Clonazepam
puxou o Escitalopram que puxou a Paroxetina que, anos depois, puxou a
Venlafaxina. A derradeira, a descoberta, o clímax das drogas que são
vendidas em qualquer esquina. Quando cheguei na Venlafaxina, através
de um deus, um buda, um mestre absoluto chamado Efexor XR, sabia que
tinha encontrado o nirvana.
A
primeira semana com Efexor disparou em mim uma onda quente e
eletrizante de prazer que rondava o couro cabeludo, corria pelo corpo
até os pés e me fazia soltar uns gemidinhos, “uiammm” ou “eita
que que é isso”, onde quer que eu estivesse. Cheguei a comprar uma
caixa de som para o banheiro, tamanha a necessidade louca que eu
sentia de dançar no banho, como uma índia nua agradecendo a chuva.
Era
tudo isso e muito mais: pênis para mim tinha virado novela espírita.
Quem é que tem tempo e, tendo tempo, quem é que quer ver? O Efexor
transformou minha libido na vista para as montanhas que os corretores
de imóveis juram ter uma sacada de apartamento na Pompeia. Ninguém
sabe, ninguém viu. Eu sentia tanto prazer em comer e dormir e
simplesmente “estar dentro da minha pele”, que o outro, o pau do
outro, tinha virado algo surreal. Antes o pau era a “única boia
possível num mar gelado e escuro”, agora era um abajur obsoleto
num quarto tremendamente ensolarado. Por que cazzo as pessoas ficam
peladas se enfiando coisas e soltando sons? Seus ridículos! Tensão
e tesão, entendi então, eram como aquela menina de duas cabeças
que vi quando criança no programa do Silvio Santos e me fez ter medo
da humanidade para sempre.
Claro
que, em todos esses anos que passei experimentando diversos
antidepressivos, não deixei de namorar e transar. Mas, a depender do
remédio (infelizmente a maioria, vamos dar a real), algo muito
drástico chamado anorgasmia pode te acometer. Não é que você não
goze, mas pode demorar tanto que o sexo fica com cara de “fila para
tirar visto”.
O
rapaz já consagrou seu momentão há cerca de duas horas, e você
segue “quase sentindo o começo de um orgasmo”. “Mas não para,
não, que agora eu tô sentindo que vai.” A língua do bom
combatente já gangrenou; o pau dele já está há horas, cabisbaixo
e esfolado, te observando à paisana, e o dedo médio do pobre amante
não terá, até o próximo solstício de inverno, saúde muscular
para mandar alguém se foder.
Comer
uma mulher “medicada” é tarefa para pedreiros valentes, e não
para garotos playboys angustiados que chamam um Uber a qualquer sinal
de perigo. Mas, como em São Paulo, infelizmente, a moda é namorar
hipsters e não empreiteiros, a gente acaba mentindo, muitas vezes,
que teve um orgasmo. Sim, eu já menti várias. Algumas para “acabar
logo com o tormento daquele pobre ser que, afinal de contas, tava ali
pra se divertir e não pra fazer biópsia em mim” e outras porque
“ah, se ele souber que sou um nabo sexual, talvez não me ligue
nunca mais”. Se já é complicado ser mulher, ser uma mulher
medicada é complicadíssimo. Mas nada que se compare a não ser uma
mulher medicada, que é coisa complicada para além deste livro
inteiro.
Falemos
um pouco sobre “eu não medicada”. Talvez eu gozasse só de o
cara falar no meu ouvido: “vem comigo”. Mas meia hora depois eu
já estaria inventando setecentas e oitenta e seis histórias sobre
ele, sobre nós, sobre ele em relação a ele, sobre ele em relação
a nós, sobre mim em relação a ele, sobre mim em relação a nós,
sobre nós em relação a mim e a ele. Acho que isso resume tudo. Eu
disse que falaria apenas um pouco. Chega uma hora na vida que você
tem que escolher entre ser uma magra tarada louca ou uma gordinha
assexuada sã.
Fico
de olho na balança para não passar de cinquenta e três quilos. Se
deixar, chego fácil aos cinquenta e oito, e daí é ladeira abaixo
rolando. Sinto prazer em comer. Eu que pedia sempre meia salada e
ficava quebrando palitos de dente ou rasgando guardanapos em fileiras
até que o tormento de comer na companhia de outro ser humano
acabasse… agora tenho fome. Alguém me conta algo muito forte e
difícil e angustiante e eu aguento. Agora eu tenho uma camisinha no
cérebro.
A
pessoa diz que está se separando ou que descobriu um tumor, e eu de
olho no bife à parmegiana do cardápio. Tenho uma camisinha no
cérebro e isso é férias depois de mil anos de bate-estaca.
Obrigada, estupidez, por eu ter fome e sono e ser feliz.
Mas
teve um namorado psiquiatra (nos conhecemos porque liguei no
consultório para marcar uma consulta, ele gostou da minha voz e me
convidou para jantar — sim, tem gente muito séria te passando
receitinha azul) que deixou claro logo de cara: “não minta pra
mim, nós vamos fazer você gozar de verdade mesmo com esse remédio”.
O “nós” aí claramente referindo-se ao seu gigantesco e múltiplo
ego, e não a uma força conjunta de parceria no amor.
Foi
quando começou a saga da cistite intensa com candidíase aguda. Você
não deve transar mais que três vezes por dia, perdendo um tempo de
pelo menos duas horas a cada vez, se você tiver passado dos trinta e
dois anos. O pH da vagina tolera safadeza extrema só até os vinte e
sete. Depois disso, você tem que trabalhar, pagar o plano de saúde
dos seus pais, ter a decência de vez ou outra cozinhar em lugar de
pedir Ritz, regar plantas, brigar com a atendente do Onofre em Casa
porque seu relaxante muscular não chegou.
Eu
e meu namorado estávamos correndo o sério risco de perder nossos
empregos, amigos, hobbies, mas não perdíamos a chance de ao menos
um orgasmo por dia. Nem que para isso ele esfregasse minhas
inervações vaginais qual um retirante faminto ao encontrar uma
lâmpada mágica. E o Aladim só sacaneando. “Agora vai, ops, ainda
não.” “Eita que agora vai.” Só que não. Até que a gente
vencia o Aladim pelo cansaço. Acho que ele saía lá de dentro só
para a gente parar de bater tanto na porta.
Não
tinha uma semana que eu não ligasse para a secretária do meu
ginecologista e implorasse um encaixe. Um dia chorei na consulta, e
ele me acalmou, melancólico: “se chama doença da lua de mel, tome
esse antibiótico e aproveite bem: uma hora isso acaba”. De
fato, acabou. Depois de dois meses sentindo surrados orgasmos,
honrarias que meu namorado carregava em seu peito “altivo demais
para ser derrotado por um inibidor seletivo de recaptação de
serotonina”, resolvemos seguir com nossas vidas, não queríamos
virar mendigos ou concorrer numa batalha interestadual de “casais
que gozam mesmo com toda a indústria farmacêutica trabalhando
contra”.
Tati Bernardi, in Depois a louca sou eu
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