Aí
o pai chegou de viagem e anunciou: “Vamos nos mudar para o Rio de
Janeiro. Vamos nos mudar para a capital. A casa já está alugada...”
. E pôs-se a descrever a casa.
“A
casa tem campainha...”
Nossa
casa não tinha campainha. Quem quisesse teria de bater à porta com
as juntas dos dedos da mão fechada. Campainha, só nas casas dos
ricos.
“E
o assoalho é de tacos encerados...”
O
nosso assoalho era de tábuas largas, lavadas. Piso de tacos
encerados só nas casas dos ricos.
“E
tem um jardim na frente...”
À
frente da nossa casa só havia um pastinho de capim. Jardim na
frente, só em casa de ricos.
“E
os bondes passam na frente...
E
tem um cinema na esquina...
E
o mar está pertinho...”
Pegamos
o trem numa madrugada fria de neblina. Eu, embalado pelo sacolejo do
trem, ia construindo minha casa de menino rico com campainha, tacos
encerados e jardim na frente, usando como tijolos as palavras que meu
pai dizia... Eu acreditava nelas…
Rubem Alves, in O velho que acordou menino
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