Percebemos
e interpretamos as emoções usando comunicação, empatia,
coordenação e, em especial, lendo a linguagem corporal. Uma vez que
é quase impossível para os pesquisadores estudarem como as pessoas
percebem as emoções apenas pela observação, eles obtêm mais
conhecimento a partir de experiências, geralmente aquelas que
apresentam imagens em uma tela sensível ao toque. Os seres humanos
são testados dessa maneira o tempo todo, mas isso é feito também
com outras espécies.
Nossos
chimpanzés ficam muito empolgados com esses estudos, talvez por
causa do fascínio pelo feedback imediato da tela sensível ao
toque, do mesmo modo como as crianças são atraídas pelos
celulares. A maneira mais rápida de fazer com que os chimpanzés
entrem no Prédio da Cognição em Yerkes, o que eles fazem de forma
voluntária, é passar pelo recinto ao ar livre deles com um carrinho
de serviço carregando um computador. Os chimpanzés explodem em
guinchos e correm para as portas do prédio onde realizamos o teste,
fazendo fila para entrar, ansiosos para passar uma hora no que para
eles são diversão e jogos e para nós, testes cognitivos. Nem
precisamos recompensá-los pelo desempenho: para eles, tocar imagens
e solucionar quebra-cabeças é divertido por si só. Alguns
chimpanzés se tornam competitivos: eles ouvem pelo som do monitor
como estão se saindo (a solução correta produz um som mais feliz
que o erro) e ficam aborrecidos quando ouvem um companheiro próximo
se sair melhor que eles. É a melhor maneira de fazer com que se
concentrem!
Eu
gosto de experimentos que sejam agradáveis tanto para os cientistas
quanto para os animais. O truque é criar tarefas interessantes. Por
exemplo, durante muito tempo testamos o reconhecimento facial
mostrando rostos de primatas humanos; então, diante de um desempenho
ruim, concluímos que apenas nós humanos reconhecemos os rostos.
Alguns cientistas chegaram ao ponto de alegar a existência de um
módulo especial de reconhecimento facial no cérebro humano que
evoluiu exclusivamente em nossa linhagem. Mas então os chimpanzés
foram testados com faces de sua própria espécie, e prestaram
mais atenção e se revelaram tão bons quanto os humanos nessa
tarefa.
Eles
até mostraram sinais de percepção holística. Nós, humanos, não
reconhecemos rostos pelo tamanho do nariz ou pela distância entre os
olhos; em vez disso, captamos a configuração geral, percebendo o
rosto como um todo. O mesmo acontece com outros primatas, desde que
sejam testados sobre sua própria espécie. Até os cães — animais
domésticos criados especificamente para se dar bem conosco —
reconhecem melhor as emoções dos cães que as dos humanos. Nada
disso é terrivelmente surpreendente, mas por demasiado tempo
testamos os animais da forma incorreta, baseados na suposição de
que nossos rostos devem ser os mais distintos do mundo. Claramente,
nem símios nem cães são tão apaixonados por nós como gostaríamos
que fossem.
E
o que dizer das expressões emocionais? Aqui a coisa complica, pois
não podemos perguntar aos animais o que significam suas expressões.
Não podemos dar-lhes uma lista de adjetivos como “feliz”,
“triste” e assim por diante, como Ekman fez. Lisa Parr, então
minha aluna, encontrou uma solução engenhosa usando dados
fisiológicos. A fisiologia nos diz como o corpo reage, o que é
fundamental, porque as emoções pertencem tanto ao corpo quanto à
mente. A palavra moderna inglesa “emotion” deriva do verbo
francês “émouvoir”, que significa mover, comover, ou
excitar; o latim “emovere” significa agitar. Em outras
palavras, as emoções não podem nos deixar em paz. São estados
mentais que fazem nosso coração bater mais depressa, nossa pele
ganhar cor, nosso rosto tremer, nosso peito se contrair, nossa voz se
elevar, nossas lágrimas correrem, nosso estômago se revolver e
assim por diante.
Não
só as emoções afetam o corpo, como o inverso é igualmente
verdadeiro. As emoções são fortemente influenciadas por hormônios
(como os do ciclo menstrual), excitação sexual, insônia, fome,
exaustão, doença e outros estados corporais. Associamos diferentes
emoções a locais específicos do corpo, e o corpo, por sua vez,
afeta o que sentimos. Por exemplo, o sistema nervoso entérico —
uma rede de milhões de neurônios embutidos no revestimento do trato
digestivo — pode nos dar um frio na barriga, ou ansiedade na boca
do estômago, o que, por sua vez, diz ao nosso cérebro o que
sentimos. Por causa da autonomia do sistema entérico, ele é também
chamado de nosso “segundo cérebro”.
O
fato de as emoções estarem enraizadas no corpo explica por que a
ciência ocidental levou tanto tempo para valorizá-las. No Ocidente,
amamos a mente, dando pouca atenção ao corpo. A mente é nobre,
enquanto o corpo nos arrasta para baixo. Dizemos que a mente é forte
enquanto a carne é fraca, e associamos emoções a decisões
ilógicas e absurdas. “Não se deixe levar pelas emoções!”,
alertamos. Até recentemente, as emoções eram em grande parte
ignoradas, vistas como quase abaixo da dignidade humana.
Em
geral, as emoções sabem melhor do que nós o que é bom para nós,
mesmo que nem todos estejamos preparados para ouvir. Quando estava
tentando decidir se pediria a prima Emma Wedgwood em casamento,
Charles Darwin elaborou uma longa lista de argumentos a favor
(“Objeto para amar e brincar — melhor que um cão, de todo modo”)
e contra (“Não ser forçado a visitar parentes e se dobrar por
qualquer ninharia”). Dessa maneira, ele esperava chegar a uma
decisão perfeitamente racional, mas duvido muito que sua lista o
tenha influenciado para um lado ou para o outro. Ele até esqueceu os
dois itens em favor do casamento que muitos de nós colocaríamos no
topo da lista: amor e atração física. Ao concluir com um firme CQD
(quod erat demonstrandum, “como se queria demonstrar”) que
favorecia a proposta a Emma, Darwin agiu como se tivesse produzido
algum tipo de prova matemática, mas obviamente sua matemática era
ilusória. Sempre nos inclinamos para um lado ou para outro quando
temos de tomar uma decisão importante, e raramente é a cabeça que
comanda a inclinação. No fraseado elegante de Blaise Pascal,
filósofo francês do século XVII, “o coração tem razões que a
razão desconhece”.
As
emoções nos ajudam a abrir caminho num mundo complexo que não
compreendemos totalmente. Elas são o jeito de nosso corpo garantir
que façamos o melhor para nós. Além disso, somente o corpo pode
realizar as ações necessárias. As mentes sozinhas são inúteis:
elas precisam de corpos para se envolver com o mundo. As emoções
estão na interface de três coisas: mente, corpo e meio ambiente.
Elas também são chamadas de afetos, mas, como esse termo tem
definições conflitantes, fico com emoções, definidas da seguinte
forma:
Uma
emoção é um estado temporário produzido por estímulos externos
relevantes para o organismo. Ela é marcada por mudanças específicas
no corpo e na mente — cérebro, hormônios, músculos, vísceras,
coração, estado de alerta etc. Pode-se inferir qual emoção está
sendo desencadeada pelo estado em que o organismo se encontra, bem
como por suas mudanças e expressões comportamentais. Em vez de uma
relação exclusiva entre uma emoção e o comportamento subsequente,
as emoções combinam a experiência individual com a avaliação do
ambiente a fim de preparar o organismo para a resposta ideal.
Vamos
considerar a emoção do medo. Assim que vê uma cobra, um macaco
fica terrivelmente amedrontado. Da mesma forma, você será tomado
pelo medo se descer da calçada para a rua e um ônibus passar a
centímetros de seu rosto. O medo faz o corpo congelar e tremer
enquanto a frequência cardíaca aumenta, a respiração fica mais
rápida, os músculos ficam tensos, os pelos ou as penas se arrepiam,
e tem-se uma descarga de adrenalina. Tudo isso envia oxigênio ao
cérebro e aos músculos para que se possa lidar melhor com o perigo
percebido. O macaco precisa decidir se a cobra é perigosa ou
inofensiva, e se o melhor que tem a fazer é escalar uma árvore,
recuar, fugir ou lutar. Após ver o ônibus, você vai verificar o
tráfego e decidir se é seguro atravessar ou se é melhor procurar a
faixa de pedestre. As emoções têm sobre os instintos a grande
vantagem de não ditarem comportamentos específicos. Os instintos
são rígidos e semelhantes a reflexos, o que não é como a maioria
dos animais funciona. Em contraste, as emoções concentram a mente e
preparam o corpo, enquanto deixam espaço para experimentar e julgar.
Elas constituem um sistema de resposta flexível, muito superior aos
instintos. Com base em milhões de anos de evolução, as emoções
“sabem” coisas sobre o ambiente que nós, como indivíduos, nem
sempre sabemos conscientemente. É por isso que se diz que as emoções
refletem a sabedoria das eras.
Voltando
a Lisa Parr, ela decidiu medir a temperatura dos chimpanzés enquanto
os testava. Ensinou-lhes pacientemente a esticar um dedo enquanto
punha uma tira em torno dele e media a temperatura da pele. Em nossa
espécie, durante a excitação negativa — como quando vemos coisas
que nos incomodam ou nos amedrontam —, a temperatura da nossa pele
diminui. Uma reação do tipo “lutar ou fugir” nos deixa com os
pés frios, pois o sangue é retirado das extremidades. Em um
episódio do programa de televisão Caçadores de mitos,
sensores de calor foram colocados nos pés de pessoas que se
deparavam com tarântulas rastejando na direção delas, ou que
faziam um passeio assustador num avião de acrobacia. As quedas de
temperatura foram espantosas. Nossos pés congelam quando estamos com
medo, reação que compartilhamos com ratos assustados, que ficam com
o rabo e as patas frias.
Lisa
se perguntou se os símios mostrariam a mesma queda de temperatura.
Primeiro, ela passou um pequeno vídeo na tela. Mostrava uma cena
feliz, como tratadores de animais se aproximando com baldes cheios de
frutas, ou então uma cena desagradável, como um veterinário vindo
com uma arma de dardos — o mais perto que ela podia chegar de um
predador. Depois de assistir a um ou outro vídeo, os símios deviam
escolher entre duas faces na tela: uma com a expressão risonha feliz
de sua espécie, a outra com um sorriso nervoso. O objetivo era ver
qual face associariam espontaneamente à cena. Eles nunca haviam sido
treinados com essas imagens. No primeiro teste, escolheram o rosto
risonho para acompanhar a cena feliz e o sorriso angustiado para
acompanhar a cena desagradável. Enquanto viam a última cena, a
temperatura da pele caiu como nos seres humanos e ratos que enfrentam
uma situação desagradável.
Acho
difícil explicar esse resultado sem inferir experiências
subjetivas. Não se trata mais apenas de emoções, que podem ser
deflagradas automaticamente, mas também de sentimentos. Os
sentimentos surgem quando as emoções penetram em nossa consciência
e nos tornamos conscientes deles. Sabemos que estamos zangados ou
apaixonados porque sentimos isso. Podemos dizer que sentimos isso em
nossa “barriga”, mas na verdade detectamos mudanças em todo o
corpo. Como os símios da experiência de Lisa poderiam selecionar a
expressão facial correta, a menos que sentissem alguma coisa? É
muito provável que eles tenham se sentido bem ou mal ao ver os
vídeos, o que os ajudou a decidir que cara combinaria com o que
viram. As medições de temperatura de Lisa confirmaram que eles
resolviam a tarefa emocionalmente, e não intelectualmente. O
experimento dela nos deixou com a intrigante possibilidade de que os
símios sejam tão conscientes de seus sentimentos quanto nós.
Na
maioria das vezes, no entanto, os sentimentos dos animais são
desconhecidos para nós, e tudo o que podemos fazer é testar suas
reações. Experimentos nos ensinaram que macacos e grandes primatas
são especialistas em suas próprias expressões faciais. Eles são
incrivelmente rápidos e precisos em detectar semelhanças e
diferenças, do mesmo modo como podemos instantaneamente diferenciar
um sorriso de uma carranca. Quando mostramos aos macacos-prego uma
tela com fotos de diferentes objetos — flores, animais, carros,
frutas, faces humanas, faces de macacos —, descobrimos que o que
eles reconheciam com mais rapidez eram as expressões emocionais de
sua própria espécie. Essas imagens eram uma categoria à parte,
porque as expressões não são apenas significativas, mas também
envolventes. De início, os macacos até reagiam a elas,
recusando-se, por exemplo, a tocar a imagem de uma face ameaçadora,
ou estalando os lábios diante de um movimento amistoso de
sobrancelha. As expressões provocam emoções, ou empatia. Na
verdade, é difícil ter empatia sem conexão facial.
O
psicólogo sueco Ulf Dimberg identificou a conexão empática em
nossa própria espécie na década de 1990, quando colou eletrodos em
rostos humanos que lhe permitiram registrar até as menores
contrações musculares. Ele descobriu que as pessoas imitam
automaticamente as expressões exibidas em um monitor. O mais notável
é que elas nem precisam saber o que estão vendo. As imagens de
rostos podem ser exibidas subliminarmente (apenas por uma fração de
segundo) entre fotos de paisagens, e ainda assim as pessoas as
imitarão. Elas acham que estão olhando somente para belas
paisagens, sem saber dos rostos na tela, mas depois se sentem bem ou
mal, conforme tenham sido expostas a sorrisos ou carrancas. Ver
sorrisos nos torna felizes, ao passo que ver carrancas nos deixa
zangados ou tristes. Inconscientemente, nossos músculos faciais
copiam esses rostos, que então repercutem no modo como nos sentimos.
Na
vida real, então, não podemos deixar de ser afetados emocionalmente
pelos outros. Nossa conexão empática com os outros é como um
aperto de mão por debaixo da mesa entre corpos, percebido como uma
“vibração”, que pode ser positiva e inspiradora, ou tóxica,
minando nossa energia. Demora-se para perceber isso, porque esses
processos podem ocorrer fora de nossas mentes conscientes. Embora
fornecesse insights maravilhosos sobre o mundo dos seres humanos, a
pesquisa de Dimberg infelizmente encontrou enorme resistência e foi
ridicularizada. Por um tempo, sua obra inovadora continuou inédita
porque dava prioridade ao corpo, enquanto no Ocidente preferimos que
a mente esteja no comando. Gostamos de nos ver sobretudo como seres
racionais, como Darwin elaborando sua lista tola de prós e contras
do casamento. Podemos camuflar nossas decisões emocionais com
racionalizações, dizendo que precisamos daquele carro esportivo
para vencer o tráfego, ou daquele chocolate por causa dos
antioxidantes. Pela mesma razão, a ciência elevou a empatia a um
processo cognitivo. Deixá-la como uma questão de emoções e
processos corporais simplesmente não era aceitável, por isso se
dizia que empatia significava colocar-se deliberadamente no lugar do
outro. Afirmava-se que entendemos os outros com base num “salto de
imaginação para dentro do espaço mental da outra pessoa”, ou
simulando conscientemente a situação dela. O corpo não fazia parte
dessas teorias.
Nos
últimos anos, no entanto, a ciência foi forçada a mudar. O corpo
está agora na frente e no centro de qualquer consideração sobre a
empatia. Novos estudos de imagem cerebral apoiam o processo físico
involuntário proposto por Dimberg. E pesquisas descobriram que a
empatia é prejudicada quando o mimetismo facial é bloqueado, como
quando os seres humanos seguram um lápis entre os dentes, para que
os músculos da bochecha não se movam. Nossos rostos têm muito mais
mobilidade do que pensamos, o que nos ajuda a nos conectar com os
outros, imitando seus movimentos. Isso se tornou um problema para as
pessoas em cujo rosto se injetou Botox. O relaxamento muscular as
impossibilita de espelhar o rosto dos outros, o que as impede de
sentir o que os outros sentem. Pessoas com Botox podem parecer
maravilhosas, mas elas têm dificuldade com a empatia. E o problema
não está apenas em como elas se relacionam com os outros, mas em
como os outros se relacionam com elas. Rostos com Botox parecem
congelados e perdem o fluxo de microexpressões utilizadas nas
interações diárias. A falta de resposta facial faz com que os
outros se sintam isolados, rejeitados até.
O
ceticismo inicial da ciência sobre esses processos corporais agora
nos parece estranho. Quem não chorou quando os outros choraram, riu
quando os outros riram ou pulou de alegria quando os outros pularam?
Sentimos o que os outros sentem ao tornar nossas as posturas, os
movimentos e as expressões deles. A empatia salta de corpo para
corpo.
Frans Waal, in O último abraço da matriarca
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