A
harmonia oculta vale mais que a harmonia visível.
Heráclito
No
Itamaraty, em dependência do Serviço de Informações, opera
autônoma e praticamente sem cessar o telex, espécie de bem-mandada
máquina, que tiquetaqueia recebendo notícias diretas
radiotelegráficas. Naquela tarde de 22 de novembro de 1963, passando
por ali meu amigo o Ministro Portella, perguntou-lhe um subalterno de
olhos espantados: que queria dizer “shot” em inglês? A
tremenda coisa, no instante, anunciava-se já completa, ainda quente,
frases e palavras golpeadas na longa tira de papel que ia adiante
desenrolando-se. “Presidente Kennedy...” Susto e
consternação confundiam depressa a cidade, os países, todo-o-mundo
lívido. Antes que tudo, o assombro. Era uma das vezes em que,
enorme, o que devia não ser possível sucede, o desproporcionado.
Lembro-me que me volveram à mente outras sortes e mortes.
E
— por que então — a de Gandhi. Tende-se a supor que esses seres
extraordinários, em fino evoluídos, almas altas, estariam além do
alcanço de grosseiros desfechos. Quando, ao que parece, são,
virtualmente, os que de preferência os chamam; talvez por fato de
polarização, o positivo provocando sempre o negativo. De exformes
zonas inferiores, onde se atrasa o Mal, medonhantes braços estariam
armando a atingir o luminoso. Apenas os detêm permanentes defesas de
ordem sutil; mas que, se só um momento cessam de prevalecer,
permitem o inominável. Para nós a Providência é incompreendida
computadora.
Podem-se
prever suas voltas? Os adivinhos, metapsíquicos, astrólogos, por
vezes tem-se de aceitar que algum viso de verdade resida em seus dons
e arte.
Digredindo,
recordarei Demétrio de Toledo, Cônsul-Geral e horoscopista amador,
que ainda me foi dado conhecer. Publicava ele num jornal do Rio, em
1937 ou 1936, seus vaticínios siderais, com avance de mais de
semana, e foi assim que, para determinado dia, profetizou “a morte
de um ditador”. Interessou-me afirmação tão estricta e a ponto;
se bem que a ela quase ninguém dando atenção. Chegou a data e
Hitler, Mussolini, quejandos, continuaram viventes... mas, nos
Estados Unidos, tombou, a tiros, Huey Long, denominado “o ditador
da Louisiana”!
No
caso de Kennedy, sabe-se que uma vidente norte-americana predisse-lhe
a funesta ameaça e fez por impedir sua viagem ao Texas. Mas, também,
leram o jornal Última Hora de 21 de novembro, véspera do
magnicídio? Lá saiu, na “reportagem Horoscópica” do Prof.
Prahdi, como presciência ou “agenda” para o dia seguinte:
No
mundo. De Gaulle nas manchetes. Fracassado golpe de Es-tado na
América Central. Graves dificuldades para Kennedy. Ameaça de
atentado contra Fidel Castro.
Não
creio que honestamente se possa deixar de achá-la notável,
coincidência que seja ou “aproximação” de acerto.
Motivos
muitos fazem incicatrizável o assunto do assassinato de John
Fitzgerald Kennedy. Suspeitas e incertezas levam a novas propalas,
investigações, inquéritos. Publicam-se livros, como esse de
William Manchester, obra-prima de moderna insensibilidade e
mesquinhez, se não de malina coscuvilhice. Com razão, a gente
reluta em atribuir apenas às oscilações da Nêmesis —
potência-princípio que atua no Universo restabelecendo o equilíbrio
da condição humana, mediante aplicação automática da
lei-das-compensações, e uma das mais sérias fórmulas achadas pelo
pensamento religioso grego — o fim trágico do jovem, afortunado,
grande e triunfador Presidente.
Mas
fato admirável tem sido esquecido, e é o que nos faz perguntar se,
das fundas camadas da mente, Kennedy não haveria captado, de certo
modo, aviso de sua situação gravíssima. Foi que, baleado e morto,
trazia ele no bolso o discurso que ia dizer, aquele dia mesmo,
naquela cidade de Dallas. E que termina com a monitória e dramática
afirmação do Salmo:
Se
o Senhor não guarda a cidadela,
em
vão vigia a sentinela.
Guimarães Rosa, in Ave, Palavra
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