— “Viúva,
vinte e um anos…”
— Tadinha.
A vida é isso.
— “Loura…”
— Melhorou.
— “Fazendeira,
rica…”
— Epa,
muda completamente de figura.
— “Pertencente
a tradicional família mineira…”
— Corta
essa!
— “Recém-chegada
do interior…”
— Então,
não custa sondar a barra.
— “Procura
companhia masculina…”
— Ainda
bem que é masculina. Tou às ordens.
— “Que
seja jovem…”
— Você
acha que trinta e oito anos está na pauta?
— “Bem-intencionado…”
— Nunca
fui outra coisa na vida.
— “De
fino trato…”
— Não
é por me gabar, mas…
— “Conhecedor
dos pontos pitorescos do Rio…”
— Que
é que ela entende por pontos pitorescos? Eu prefiro pontos
estratégicos.
— “Para
passeios e…”
— Etc.,
lógico.
— “Futuro
compromisso matrimonial…”
— Corta!
Corta!
— É
mesmo.
— Aliás,
eu não tenho mais trinta e oito. Tinha, semana passada.
— E
rica… Rica de quê? Talvez de predicados, apenas.
— Poxa,
até parece que você está querendo a viúva pro seu bico. Pera aí,
mau-caráter.
— Eu?
Vê lá se eu vou nessa onda de anúncio. Tou prevenindo pra você
não se grilar. Viúva mineira, loura… Se é mineira, não deve ser
loura. Se é loura, é artificial. Se é artificial…
— Deixa
a viuvinha ser loura e mineira, deixa.
— Olhe,
eu conheci uma loura que, além de outros negativos, era careca.
— Ora,
peruca resolve.
— Sei
não, mas tudo isso junto — mineira, viúva, loura, vinte e um
anos, rica…
— Que
é que tem?
— É
exagero. Não precisava ter tantas qualidades.
— Foi
uma graça de Deus.
— Você
não merece tanto.
— Será
outra graça de Deus.
— Deus
não deve ser assim tão desperdiçado com suas graças.
— Lá
vem você querendo dar instruções ao Altíssimo. Perde essa mania.
— Bom,
mas você não sabe que mineiro esconde milho até do monjolo?
— Continua.
— “Cartas
com sigilo absoluto…”
— Evidente.
— “Indicações
pessoais…”
— Minha
ficha é mais limpa do que caixa-d’água de edifício quando o
síndico vai ao terraço.
— “E
fotos…”
— Arrgh!
Só tenho 3x4, muito fajuta. Mas tiro de calção, frente, perfil e
fundos.
— “Para
a portaria deste jornal, sob no 019 834.”
— Pera
aí. Tou anotando. 019?
— 834.
— Legal.
834 é o número do meu edifício, dezenove é pavão, que tem a
perna dourada. Lê mais.
— Já
li tudo, ué.
— Lê
outra vez. Repete.
— Vai
decorar?
— Vou
gravar melhor na cuca, vou raciocinar em bloco, vou…
— Se
habilitar, né?
— Correto.
— Calma,
rapaz. Sabe lá que espécie de viúva é essa?
— Vou
ver pra conferir.
— Pode
nem ser viúva.
— E
daí?
— Diz
que tem vinte e um anos, mas quem garante que não é modéstia? Às
vezes tem três vezes vinte e um.
— Então
você admite que ela é mineira.
— E
que cria galinha sem ração, na base da parapsicologia?
— Também
sou mineiro, uai.
— E
nunca me confessou! Eu jurava que você fosse capixaba.
— Fui.
Questão de limites, minha terra passou pra banda de cá. Não
espalha, sim?
— Me
tapeou esse tempo todo!
— Esquece.
— Vai
ser dura a parada: mineira loura versus mineiro mascarado.
— Fica
em família, né?
— A
tradicional?
— As
duas. Eu na minha, ela na dela.
— Agora
sou eu que digo: tadinha.
— Por
quê? Se ela botou anúncio, quer transar. Eu transo. No figurino.
— É
verdade que tem muito carioca por aí, muito paulista, muito
nortista, espiando maré. Talvez você chegue tarde.
— Duvido.
Você sabe que nessas coisas sou meio Fittipaldi. Comigo é Fórmula
1.
— Mineiro
contando prosa? Nunca vi isso.
— Bem,
mineiro é capaz de contar prosa só pra esconder que é mineiro…
— Chega,
amizade, você já ganhou a viuvinha com fazenda e tudo, podes crer!
Carlos Drummond de Andrade, in De Notícias e Não Notícias Faz-se A Crônica
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