terça-feira, 24 de maio de 2022

Crônica

Sia Rosaura tirava a dentadura para comer
Por isso ela tinha o sorriso postiço mais sincero da minha rua
Dona Maruca fazia uns biscoitinhos minúsculos, estalantes e secos chamados mentirinhas
Eduviges era pálida e lia romances lacrimosos de Perez Escrich
Tanto suspirou em cima deles que acabou fugindo com um caixeiro-viajante
O tempo se desenrolava como um rio por entre as casas de porta e janela
Pequenas vidas
Pequenos sonhos
Na noite imensa as estrelas eram como girândolas brancas que houvessem parado
Sentados à porta
dois santos, dois mágicos, dois sábios —
meu velho Tio Libório e o velho farmacêutico
propunham-se e compunham charadas
que depois orgulhosamente remetiam sob nomes supostos
para o grande anuário estatístico recreativo e literário da capital do Estado.

Mário Quintana, in Esconderijos do tempo

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