– Ite,
missa, est!
Rômulo
sorriu dentro do seu costumeiro sadismo. Os olhos de Ricardo o
observaram estranhamente. Roberto seguiu o efeito da frase de mau
gosto olhando os olhos espavoridos da mãe. O ambiente era
insuportável, mas ninguém poderia se afastar daquela lúgubre
reunião.
Roberto
circunvagou os olhos pela sala fechada. Fechada como se encontravam
todas as dependências da casa. Custava a se acostumar com o momento.
Se ficasse sozinho parecia ouvir o tiro repercutindo em cada parte,
descendo pelas paredes, nos degraus da escada, esvoaçando as
cortinas.
O
tiro partira de cima. Todos correram ao mesmo tempo. Um único tiro,
cavo, cavernoso... Viera do escritório. Bateram violentamente, mas a
porta se encontrava cerrada por dentro. Era ele. Chamaram pelo pai.
Nenhuma resposta. Duro se tornava arrombar a porta, mas conseguiram.
O pai estava lá. Caído sobre o tapete, o rosto envolto em um lago
de sangue. Um sangue ainda escorrendo. Apoiara a arma na boca e o
tiro arrancara o tampo da cabeça. O corpo ainda arfava, mas não
demorou muito. A passagem durara menos do que apagar as manchas de
sangue no tapete.
A
realidade do porquê apareceu aos poucos. A realidade caiu na família
com a violência de um tornado.
A
polícia. A humilhação da carta escrita. O velório, o enterro e
agora a missa do sétimo dia.
– Ite,
Missa est!
Ao
diabolismo de Rômulo só faltava acrescentar a velha piada: Coca
Cola is the best!
A
mãe empalidecia a cada fala de Rômulo, mas tocava a ele decidir a
sorte da família. Mabel sentara-se desanimada numa poltrona. Dava a
impressão de que a mãe aproveitava os últimos momentos de coisas
que ainda poderiam ser utilizadas.
Tia
Clarissa sentara-se junto a Mabel e tomara-lhe as mãos como se
quisesse servir de algum apoio. Mesmo assim a própria tia não
deixava de suspirar, arfando o busto negro, envolvido pelo desespero
do luto.
– Não
há de ser nada, querida.
Falava
por falar, sem nenhuma convicção. Tragédia não fora a morte do
morto, mas a tragédia que resultaria daquela morte, o que viria
depois.
Rodolfo,
elegantemente trajado até nos seus momentos de luto, estava livre de
quase todos os vexames que a família passaria. Primeiro, porque
morava em Petrópolis, casado com mulher rica e afastado de um certo
modo das garras maldizentes da sociedade. Certamente ajudaria Mabel
como já se prontificara. Finda a reunião, beijaria Mabel e voltaria
aos seus interesses, quase que indiferente, como se esperasse por
tudo aquilo que viria aos seus.
Rômulo
contornou a secretária, sentou-se e ficou como que hipnotizando, com
a sua figura fantasmagórica, os rostos que o observavam.
Tirou
os óculos do bolso e um papel cheio de anotações.
Leu
os itens um por um e, findos estes, rasgava um pedaço e atirava-o no
chão.
– Primeiro:
dispensar a criadagem. Depois, venda dos carros. Em seguida, venda da
casa já hipotecada. Venda de tudo para pagar dívidas. – Dívidas
e mais dívidas. E nada sobrava. Nada. – Talvez sobre um pouco e
isso penso eu...
Fez
uma pausa para ver se havia alguma dúvida e, como ninguém
contestasse, continuou.
– Findo
tudo isso, sobram uns miseráveis tostões que dão para comprar uma
casinha modestíssima no subúrbio.
Tia
Clarissa sentiu-se arrepiada ao ouvir pronunciar aquela palavra. Já
tinha resolvido. Não acompanharia Mabel. Nunca. Preferia morar em
casa de Rodolfo, ser criticada pelos sobrinhos, mas morar num lugar
decente. Mesmo sabendo que a altitude lhe faria um mal imenso ao
coração e outras mazelas. Preferível morrer logo, mas bem, do que
se sujeitar à humilhação e sujeira do subúrbio.
– Consegui
com um amigo comprar em pequenas prestações uma casa em Bangu. Uma
casa bem longe, onde ninguém saiba mais de nossas vidas. Onde
ninguém comente o acontecido nem nos humilhe com a piada ou as
indiretas. Não ficaremos com coisíssima alguma. Móveis, tapetes,
cortinas, tudo isso: babau!... Certo? Alguma sugestão mais prática?
Tirou
os óculos e olhou a mãe longamente. Do jeito que olhou, falou
lentamente.
– Não
a abandonarei, Mabel.
Mabel
tirou um lenço e limpou as lágrimas.
Ricardo,
duro e impassível, acrescentou a sua adesão.
– Eu
também. Na certa, Roberto nos acompanhará.
– Então,
tudo resolvido, Mabel. Seremos quatro numa casinha de três quartos.
Ricardo e Roberto ficarão juntos. Um quarto para você e outro pra
mim, que não sei dormir em companhia de ninguém. Como é sabido,
ronco muito. Mas nos acostumaremos à nova vida. Não há outra
saída. Eu já arranjei um emprego escondido no Laboratório Silva
Araújo. Ricardo e Roberto continuarão no banco e viveremos
apertados no começo. Depois, quem sabe? Talvez até possamos pagar
uma empregada para lavar e cozinhar.
Mabel
ficou um momento pensativa, espiando para as meias negras e os negros
sapatos. A realidade não tinha outra alternativa. Gustavo sempre
fora assim. Fraco de caráter. Nos últimos meses até as suas joias
tinham sido reduzidas pela metade do preço. Só nos últimos tempos
é que lançara a situação face à família. Estavam completamente
arruinados. A fábrica falira. O dinheiro jogado fora por todos não
tinha recuperação. E agora? Só o futuro e talvez Deus, a quem não
ligara muito na vida, pudessem responder...
Para
espanto de todos, roçou os pés um no outro e retirou os sapatos.
Depois, num gesto surpreendente, suspendeu o vestido e afrouxou as
ligas. Devagarzinho enrolou a meia da perna esquerda e jogou-a no
chão. Repetiu o mesmo com a outra meia. Mexeu os dedos
exercitando-os e levantou-se completamente descalça.
Por
um momento existiu um clima de preocupação. Mas o rosto de Mabel
tornara-se calmo, apesar da palidez, das olheiras e dos lábios
despidos de batom. As rugas aumentavam mais, assim como se tivessem
também descoberto a realidade da própria realidade.
– Vou
me despedir. Vou começar a me desligar das coisas.
Tia
Clarissa levantou-se para acompanhá-la, mas Mabel declinou da sua
companhia.
– Eu
prefiro fazer tudo isso sozinha. Obrigada. Muito obrigada.
Descalça,
caminhou pelos tapetes persas e saiu da sala. Subiu lentamente a
escadaria. Chegou até o quarto dos rapazes e olhou cada coisa sem
pressa, compridamente. A desordem do quarto de Rômulo contrastava
com a organização dos outros dois filhos. Pobre Ricardo. O seu
casamento com Lenita seria desfeito. O namoro quase firme de Roberto
iria por água abaixo. Tudo perdido. Retornou ao hall e penetrou na
sala de armas de Gustavo. Tudo ainda completo. Faltava apenas o
revólver que a polícia levara como prova... Não sentiu mais que
uma pequena emoção ao analisar certos fatos que já analisara junto
ao corpo morto e na hora da missa do sétimo dia. Não sabia se se
acostumara à presença de Gustavo ou se sofrera sua perda por ser
apenas o pai dos seus filhos. Com a idade, apenas se aproximavam num
momento de doença ou de uma obrigação social. Da sala de armas foi
direto ao escritório. Ali estava o tapete. Gustavo! Gustavo! Até a
herança do seu pai fora de embrulho nos negócios malparados do
marido. O tapete guardava uma mancha desbotada, quase amarela.
Atravessou o quarto de vestir. Parou um pouco, observando docemente a
banheira, a ducha, o sabonete, as toalhas felpudas, até os sais de
banhos. O que viria em substituição àquilo tudo? Sorriu. Depois
então, o quarto. Acendeu as luzes, mas não teve coragem suficiente
para descerrar as cortinas. As cortinas se remexeram como se o tiro
tivesse se repetido. Ainda bem que iria para longe de todas aquelas
recordações. Fugiria dos fantasmas da lembrança e só algum mais
teimoso e sádico se arriscaria a penetrar num subúrbio longínquo.
O subúrbio. A nojeira desumana de um mundo que conhecia apenas por
crimes de jornal ou algum comentário sem importância. A casa –
como seria, meu Deus? – A rua descalça, poeirenta e quente. E um
povo que nem conhecia direito. Talvez apenas um contato com uma
empregada que nem chegara a demorar por não estar habituada ao seu
modo de viver. Agora, tocava a ela viver ao modo deles. Abriu os
armários e vestidos mortos de todas as cores jaziam pendurados. Cada
vestido era um sonho morto. Deveriam, segundo Rômulo, ser vendidos
para outros corpos que ainda vivessem. Fechou as portas com uma certa
mágoa. Sentou-se na cama macia e balançou o cansaço da caminhada.
Observando ainda os pés desnudos. Alisou a cama com carinho. Nela
conhecera o primeiro amor carnal. A primeira dor da violação. Nela
nasceram Rodolfo e Rômulo. Ricardo e Roberto vieram ao mundo com
mais conforto e higiene, nascendo na maternidade. Mabel deitou-se e
recostou a cabeça nas mãos, afundadas no travesseiro ainda macio,
apesar de morto. Relanceou a vista pelo teto. Quantas vezes, quando o
sono não quisera vir logo, pusera-se a contar as tábuas do teto
encerado. Estava imersa em seus diminutos pensamentos quando alguém
a chamou baixinho.
– Mabel!...
Mabel!...
Sentou-se
assustada e pequenos arrepios atacaram sua espinha. Estaria sonhando
ou mesmo adormecera por segundos?
A
voz veio mais nítida.
– Mabel!...
Mabel!...
Agora
não se enganava. Era realmente uma voz. E nunca a ouvira antes.
Sentou-se a tremer na borda da cama e sem se dominar fez o sinal da
cruz.
Nitidamente
soou uma risada clara.
– Você
se esqueceu de mim, Mabel. Eu sou a coisa mais importante desse
quarto. Nada do que você se recordou tem a importância que eu
tenho. Não se esqueça de que eu sempre ampliei os seus sonhos e
gentilmente refleti da maneira mais fiel a beleza da sua vaidade.
Atraída
pela voz, se viu diante do espelho. O grande espelho do seu quarto,
que alcançava quase três alturas do seu corpo. Que aparecia desde o
começo da porta. Era costume antigo vir caminhando alegremente de lá
até junto do seu corpo todo refletido. Postou-se tristemente diante
do espelho e abaixou a cabeça.
– Levante
o rosto, querida, e me olhe com o mesmo amor com que me olhava
antigamente.
– Não
posso. Já não sou a mesma. Sou outra. Morri.
– Que
história, querida! Acenda as luzes e nós ficaremos de novo cheios
de vida.
Não
podia desobedecer. Caminhou para o lado e girou o comutador. O
espelho se iluminou feericamente e refletiu a palidez quase doentia
do seu rosto.
– Sabe,
Mabel, você ainda é uma linda mulher! Os últimos dias maltrataram
um pouco o seu rosto. Mas tudo passará.
Suspendeu
as mãos e levantou os cabelos sedosos, pintados de um tom acaju.
Verdade que nos últimos dias relaxara um pouco e, na risca, fios
brancos denunciavam a origem da pintura.
– Lindos
os seus cabelos com esse tom avermelhado, Mabel.
– São
falsos. São pintados. Se deixar de pintá-los, serão tão velhos e
brancos como as minhas rugas, que aparecem sem a pintura.
– Não
importa, querida. Assim mesmo são lindos. Se você voltar a
tratá-los bem continuarão uma moldura digna para os seus traços.
– Não
adianta, amigo. Tudo acabou e eu preciso abandonar até você.
O
espelho fez uma voz magoada.
– Mas
você poderá levar-me. Esquece que eu acompanhei todos os momentos
felizes de sua vida?
– Bem
o quisera. Mas o lugar que vamos é muito feio. Não caberia você.
De tudo que nos resta só o velho carrilhão acompanhará nossos
passos. Como se tivesse que contar o tempo da nossa tristeza.
– Por
que só o relógio, Mabel?
– Porque
é velho como eu e começa a ficar bichado. Não tem valor algum. Só
isso. Por preferência levaria você...
Teve
vontade de chorar e levou as costas da mão aos olhos.
– Assim,
não, Mabel. Quero então que você se despeça de mim como se fosse
uma rainha. Você sempre foi uma rainha.
Mabel
tornou a abaixar a cabeça.
– Caminhe
até junto à porta, por favor. Não custa realizar as minhas últimas
vontades.
Cabisbaixa,
Mabel foi até o começo do quarto.
– Olhe-me
bem, Mabel.
Ergueu
os olhos e uma alegria que era quase um grito de prazer a envolveu.
Estava vestida de rainha. Seus cabelos se prendiam em cachos
encaracolados que circundavam a sua cabeça. Falsa tiara, de
pedrarias também falsas, reluzia em meio de tanta luz. Estava
acabando de se preparar para o baile do Municipal. Nunca recebera
tantos elogios como naquela noite. Chegaram a dizer que era a mais
linda fantasia do recinto.
– Ouça
a música, Mabel.
E
a música encheu os seus ouvidos.
– Agora
dance, Mabel.
Para
não desfazer a magnitude da fantasia, rodopiou uma valsa,
aproximando-se do espelho.
– Que
rainha! Que beleza, Mabel. Você vai fazer o maior sucesso da noite.
Não haverá colombina, nem cigana, nem odalisca, nada, nada que
ofusque a beleza do que criaram para você.
Voltou
enlevada até à porta, continuando a valsar.
O
espelho a atraía como um ímã. Somente a situação se tornara
diversa. O seu corpo se envolvia no vestido vermelho de veludo, cujo
decote audacioso deixava à mostra o busto forte e bem torneado.
Valsando cobiças em todos os olhares. Homens se agachando para
beijar a sua mão com o intuito de penetrar mais a vista em seus
belos seios.
– Você
estava linda no Clube Natal, Mabel. Mas linda mesmo foi no Grande
Prêmio no Jockey Club. Aquele chapéu preto, Santo Deus. Os seus
olhos...
O
chapéu preto de rendas, enormedando uma sombra coquete no seu rosto,
ampliando o brilho de seus olhos negros belamente retocados de rímel,
fazia tanta sensação como os páreos que corriam na pista.
Voltou
ao armário e abriu-o de par em par. Acariciava cada vestido e cada
história de sucesso que eles poderiam contar aos seus ouvidos.
Cansada
de tudo, retornou ao momento de Mabel. A mulher mal pintada, descalça
e triste.
Olhou-se
demoradamente no espelho e sorriu tristemente.
– Obrigada,
meu grande amigo. Muito obrigada por tudo. Por tentar guardar no
reflexo da saudade tanta coisa linda que me aconteceu na vida...
Girou
lentamente o comutador, e o quarto tornou-se momentaneamente
escurecido. Deitou-se na cama, acostumando a vista à penumbra.
Fechava
os olhos para esquecer, mas as coisas permaneciam vivas e desenhadas
nas lembranças.
A
quem pertenceria a prataria? Com quem iria ficar a baixela da família
paterna? E a pinacoteca? O seu querido Matisse? Os gladiadores de De
Chirico? A grande natureza morta de Bassano? Tudo isso indo a leilão.
Os próprios amigos invadiriam a sua ex-casa como piranhas famintas
para arrebanhar tudo que pertencera à tradição de sua família,
tudo que cercara os passos do seu passado…
Sorriu
meio anestesiada, pensando nos comentários mordazes que fariam a seu
respeito e ao seu azar. Ninguém a defenderia. Isso era certo. Ao
contrário, no tocante àquela pequena tragédia burguesa, ririam de
uma família cheia de pose que levava uma vida falsa, postiça, sem
condições para aguentar o ritmo.
– Deixa
essa cama macia, Mabel, porque dentro em breve teu corpo deverá
repousar cansado como o de uma empregada doméstica num colchão
áspero e vagabundo de crina usada.
Sentou-se
resignada a tudo. Jurando que um dia voltaria à mesma vida. Que não
era possível a sorte se apresentar assim. Afinal não tinha culpa de
coisa alguma que acontecera. Apenas fora carregada numa voragem
alucinante. Arremetida num precipício desgraçado.
Pisou
de leve no chão atapetado, tentando imaginar o chão talvez de terra
batida da nova casa que os iria acolher.
Saiu
e cerrou com cuidado a porta do quarto. Como se fechasse todas as
lembranças ternas dentro daquele mundo penumbroso de silêncio.
Desceu
contando os degraus da escada.
Ao
chegar à sala, todos estavam falando baixinho. Planificando o futuro
certamente. Trincou os dentes decidida a tudo. Poderia uma vez ou
outra não resistir e se lastimar. Mas aguentaria o que viesse pela
frente, fechando os punhos do ódio interior.
– Que
tanto você demorou, Mabel?
Clarissa
viera ao seu encontro.
Sorriu
sarcasticamente, analisando a irmã. Para que tanto cuidado se nem
sequer tinha coragem de acompanhá-la na atual circunstância. Iria,
sim, dependurar-se servilmente nas calças de Rodolfo para não ser
tão atingida pelo golpe que a atingira.
– Estávamos
preocupados com a sua ausência, Mabel.
– Não
foi nada. Apenas senti uma grande indisposição intestinal e, de
nojo, demorei-me a vomitar a podridão da vida. Foi só.
Voltou
ao antigo posto e principiou, apanhando a primeira meia,
desenrolando-a e estirando-a perna acima. Repetiu o mesmo gesto com a
outra e ligou as ligas na calça. Findo isto, sem tentar abaixar-se,
enfiou os pés nos sapatos. Queria assim confirmar que estava
disposta a tudo que viesse. Exceto a morte, porque só os outros
morriam...
– E
então?
Rômulo,
que tomava as primeiras atitudes, comentou entre dentes.
– Segunda-feira
iremos com o caminhão da mudança.
– Muito
bem.
Tia
Clarissa limpou os olhos num pequeno lenço.
– Por
que tanta humilhação, meu Deus?
Mabel
fez-lhe sinal com o dedo na boca para que se calasse.
– De
nada adianta reclamar. O que aconteceu, aconteceu. E as lamúrias não
remediarão nada. E mesmo, querida, sou eu que terei de ir no
caminhão da mudança... Não você.
Rômulo
ergueu-se e aumentou a voz. E a voz veio recheada de um sorriso
debochado.
– Nem
tudo é tragédia e desesperança. Ontem mesmo eu soube de uma grande
notícia. Nós não ficaremos toda a vida nessa situação. Haveremos
de voltar e, quem sabe, até em menos tempo do que se espera.
Todos
os olhares voltaram-se surpresos para ele.
– Ontem
me deram uma notícia comovedora e esperançosa. O aneurisma de tio
Hermes pode rebentar a qualquer momento e ele não tem herdeiros
diretos. Apontou as duas mulheres.
– Só
você, Mabel. Só você, Clarissa.
Deu
uma risada que não estava nada apropriada ao ambiente e ao cheiro de
luto que envolvia a todos ainda.
– Nunca
na minha vida rezarei tanto para que um aneurisma rebente depressa.
Ninguém
disse nada e, se houve recriminação, somente os olhares duros dos
presentes o fizeram.
Depois,
abrindo as mãos do cinismo, encerrou a sessão repetindo as mesmas
palavras iniciais:
– Ite,
Missa est!…
José Mauro de Vasconcelos, in Rua Descalça
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