segunda-feira, 21 de março de 2022

O álbum branco | 14

Certa vez quebrei a costela e, por meses, sentia dor ao me virar na cama ou ficar na piscina. Pela primeira vez tive a percepção aguda do que era ser velha. Depois esqueci. A certa altura, durante os anos sobre os quais estou falando aqui, após uma sucessão de perturbações visuais periódicas, três eletroencefalogramas, duas séries completas de radiografias de crânio e pescoço, um teste de tolerância à glicose de cinco horas, duas eletromiografias, uma bateria de análises químicas e consultas com dois oftalmologistas, um clínico geral e três neurologistas, fui informada de que a doença não era de fato nos meus olhos, mas no sistema nervoso central. Posso ou não sofrer com sintomas de dano neurológico por toda a vida. Esses sintomas, que podem ou não aparecer, podem ou não envolver meus olhos. Podem ou não envolver meus braços ou minhas pernas, podem ou não ser incapacitantes. Os efeitos podem ou não ser atenuados por injeções de cortisona. Era impossível prever. A condição tinha um nome, o tipo de nome em geral associado ao Teleton, mas o nome não significava nada e o neurologista não gostava de usá-lo. O nome era esclerose múltipla, mas não tinha significado. Era, de acordo com o neurologista, um diagnóstico excludente, e não significava nada.
A essa altura, a sensação que eu tinha não era de ser velha, mas de ter aberto a porta para um estranho e descobrir que esse estranho segurava uma faca. Em um diálogo de poucas frases no consultório de um neurologista em Beverly Hills, o improvável havia se tornado provável, a norma: coisas que só aconteciam com outras pessoas podiam de fato acontecer comigo. Eu podia ser atingida por um raio, arriscar comer um pêssego e ser envenenada pelo cianeto no caroço. O fato surpreendente era o seguinte: meu corpo estava oferecendo um equivalente psicológico do que vinha se passando na minha mente. “Leve uma vida simples”, aconselhou o neurologista. “Não que isso faça diferença.” Em outras palavras, era mais uma história sem narrativa.

Joan Didion, in O álbum branco

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