sábado, 28 de maio de 2022

Esfregando o Aladim

Clonazepam puxou o Escitalopram que puxou a Paroxetina que, anos depois, puxou a Venlafaxina. A derradeira, a descoberta, o clímax das drogas que são vendidas em qualquer esquina. Quando cheguei na Venlafaxina, através de um deus, um buda, um mestre absoluto chamado Efexor XR, sabia que tinha encontrado o nirvana.
A primeira semana com Efexor disparou em mim uma onda quente e eletrizante de prazer que rondava o couro cabeludo, corria pelo corpo até os pés e me fazia soltar uns gemidinhos, “uiammm” ou “eita que que é isso”, onde quer que eu estivesse. Cheguei a comprar uma caixa de som para o banheiro, tamanha a necessidade louca que eu sentia de dançar no banho, como uma índia nua agradecendo a chuva.
Era tudo isso e muito mais: pênis para mim tinha virado novela espírita. Quem é que tem tempo e, tendo tempo, quem é que quer ver? O Efexor transformou minha libido na vista para as montanhas que os corretores de imóveis juram ter uma sacada de apartamento na Pompeia. Ninguém sabe, ninguém viu. Eu sentia tanto prazer em comer e dormir e simplesmente “estar dentro da minha pele”, que o outro, o pau do outro, tinha virado algo surreal. Antes o pau era a “única boia possível num mar gelado e escuro”, agora era um abajur obsoleto num quarto tremendamente ensolarado. Por que cazzo as pessoas ficam peladas se enfiando coisas e soltando sons? Seus ridículos! Tensão e tesão, entendi então, eram como aquela menina de duas cabeças que vi quando criança no programa do Silvio Santos e me fez ter medo da humanidade para sempre.
Claro que, em todos esses anos que passei experimentando diversos antidepressivos, não deixei de namorar e transar. Mas, a depender do remédio (infelizmente a maioria, vamos dar a real), algo muito drástico chamado anorgasmia pode te acometer. Não é que você não goze, mas pode demorar tanto que o sexo fica com cara de “fila para tirar visto”.
O rapaz já consagrou seu momentão há cerca de duas horas, e você segue “quase sentindo o começo de um orgasmo”. “Mas não para, não, que agora eu tô sentindo que vai.” A língua do bom combatente já gangrenou; o pau dele já está há horas, cabisbaixo e esfolado, te observando à paisana, e o dedo médio do pobre amante não terá, até o próximo solstício de inverno, saúde muscular para mandar alguém se foder.
Comer uma mulher “medicada” é tarefa para pedreiros valentes, e não para garotos playboys angustiados que chamam um Uber a qualquer sinal de perigo. Mas, como em São Paulo, infelizmente, a moda é namorar hipsters e não empreiteiros, a gente acaba mentindo, muitas vezes, que teve um orgasmo. Sim, eu já menti várias. Algumas para “acabar logo com o tormento daquele pobre ser que, afinal de contas, tava ali pra se divertir e não pra fazer biópsia em mim” e outras porque “ah, se ele souber que sou um nabo sexual, talvez não me ligue nunca mais”. Se já é complicado ser mulher, ser uma mulher medicada é complicadíssimo. Mas nada que se compare a não ser uma mulher medicada, que é coisa complicada para além deste livro inteiro.
Falemos um pouco sobre “eu não medicada”. Talvez eu gozasse só de o cara falar no meu ouvido: “vem comigo”. Mas meia hora depois eu já estaria inventando setecentas e oitenta e seis histórias sobre ele, sobre nós, sobre ele em relação a ele, sobre ele em relação a nós, sobre mim em relação a ele, sobre mim em relação a nós, sobre nós em relação a mim e a ele. Acho que isso resume tudo. Eu disse que falaria apenas um pouco. Chega uma hora na vida que você tem que escolher entre ser uma magra tarada louca ou uma gordinha assexuada sã.
Fico de olho na balança para não passar de cinquenta e três quilos. Se deixar, chego fácil aos cinquenta e oito, e daí é ladeira abaixo rolando. Sinto prazer em comer. Eu que pedia sempre meia salada e ficava quebrando palitos de dente ou rasgando guardanapos em fileiras até que o tormento de comer na companhia de outro ser humano acabasse… agora tenho fome. Alguém me conta algo muito forte e difícil e angustiante e eu aguento. Agora eu tenho uma camisinha no cérebro.
A pessoa diz que está se separando ou que descobriu um tumor, e eu de olho no bife à parmegiana do cardápio. Tenho uma camisinha no cérebro e isso é férias depois de mil anos de bate-estaca. Obrigada, estupidez, por eu ter fome e sono e ser feliz.
Mas teve um namorado psiquiatra (nos conhecemos porque liguei no consultório para marcar uma consulta, ele gostou da minha voz e me convidou para jantar — sim, tem gente muito séria te passando receitinha azul) que deixou claro logo de cara: “não minta pra mim, nós vamos fazer você gozar de verdade mesmo com esse remédio”. O “nós” aí claramente referindo-se ao seu gigantesco e múltiplo ego, e não a uma força conjunta de parceria no amor.
Foi quando começou a saga da cistite intensa com candidíase aguda. Você não deve transar mais que três vezes por dia, perdendo um tempo de pelo menos duas horas a cada vez, se você tiver passado dos trinta e dois anos. O pH da vagina tolera safadeza extrema só até os vinte e sete. Depois disso, você tem que trabalhar, pagar o plano de saúde dos seus pais, ter a decência de vez ou outra cozinhar em lugar de pedir Ritz, regar plantas, brigar com a atendente do Onofre em Casa porque seu relaxante muscular não chegou.
Eu e meu namorado estávamos correndo o sério risco de perder nossos empregos, amigos, hobbies, mas não perdíamos a chance de ao menos um orgasmo por dia. Nem que para isso ele esfregasse minhas inervações vaginais qual um retirante faminto ao encontrar uma lâmpada mágica. E o Aladim só sacaneando. “Agora vai, ops, ainda não.” “Eita que agora vai.” Só que não. Até que a gente vencia o Aladim pelo cansaço. Acho que ele saía lá de dentro só para a gente parar de bater tanto na porta.
Não tinha uma semana que eu não ligasse para a secretária do meu ginecologista e implorasse um encaixe. Um dia chorei na consulta, e ele me acalmou, melancólico: “se chama doença da lua de mel, tome esse antibiótico e aproveite bem: uma hora isso acaba”. De fato, acabou. Depois de dois meses sentindo surrados orgasmos, honrarias que meu namorado carregava em seu peito “altivo demais para ser derrotado por um inibidor seletivo de recaptação de serotonina”, resolvemos seguir com nossas vidas, não queríamos virar mendigos ou concorrer numa batalha interestadual de “casais que gozam mesmo com toda a indústria farmacêutica trabalhando contra”.

Tati Bernardi, in Depois a louca sou eu

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