segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Sabedoria das eras

Percebemos e interpretamos as emoções usando comunicação, empatia, coordenação e, em especial, lendo a linguagem corporal. Uma vez que é quase impossível para os pesquisadores estudarem como as pessoas percebem as emoções apenas pela observação, eles obtêm mais conhecimento a partir de experiências, geralmente aquelas que apresentam imagens em uma tela sensível ao toque. Os seres humanos são testados dessa maneira o tempo todo, mas isso é feito também com outras espécies.
Nossos chimpanzés ficam muito empolgados com esses estudos, talvez por causa do fascínio pelo feedback imediato da tela sensível ao toque, do mesmo modo como as crianças são atraídas pelos celulares. A maneira mais rápida de fazer com que os chimpanzés entrem no Prédio da Cognição em Yerkes, o que eles fazem de forma voluntária, é passar pelo recinto ao ar livre deles com um carrinho de serviço carregando um computador. Os chimpanzés explodem em guinchos e correm para as portas do prédio onde realizamos o teste, fazendo fila para entrar, ansiosos para passar uma hora no que para eles são diversão e jogos e para nós, testes cognitivos. Nem precisamos recompensá-los pelo desempenho: para eles, tocar imagens e solucionar quebra-cabeças é divertido por si só. Alguns chimpanzés se tornam competitivos: eles ouvem pelo som do monitor como estão se saindo (a solução correta produz um som mais feliz que o erro) e ficam aborrecidos quando ouvem um companheiro próximo se sair melhor que eles. É a melhor maneira de fazer com que se concentrem!
Eu gosto de experimentos que sejam agradáveis tanto para os cientistas quanto para os animais. O truque é criar tarefas interessantes. Por exemplo, durante muito tempo testamos o reconhecimento facial mostrando rostos de primatas humanos; então, diante de um desempenho ruim, concluímos que apenas nós humanos reconhecemos os rostos. Alguns cientistas chegaram ao ponto de alegar a existência de um módulo especial de reconhecimento facial no cérebro humano que evoluiu exclusivamente em nossa linhagem. Mas então os chimpanzés foram testados com faces de sua própria espécie, e prestaram mais atenção e se revelaram tão bons quanto os humanos nessa tarefa.
Eles até mostraram sinais de percepção holística. Nós, humanos, não reconhecemos rostos pelo tamanho do nariz ou pela distância entre os olhos; em vez disso, captamos a configuração geral, percebendo o rosto como um todo. O mesmo acontece com outros primatas, desde que sejam testados sobre sua própria espécie. Até os cães — animais domésticos criados especificamente para se dar bem conosco — reconhecem melhor as emoções dos cães que as dos humanos. Nada disso é terrivelmente surpreendente, mas por demasiado tempo testamos os animais da forma incorreta, baseados na suposição de que nossos rostos devem ser os mais distintos do mundo. Claramente, nem símios nem cães são tão apaixonados por nós como gostaríamos que fossem.
E o que dizer das expressões emocionais? Aqui a coisa complica, pois não podemos perguntar aos animais o que significam suas expressões. Não podemos dar-lhes uma lista de adjetivos como “feliz”, “triste” e assim por diante, como Ekman fez. Lisa Parr, então minha aluna, encontrou uma solução engenhosa usando dados fisiológicos. A fisiologia nos diz como o corpo reage, o que é fundamental, porque as emoções pertencem tanto ao corpo quanto à mente. A palavra moderna inglesa “emotion” deriva do verbo francês “émouvoir”, que significa mover, comover, ou excitar; o latim “emovere” significa agitar. Em outras palavras, as emoções não podem nos deixar em paz. São estados mentais que fazem nosso coração bater mais depressa, nossa pele ganhar cor, nosso rosto tremer, nosso peito se contrair, nossa voz se elevar, nossas lágrimas correrem, nosso estômago se revolver e assim por diante.
Não só as emoções afetam o corpo, como o inverso é igualmente verdadeiro. As emoções são fortemente influenciadas por hormônios (como os do ciclo menstrual), excitação sexual, insônia, fome, exaustão, doença e outros estados corporais. Associamos diferentes emoções a locais específicos do corpo, e o corpo, por sua vez, afeta o que sentimos. Por exemplo, o sistema nervoso entérico — uma rede de milhões de neurônios embutidos no revestimento do trato digestivo — pode nos dar um frio na barriga, ou ansiedade na boca do estômago, o que, por sua vez, diz ao nosso cérebro o que sentimos. Por causa da autonomia do sistema entérico, ele é também chamado de nosso “segundo cérebro”.
O fato de as emoções estarem enraizadas no corpo explica por que a ciência ocidental levou tanto tempo para valorizá-las. No Ocidente, amamos a mente, dando pouca atenção ao corpo. A mente é nobre, enquanto o corpo nos arrasta para baixo. Dizemos que a mente é forte enquanto a carne é fraca, e associamos emoções a decisões ilógicas e absurdas. “Não se deixe levar pelas emoções!”, alertamos. Até recentemente, as emoções eram em grande parte ignoradas, vistas como quase abaixo da dignidade humana.
Em geral, as emoções sabem melhor do que nós o que é bom para nós, mesmo que nem todos estejamos preparados para ouvir. Quando estava tentando decidir se pediria a prima Emma Wedgwood em casamento, Charles Darwin elaborou uma longa lista de argumentos a favor (“Objeto para amar e brincar — melhor que um cão, de todo modo”) e contra (“Não ser forçado a visitar parentes e se dobrar por qualquer ninharia”). Dessa maneira, ele esperava chegar a uma decisão perfeitamente racional, mas duvido muito que sua lista o tenha influenciado para um lado ou para o outro. Ele até esqueceu os dois itens em favor do casamento que muitos de nós colocaríamos no topo da lista: amor e atração física. Ao concluir com um firme CQD (quod erat demonstrandum, “como se queria demonstrar”) que favorecia a proposta a Emma, Darwin agiu como se tivesse produzido algum tipo de prova matemática, mas obviamente sua matemática era ilusória. Sempre nos inclinamos para um lado ou para outro quando temos de tomar uma decisão importante, e raramente é a cabeça que comanda a inclinação. No fraseado elegante de Blaise Pascal, filósofo francês do século XVII, “o coração tem razões que a razão desconhece”.
As emoções nos ajudam a abrir caminho num mundo complexo que não compreendemos totalmente. Elas são o jeito de nosso corpo garantir que façamos o melhor para nós. Além disso, somente o corpo pode realizar as ações necessárias. As mentes sozinhas são inúteis: elas precisam de corpos para se envolver com o mundo. As emoções estão na interface de três coisas: mente, corpo e meio ambiente. Elas também são chamadas de afetos, mas, como esse termo tem definições conflitantes, fico com emoções, definidas da seguinte forma:

Uma emoção é um estado temporário produzido por estímulos externos relevantes para o organismo. Ela é marcada por mudanças específicas no corpo e na mente — cérebro, hormônios, músculos, vísceras, coração, estado de alerta etc. Pode-se inferir qual emoção está sendo desencadeada pelo estado em que o organismo se encontra, bem como por suas mudanças e expressões comportamentais. Em vez de uma relação exclusiva entre uma emoção e o comportamento subsequente, as emoções combinam a experiência individual com a avaliação do ambiente a fim de preparar o organismo para a resposta ideal.

Vamos considerar a emoção do medo. Assim que vê uma cobra, um macaco fica terrivelmente amedrontado. Da mesma forma, você será tomado pelo medo se descer da calçada para a rua e um ônibus passar a centímetros de seu rosto. O medo faz o corpo congelar e tremer enquanto a frequência cardíaca aumenta, a respiração fica mais rápida, os músculos ficam tensos, os pelos ou as penas se arrepiam, e tem-se uma descarga de adrenalina. Tudo isso envia oxigênio ao cérebro e aos músculos para que se possa lidar melhor com o perigo percebido. O macaco precisa decidir se a cobra é perigosa ou inofensiva, e se o melhor que tem a fazer é escalar uma árvore, recuar, fugir ou lutar. Após ver o ônibus, você vai verificar o tráfego e decidir se é seguro atravessar ou se é melhor procurar a faixa de pedestre. As emoções têm sobre os instintos a grande vantagem de não ditarem comportamentos específicos. Os instintos são rígidos e semelhantes a reflexos, o que não é como a maioria dos animais funciona. Em contraste, as emoções concentram a mente e preparam o corpo, enquanto deixam espaço para experimentar e julgar. Elas constituem um sistema de resposta flexível, muito superior aos instintos. Com base em milhões de anos de evolução, as emoções “sabem” coisas sobre o ambiente que nós, como indivíduos, nem sempre sabemos conscientemente. É por isso que se diz que as emoções refletem a sabedoria das eras.
Voltando a Lisa Parr, ela decidiu medir a temperatura dos chimpanzés enquanto os testava. Ensinou-lhes pacientemente a esticar um dedo enquanto punha uma tira em torno dele e media a temperatura da pele. Em nossa espécie, durante a excitação negativa — como quando vemos coisas que nos incomodam ou nos amedrontam —, a temperatura da nossa pele diminui. Uma reação do tipo “lutar ou fugir” nos deixa com os pés frios, pois o sangue é retirado das extremidades. Em um episódio do programa de televisão Caçadores de mitos, sensores de calor foram colocados nos pés de pessoas que se deparavam com tarântulas rastejando na direção delas, ou que faziam um passeio assustador num avião de acrobacia. As quedas de temperatura foram espantosas. Nossos pés congelam quando estamos com medo, reação que compartilhamos com ratos assustados, que ficam com o rabo e as patas frias.
Lisa se perguntou se os símios mostrariam a mesma queda de temperatura. Primeiro, ela passou um pequeno vídeo na tela. Mostrava uma cena feliz, como tratadores de animais se aproximando com baldes cheios de frutas, ou então uma cena desagradável, como um veterinário vindo com uma arma de dardos — o mais perto que ela podia chegar de um predador. Depois de assistir a um ou outro vídeo, os símios deviam escolher entre duas faces na tela: uma com a expressão risonha feliz de sua espécie, a outra com um sorriso nervoso. O objetivo era ver qual face associariam espontaneamente à cena. Eles nunca haviam sido treinados com essas imagens. No primeiro teste, escolheram o rosto risonho para acompanhar a cena feliz e o sorriso angustiado para acompanhar a cena desagradável. Enquanto viam a última cena, a temperatura da pele caiu como nos seres humanos e ratos que enfrentam uma situação desagradável.
Acho difícil explicar esse resultado sem inferir experiências subjetivas. Não se trata mais apenas de emoções, que podem ser deflagradas automaticamente, mas também de sentimentos. Os sentimentos surgem quando as emoções penetram em nossa consciência e nos tornamos conscientes deles. Sabemos que estamos zangados ou apaixonados porque sentimos isso. Podemos dizer que sentimos isso em nossa “barriga”, mas na verdade detectamos mudanças em todo o corpo. Como os símios da experiência de Lisa poderiam selecionar a expressão facial correta, a menos que sentissem alguma coisa? É muito provável que eles tenham se sentido bem ou mal ao ver os vídeos, o que os ajudou a decidir que cara combinaria com o que viram. As medições de temperatura de Lisa confirmaram que eles resolviam a tarefa emocionalmente, e não intelectualmente. O experimento dela nos deixou com a intrigante possibilidade de que os símios sejam tão conscientes de seus sentimentos quanto nós.
Na maioria das vezes, no entanto, os sentimentos dos animais são desconhecidos para nós, e tudo o que podemos fazer é testar suas reações. Experimentos nos ensinaram que macacos e grandes primatas são especialistas em suas próprias expressões faciais. Eles são incrivelmente rápidos e precisos em detectar semelhanças e diferenças, do mesmo modo como podemos instantaneamente diferenciar um sorriso de uma carranca. Quando mostramos aos macacos-prego uma tela com fotos de diferentes objetos — flores, animais, carros, frutas, faces humanas, faces de macacos —, descobrimos que o que eles reconheciam com mais rapidez eram as expressões emocionais de sua própria espécie. Essas imagens eram uma categoria à parte, porque as expressões não são apenas significativas, mas também envolventes. De início, os macacos até reagiam a elas, recusando-se, por exemplo, a tocar a imagem de uma face ameaçadora, ou estalando os lábios diante de um movimento amistoso de sobrancelha. As expressões provocam emoções, ou empatia. Na verdade, é difícil ter empatia sem conexão facial.
O psicólogo sueco Ulf Dimberg identificou a conexão empática em nossa própria espécie na década de 1990, quando colou eletrodos em rostos humanos que lhe permitiram registrar até as menores contrações musculares. Ele descobriu que as pessoas imitam automaticamente as expressões exibidas em um monitor. O mais notável é que elas nem precisam saber o que estão vendo. As imagens de rostos podem ser exibidas subliminarmente (apenas por uma fração de segundo) entre fotos de paisagens, e ainda assim as pessoas as imitarão. Elas acham que estão olhando somente para belas paisagens, sem saber dos rostos na tela, mas depois se sentem bem ou mal, conforme tenham sido expostas a sorrisos ou carrancas. Ver sorrisos nos torna felizes, ao passo que ver carrancas nos deixa zangados ou tristes. Inconscientemente, nossos músculos faciais copiam esses rostos, que então repercutem no modo como nos sentimos.
Na vida real, então, não podemos deixar de ser afetados emocionalmente pelos outros. Nossa conexão empática com os outros é como um aperto de mão por debaixo da mesa entre corpos, percebido como uma “vibração”, que pode ser positiva e inspiradora, ou tóxica, minando nossa energia. Demora-se para perceber isso, porque esses processos podem ocorrer fora de nossas mentes conscientes. Embora fornecesse insights maravilhosos sobre o mundo dos seres humanos, a pesquisa de Dimberg infelizmente encontrou enorme resistência e foi ridicularizada. Por um tempo, sua obra inovadora continuou inédita porque dava prioridade ao corpo, enquanto no Ocidente preferimos que a mente esteja no comando. Gostamos de nos ver sobretudo como seres racionais, como Darwin elaborando sua lista tola de prós e contras do casamento. Podemos camuflar nossas decisões emocionais com racionalizações, dizendo que precisamos daquele carro esportivo para vencer o tráfego, ou daquele chocolate por causa dos antioxidantes. Pela mesma razão, a ciência elevou a empatia a um processo cognitivo. Deixá-la como uma questão de emoções e processos corporais simplesmente não era aceitável, por isso se dizia que empatia significava colocar-se deliberadamente no lugar do outro. Afirmava-se que entendemos os outros com base num “salto de imaginação para dentro do espaço mental da outra pessoa”, ou simulando conscientemente a situação dela. O corpo não fazia parte dessas teorias.
Nos últimos anos, no entanto, a ciência foi forçada a mudar. O corpo está agora na frente e no centro de qualquer consideração sobre a empatia. Novos estudos de imagem cerebral apoiam o processo físico involuntário proposto por Dimberg. E pesquisas descobriram que a empatia é prejudicada quando o mimetismo facial é bloqueado, como quando os seres humanos seguram um lápis entre os dentes, para que os músculos da bochecha não se movam. Nossos rostos têm muito mais mobilidade do que pensamos, o que nos ajuda a nos conectar com os outros, imitando seus movimentos. Isso se tornou um problema para as pessoas em cujo rosto se injetou Botox. O relaxamento muscular as impossibilita de espelhar o rosto dos outros, o que as impede de sentir o que os outros sentem. Pessoas com Botox podem parecer maravilhosas, mas elas têm dificuldade com a empatia. E o problema não está apenas em como elas se relacionam com os outros, mas em como os outros se relacionam com elas. Rostos com Botox parecem congelados e perdem o fluxo de microexpressões utilizadas nas interações diárias. A falta de resposta facial faz com que os outros se sintam isolados, rejeitados até.
O ceticismo inicial da ciência sobre esses processos corporais agora nos parece estranho. Quem não chorou quando os outros choraram, riu quando os outros riram ou pulou de alegria quando os outros pularam? Sentimos o que os outros sentem ao tornar nossas as posturas, os movimentos e as expressões deles. A empatia salta de corpo para corpo.

Frans Waal, in O último abraço da matriarca

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