinais de rua, e coisas como a diferença entre
banheiros de Cavalheiros e de Senhoras. De qualquer modo, com todos
aqueles malucos graves seria impossível transmitir qualquer coisa
mais que isso. Além do mais, acho que a intenção era nos manter
longe da raiva dos outros. Afinal, quem quer ver um bando de
retardados andando à solta? Até eu podia entender isso.
Quando
fiz treze anos, algumas coisas estranhas começaram a acontecer.
Primeiro, comecei a crescer pra cima. Cresci quinze centímetros em
seis meses, e minha mãe tinha de estar sempre encompridando minhas
calças. Também comecei a crescer pro lado. Quando eu tinha
dezesseis, media um metro e noventa e oito e pesava cento e vinte e
um quilos. Eu sei por que me levaram e me pesaram. Eles disseram que
simplesmente não conseguiam acreditar.
O
que aconteceu depois causou uma mudança significativa em minha vida.
Certo dia, eu voltava pra casa da escola de birutas e um carro parou
ao meu lado. O cara me chamou e perguntou meu nome. Eu disse e,
então, ele perguntou qual era minha escola e como nunca tinha me
visto por ali. Quando falei da escola de birutas, ele perguntou se eu
já tinha jogado futebol. Balancei a cabeça. Acho que devia dizer
que já tinha visto meninos jogando, mas que eles nunca deixavam eu
jogar. Mas como já disse, não sou muito bom em conversas longas,
por isso fiz que não com a cabeça. Isso foi umas duas semanas
depois das aulas recomeçarem.
Mais
ou menos três dias depois, eles vieram e me tiraram da escola de
birutas.
Minha
mãe estava lá, e também o cara do carro e mais duas pessoas que
pareciam seus capangas — acho que pro caso de eu aprontar alguma
coisa. Pegaram tudo que era meu e colocaram numa sacola de papel
marrom e disseram pra eu me despedir da srta. Margaret, e de repente
ela começou a chorar e me deu um grande abraço. Depois, eu disse
adeus a todos os outros birutas, e eles estavam babando, tendo
ataques, batendo nas carteiras com os punhos. E daí fui embora.
Mamãe
foi na frente com o cara e eu fiquei no banco de trás, entre os
capangas, igualzinho como a polícia faz naqueles filmes quando levam
você pra “central”. Só que a gente não tava indo pro centro. A
gente ia pra nova escola secundária que tinham construído. Quando
chegamos, eles me levaram pra sala do diretor, e mamãe, eu e o cara
entramos, enquanto os dois gorilas esperavam no vestíbulo. O diretor
era um homem velho de cabelos grisalhos com uma mancha na gravata e
calças largas, e parecia que também tinha saído da escola de
birutas. Todos nos sentamos e ele começou a explicar coisas e a me
fazer perguntas, e eu só balançava a cabeça, mas o que eles
queriam é que eu jogasse futebol. Isso eu entendi por mim mesmo.
Acontece
que o cara no carro era um técnico de futebol chamado Fellers. Nesse
dia eu não fui à aula nem nada, mas o técnico Fellers me levou ao
vestiário, e um dos gorilas me pôs um daqueles uniformes de
futebol, com todo aquele enchimento e um capacete de plástico
realmente bonito com uma coisa na frente para não deixar meu rosto
ser esmagado. O único problema foi que não conseguiram achar
sapatos que coubessem nos meus pés, por isso tive de usar meu tênis
até que encomendassem outros.
O
técnico Fellers e os gorilas me vestiram com a roupa de jogador,
depois me fizeram tirar a roupa, e depois me vestir de novo, umas
vinte vezes, até que soubesse fazer sozinho. Durante algum tempo
tive dificuldade em entender aquela coisa de atleta, porque não
conseguia ver uma boa razão para estar vestindo aquilo. Bem, eles
tentaram me explicar e, então, um dos gorilas disse pro outro que eu
era um “palerma” ou coisa parecida, e acho que eles pensaram que
eu não ia entender, mas entendi, porque presto uma atenção
especial a esse tipo de merda. Não que fira meus sentimentos. Tenho
sido chamado de coisas bem piores que essa. Mas percebi, apesar de
tudo.
Depois
de algum tempo, um bando de meninos começou a entrar no vestiário,
e a tirar a roupa de futebol dos armários e a se vestir. Então
fomos todos pra fora e o técnico Fellers reuniu todo mundo, me pôs
na frente e me apresentou. Ele dizia um monte de merda que eu não
acompanhava direito porque eu tava morrendo de medo, pois ninguém
nunca me tinha apresentado a um bando de estranhos. Depois, alguns se
aproximaram e apertaram minha mão dizendo que tavam felizes por eu
estar ali e esse tipo de coisa. Depois o técnico Fellers soprou um
apito, e levei o maior susto, e todos começaram a pular em volta pra
se exercitar.
É
uma história longa o que aconteceu em seguida, mas, de qualquer
modo, comecei a jogar futebol. O técnico Fellers e um dos gorilas me
deram atenção especial já que eu não sabia jogar. Tinha aquela
coisa de ter de bloquear as pessoas. Tentavam explicar tudo
direitinho pra mim, mas depois da gente tentar um montão de vezes,
ninguém ficou satisfeito, porque eu não conseguia lembrar o que
tinha de fazer.
Então
tentaram outra coisa, que chamam de defesa, em que colocam três
caras na minha frente e tenho de passar por eles e agarrar o cara que
leva a bola. A primeira parte era mais fácil, porque eu só tinha de
empurrar e derrubar os outros caras, mas não estavam satisfeitos com
a maneira como eu agarrava o cara com a bola, e finalmente me
mandaram atacar um carvalho enorme umas quinze ou vinte vezes —
acho que era pra eu me acostumar com aquilo. Depois de algum tempo,
quando acharam que eu tinha aprendido alguma coisa com o carvalho, me
colocaram de volta com os três caras e o que carregava a bola, e
ficaram furiosos porque eu não fui pra cima dele de modo violento
depois de ter tirado os outros do caminho. Ouvi muito desaforo
naquela tarde, e quando paramos de treinar fui ver o técnico Fellers
e disse pra ele que não tinha querido pular no cara que levava a
bola para não machucar ele. Ele me disse que não machucaria porque
o uniforme protegia ele. Na verdade eu não tava com tanto medo de
ferir ele quanto de que ficasse com raiva de mim e recomeçassem a me
perseguir se eu não fosse legal com todo mundo. Resumindo a
história, levei algum tempo para pegar o jeito.
Nesse
meio tempo tive de ir à aula. Na escola de birutas, a gente não
tinha muito o que fazer, mas ali eles eram mais sérios. De alguma
forma, organizaram tudo de modo que eu tivesse três aulas iniciais
de familiarização com a escola, onde você apenas se senta e faz o
que quiser, e mais três aulas com uma moça que me ensinava a ler.
Só nós dois. Ela era muito simpática e bonita, e mais de uma vez
tive pensamentos maldosos com ela. Seu nome era srta. Henderson.
A
única aula de que eu gostava era o almoço, mas acho que não dá
pra chamar aquilo de aula. Na escola de birutas, mamãe preparava um
sanduíche, um pedaço de bolo e uma fruta — exceto bananas — pra
eu levar. Mas nessa outra escola, havia uma lanchonete com nove ou
dez coisas diferentes pra comer e eu tinha dificuldade em decidir o
que queria. Acho que alguém deve ter dito alguma coisa, porque
depois de uma semana mais ou menos, o técnico me procurou e disse
que eu fosse fundo e comesse o que quisesse porque tinha sido
“providenciado”. Que merda!
Adivinha
quem era da minha turma de familiarização? Nada mais, nada menos
que Jenny Curran. Ela me viu no vestíbulo e disse que se lembrava de
mim do primeiro grau. Ela tinha crescido, tinha os cabelos pretos
bonitos, pernas longas e um rosto atraente, e também outras coisas
que não posso dizer.
O
futebol não estava indo exatamente como o técnico Fellers gostaria.
Ele parecia muito insatisfeito e estava sempre gritando com as
pessoas. Gritava comigo também. Eles tentavam imaginar uma maneira
de eu simplesmente ficar parado numa posição impedindo que os
outros rapazes agarrassem o que levava a bola, mas não deu certo a
não ser quando corria com a bola direto para o meio da linha. O
treinador estava menos satisfeito ainda com o meu ataque, e vou
confessar uma coisa: passei um tempão no carvalho. Simplesmente eu
não conseguia me jogar em cima do rapaz que levava a bola, como eles
queriam que eu fizesse. Alguma coisa me impedia de fazer isso.
Então,
um dia, um acontecimento mudou tudo isso também. Na lanchonete, eu
peguei minha comida e fui sentar perto de Jenny Curran. Eu não dizia
nada, mas ela era a única pessoa na escola que eu conhecia
razoavelmente, e era bom sentar ali com ela. A maior parte do tempo
ela não prestava atenção em mim, e falava com outras pessoas. No
começo, eu me sentava com alguns jogadores, mas eles agiam como se
eu fosse invisível ou coisa parecida. Pelo menos Jenny Curran agia
como se eu estivesse lá. Mas pouco tempo depois disso, comecei a
reparar num outro cara que também ta-va lá. Ele começou a soltar
piadinhas a meu respeito. Dizia besteiras como “Como vai, pateta?”
e coisas assim. E isso continuou por uma ou duas semanas e eu não
respondia nada, até que finalmente eu disse — ainda agora, mal
acredito que tenha dito isso — “não sou nenhum pateta”, e o
cara simplesmente olhou pra mim e começou a rir. Jenny Curran disse
pra ele ficar calado, mas ele pegou uma caixa de leite e entornou no
meu colo. Eu dei um pulo e fugi porque me assustei.
Mais
ou menos um dia depois, esse cara me encontrou no corredor e disse
que ia me “pegar”. O dia todo eu senti um medo terrível, e à
tarde, quando eu saí pra ir pro ginásio, lá estava ele, com a
turma de seus amigos. Eu tentei ir pelo outro lado, mas ele me
alcançou e começou a empurrar meus ombros. E ele dizia todo tipo de
coisa ruim, me chamando de “imbecil” e coisas assim, e, então,
me bateu no estômago. Não doeu muito, mas eu quase comecei a
chorar, e então me virei e comecei a correr, e percebi que ele e os
outros corriam atrás de mim. Corri o mais rápido que pude pro
ginásio, atravessei o campo de treinamento de futebol e, de repente,
vi o técnico Fellers, sentado na arquibancada me observando. Os
caras que me perseguiam pararam e foram embora. O técnico Fellers —
ele tava com uma cara realmente esquisita — mandou que eu fosse me
vestir imediatamente. Um pouco mais tarde, ele foi ao vestiário com
as jogadas desenhadas num pedaço de papel — três delas — e
disse que eu decorasse elas o máximo que eu pudesse.
A
tarde, no treino, ele organizou dois times, e de repente, o zagueiro
me deu a bola e era pra eu correr na linha do touchdown pelo
lado. Quando começaram a me perseguir, corri o mais rápido que pude
— foi preciso sete ou oito deles para me segurar. O técnico
Fellers ficou muito feliz; pulava e gritava, dava tapinhas nas costas
de todo mundo. Já tínhamos corrido muito antes, mas acho que sou
muito mais rápido quando estão me perseguindo. Que idiota não
seria?
De
qualquer modo, fiquei muito mais popular depois disso, e os outros
caras do time começaram a ser mais simpáticos comigo. Tivemos nosso
primeiro jogo e eu tava morrendo de medo, mas eles me deram a bola e
corri pra além da linha do gol, duas ou três vezes, e as pessoas
nunca foram tão gentis comigo. Sem dúvida esse colégio começou a
mudar minha vida. Até mesmo fez eu gostar de correr no futebol,
exceto que em geral me faziam correr pelos lados porque eu ainda não
conseguia fazer o que gostava que era atropelar as pessoas como se
faz pelo meio. Um dos capangas comentou que eu era o meio de campo do
segundo grau mais largo do mundo. Não acredito que tenha dito isso
como elogio.
Por
outro lado, eu aprendia a ler muito bem com a srta. Henderson. Ela me
deu Tom Sawyer e mais dois outros livros de que não me
lembro, e levei eles pra casa e li todos, mas depois ela me deu uma
prova em que não fui tão bem. Mas gostei muito dos livros.
Depois
de algum tempo, voltei a me sentar perto de Jenny Curran na
lanchonete, e não houve problemas até que, um dia, na primavera, eu
tava indo pra casa depois da escola e dei de cara com o garoto que
entornou o leite no meu colo e me enxotou naquele dia. Ele segurava
uma vara e começou a me chamar de coisas como “retardado” e
“imbecil”.
Havia
outras pessoas olhando e, então, chegou Jenny Curran, e eu quase
fugi de novo. Mas, não sei por quê, não fugi. O cara cutucou meu
estômago com a vara e eu disse pra mim mesmo: que vá pro inferno.
Agarrei seu braço e com a outra mão dei um soco na cabeça dele e
foi o fim dessa história, mais ou menos.
Nessa
noite, mamãe recebeu um telefonema dos pais do garoto que diziam que
se eu encostasse a mão no filho deles de novo, iam se queixar às
autoridades e fariam com que eu fosse “internado”. Expliquei pra
mamãe e ela entendeu, mas ficou preocupada. Disse que como agora eu
era muito grande, tinha de me controlar, pois podia machucar alguém.
Concordei com a cabeça e prometi não machucar mais ninguém. A
noite, quando eu tava deitado, escutei ela chorando baixinho no
quarto.
Mas
o que fiz naquele garoto — bater no topo da cabeça dele — trouxe
uma nova luz à maneira de eu jogar o futebol. No dia seguinte, pedi
ao técnico Fellers para levar a bola direto e ele concordou, e
passei por quatro ou cinco caras até ter espaço e todos eles
recomeçarem a correr atrás de mim. Nesse ano participei do
campeonato no All State Football. Mal podia acreditar. Minha mãe me
deu dois pares de meias e uma camisa nova no meu aniversário. E ela
economizou e comprou um terno novo pra mim, que vesti para receber o
prêmio do All State Football. Foi meu primeiro terno. Mamãe deu o
laço na minha gravata e eu saí.
Winston Groom, in Forrest Gump
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