Eu
segui pela calçada vazia. Meu apartamento ficava no terceiro
distrito de Totsuka, então, vindo de Shinjuku, o atalho mais curto
me levou através da parte solitária dos campos de Toyama. Naquele
dia, eu segui minha rotina usual e a mesma rota, mas isso me colocou
em uma colisão direta com uma descoberta terrível.
Enquanto
eu metodicamente apagava cada uma das luzes das ruas pelas quais eu
caminhava¹, passei pela fachada de um estabelecimento comercial, com
uma parede malfeita e desnivelada como uma gigante caixa de papelão
jogada na rua, que fora misturada com o distrito varejista que
dormia, quando eu me aproximei da entrada dos campos de Toyama.
Oh,
campos de Toyama à noite! Era um lugar incrivelmente pacífico,
conhecido por poucos. Carvalhos cobriam toda a região, serena como
uma floresta intocada, e não havia pilhas de lixo, tratamento de
esgoto, ou carrinhos de mão abandonado, para não mencionar tendas
ou letreiros de neon. O que havia ali era, em sua maioria, barro
junto aos carvalhos, pequenas ervas daninhas, caixas vazias de doce
de caramelo e papéis farfalhando no solo. Era um lugar desolado; se
isso fosse uma ópera, eu entraria com a música dramática,
derrubaria uma cortina azul clara ao som de um violino e entoaria uma
canção, mas infelizmente eu não tinha nenhuma dessas coisas
preparadas — deixando apenas o som dos insetos zumbindo na grama,
enquanto a lua surgia entre as nuvens, a luz sedosa fluía como água,
e os carvalhos realçavam uma imagem fraca dos seus troncos aos meus
olhos. A lua surgiu, e a floresta se tornou mais brilhante.
Naquele
momento, fiquei surpreso ao ver alguém aqui nos campos Toyama,
estava certo de que era um lugar inabitado. De repente, pessoas
surgiram das árvores. Havia dois: um jovem rapaz e uma moça.
Eles
papeavam, animados, conforme se aproximavam de mim. Vê-los me
irritou por algum motivo, estou certo de que vocês entendem como me
senti. Para provocá-los, eu andei de propósito para uma direção
em que ficaria no caminho deles. Esperei o jovem casal detectar a
minha má intenção e ir embora. No entanto, não importava o quão
próximo eu ficava, eles não faziam qualquer tentativa de ir embora.
Isso só aumentou minha irritação.
Se
eu continuasse a andar para frente dessa maneira, eu não teria outra
escolha a não ser trombar com eles. O casal seguiu direto na minha
direção, sem mudar o curso. Considerei desviar para evitá-los. Mas
então me ocorreu: não havia nenhum motivo para eu evitá-los.
Aqueles dois estavam realmente se divertindo; eu estava sozinho e não
me divertia nem um pouco. Dado isso, era tão irrazoável para um
casal sortudo ceder a mim, um cara azarado?
Semicerrei
os olhos e investi impetuosamente contra eles.
“Cuidado!”
Meu
corpo atingiu o jovem rapaz com um baque.
— Ai!
— ele gemeu e cambaleou para trás. “Ele vai cair, coitado”,
pensei, mas estava enganado; o jovem plantou firmemente o pé no chão
e recuperou o equilíbrio.
— Nossa,
que estranho — murmurou o jovem. — Mas, como estava dizendo, eu
disse ao meu tio: “Se isso não der certo…”
— Ei,
o que aconteceu? Você quase caiu para trás — disse a moça.
— Sim,
não sei por que, acho que perdi o equilíbrio. Mas não doeu nem
nada… Então eu disse ao meu tio…
— Espere
aí, isso foi muito estranho. Pareceu que você ficou tonto de
repente.
— Calma,
não é nada demais. Você sabe que eu tenho estado um pouco
estressado…
O
jovem casal conversava enquanto ia embora, e por um tempo eu fiquei
sentado na grama, sem palavras, assistindo sua partida.
“Aqueles
dois simplesmente não se importam… ou são insensíveis. São bem
esquisitos! Estavam tão absortos na própria conversa que nem
notaram quando trombei com eles. Mas espere um minuto. Tem algo de
errado. É estranho que não me perceberam parado bem em frente a
eles. Muito estranho.”
Continuei
meu caminho através da floresta de carvalho, e o sentimento incômodo
não me abandonou. A grama sob meus pés cintilavam à luz da lua,
que descia através do topo das árvores.
Naquele
momento, avistei outro casal na floresta.
“De
fato, esta é uma noite de muitos casais!”
A
depressão que tomou conta de mim logo se transformou em
ressentimento.
“Já
que estou aqui, posso também trombar com esses dois!”
Minha
ânsia impura se tornou cada vez mais forte e difícil de ser
suprimida, até que, por fim, corri na direção em que se
encontravam, juntos, e colidi com eles. E o que vocês acham que
aconteceu?
Eu
fiquei mais surpreso do que o casal, como vocês podem imaginar após
a experiência anterior.
— Ei,
pare com isso, Matsushima!
— Quê?
O que há de errado com você? Foi você que trombou comig...
Cada
um acreditava que o outro havia feito algo. Não havia nenhum
indicativo de que tinham consciência da minha presença, que agora
estava atrás deles depois de ter escorregado por entre seus corpos.
Vendo
isso, eu também não pude deixar de murmurar:
— Isso
é estranho!
— Ei…
tem mais alguém aqui.
— Não,
não tem ninguém.
— Hum,
você deve estar certo. Mas juro que ouvi alguém dizer “isso é
estranho”, ou algo do tipo…
Eles
me encaravam durante essa conversa; não preciso mencionar que não
pareciam me notar.
Naquele
instante, senti um calafrio percorrer a minha nuca — uma sensação
terrível da qual ainda me lembro até hoje.
“Estranho…
foi como se ninguém me notasse — nem esse casal, e nem aquele de
antes. Como isso é possível?”
Um
sentimento esquisito aos poucos tomou conta de mim. Meu coração
dançava em meu peito. Acho que eu estava prestes a perder a cabeça.
Senti-me
culpado — e ao mesmo tempo aterrorizado —, ainda tentei a mesma
coisa com um terceiro casal. E, mais uma vez, o resultado foi
lamentável. Ninguém parecia notar minha existência; meu corpo era
invisível para eles. Como pode algo tão lastimável e aterrorizante
como isso continuar acontecendo?
Passei
uma hora deitado na grama do campo de Toyama, sozinho e angustiado.
Enquanto isso, as nuvens cobriram a lua, escurecendo tudo nas
proximidades, então me levantei e retornei ao meu apartamento. Eu
destranquei a porta, entrei no meu quarto e subi na minha cama. Dormi
até amanhecer.
Como
uma pessoa, por natureza, despreocupada, logo esqueci dos eventos
aterrorizantes da noite anterior e, quando acordei, fui direto ao
banheiro, com a escova de dentes e a toalha em mãos.
— Ei,
você se levantou agora? Dormiu bem tarde, hein — uma voz disse
para mim.
Tomei
um susto e não respondi. Essa voz pertencia ao dr. Fujita, um
fisiognomista. Havia rumores de que ele era residente deste prédio
desde que foi construído.
— Que
cara é essa? Você está parecendo um rato aflito com o rabo preso
em uma ratoeira.
Dr.
Fujita, como sempre, atingiu-me com suas ríspidas observações.
Resisti bravamente para não perguntar: “Dr. Fujita, você consegue
me ver?” Virei-me para olhar para trás. Queria checar se a
observação do dr. Fujita era direcionada a outra pessoa, que
poderia estar atrás de mim.
Após
o ocorrido, fiquei muito aliviado com o que vi: não havia ninguém
atrás de mim. Eu podia ver claramente até o fim do corredor. Não
havia ninguém lá, nem mesmo um gato.
— Ei,
dr. Fujita. Parece que você está de bom humor, aposto que ganhou
algum dinheiro ontem à noite — eu disse, rindo pela primeira vez
em um longo tempo.
— Não
apenas na noite passada! — Fujita disse e riu. — Parece que meus
clientes gananciosos estão passando bem esses dias, dando gorjeta
além do que cobro normalmente. Tempos extraordinários! — Ele
gargalhou alto.
A
risada de Fujita era impagável, pois dizia que meu corpo era
inegavelmente visível. Graças ao dr. Fujita, isso foi provado sem
sombra de dúvidas. Eu estava tão feliz que poderia morrer e ir para
o céu.
A
alegria! O alívio!
Entretanto,
eu ainda não tinha explicação para aquela estranha ocorrência
noturna nos campos de Toyama. Por que fiquei invisível para eles
naquela noite em particular?
Eu
discuti isso com meu bom amigo Shiraishi. Mas não contei como minha
própria experiência, e sim como a de uma terceira pessoa, sobre a
qual Shiraishi zombou e disse:
— Bem,
isso é óbvio. Está errada a presunção de que o corpo dele (na
verdade, o meu corpo) não estava visível.
— Por
que você diz isso?
— Bem,
da perspectiva de jovens casais se encontrando secretamente em um
lugar como aquele, um homem desconhecido de repente trombar com eles
é estranho, uma figura amedrontadora, então, seguindo a expressão
“não bata palmas para maluco dançar”, eles simplesmente
fingiram não o ver. Esses casais sabiam que irritá-lo só iria
piorar as coisas e causar um grande problema para eles.
— Hum,
entendo. É simples assim — eu ri.
— O
que há de tão engraçado? Você é um cara estranho.
Shiraishi
me encarou com suspeita, mas eu não podia estar mais feliz.
Minha
felicidade, infelizmente, não durou nem cinco dias. Em uma noite, no
trajeto de Shinjuku para minha residência, enquanto entrava nos
campos de Toyama, a mesma coisa aconteceu. Mais uma vez, minha
existência fora ignorada.
O
meu estado podia ser comparado à recorrência de uma doença
terrível. As palavras de Shiraishi me mantiveram feliz durante pouco
menos de três dias. Novamente, eu me encontrava envolto até a
cabeça em uma infinita escuridão infernal. “O que está
acontecendo comigo?” E pensar que o corpo de uma pessoa pode se
tornar invisível por inteiro…
Não
parecia haver nenhuma dissimulação da parte deles. Quando alguém
não podia me ver, realmente não podia me ver. Isso me aterrorizava
e, ao mesmo tempo, estimulava uma curiosidade secreta sobre o porquê
de isso acontecer. Contudo a resposta não aparecia.
¹
No Japão, na época em que este conto foi escrito, havia cidades em
que, após certo horário, os cidadãos eram obrigados a apagar as
luzes das ruas conforme passavam por elas.
Juza Unno, in A última transmissão
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