Ilustração: Suryara
Trata-se
do uirapuru, pássaro encantado da sorte e que tem como moradia as
ricas florestas da Amazônia.
A
história é um pouco triste. Mas o canto dessa ave é tão plangente
e mavioso que vale a pena contar.
Começa
com um índio tocando flauta na selva. E as índias jovens ouviam-no.
Daí para procurar ver quem era o guapo índio que a tocava – foi
um só passo. O segundo passo foi encontrar o músico e cair para
trás com uma bruta decepção. Elas, tolinhas, achavam que coisa
bonita só pode vir de gente bonita. E caprichosas, malcriadas,
empurraram o índio feio para fora da clareira. Humilhado ele então
fugiu.
Na
mesma hora as índias ouviram uma outra flauta tocada com delicadeza
e doçura. E pensaram com esperança que talvez o tocador dessa nova
flauta fosse um índio bonito. Seguiram pelas sendas da floresta,
guiadas pelo cântico que cada vez parecia mais próximo. E não é
que depararam, não com um índio, mas com um passarinho pousado num
galho de árvore frondosa? Era o pássaro uirapuru. Uma das índias,
a mais formosa e esguia, era também a melhor caçadora. E, como as
outras, quis ferir o pássaro para que ele não fugisse e só
cantasse para ela. Com arco e flecha, preparou-se. E, é claro, a ave
caiu do galho.
Agora
vem uma surpresa, tanto para as índias como para nós: uma vez por
terra o pássaro transformou-se num rapaz belíssimo.
Este
índio, com um sorriso manso, dirigiu-se para a sua caçadora,
enquanto todas as outras índias rezavam pela sua atenção e amor.
Estava
tudo bem. Mas a primeira flauta começou a soar novamente: era a do
índio feio.
As
moças sabiam que ele queria se vingar dos maus-tratos e procuraram
rodear o índio bonito para escondê-lo. Mas o índio feio mandou
rápido sua flecha, em direção do peito varonil do rival, só para
assustá-lo. E não é que aconteceu um encantamento milagroso?
Aconteceu, sim: o rapaz bonito se transformou num pássaro invisível,
mas presente pelo seu canto. E as índias passaram, mesmo sem ver, a
ouvir o trinado feliz.
Como
é que se espalhou que o uirapuru dá sorte? Ah, isso não sei, mas
que dá, dá!
Clarice Lispector, in Doze lendas brasileiras: Como nasceram as estrelas
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