quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Entrevista-relâmpago com Pablo Neruda

Cheguei à porta do edifício de apartamentos, onde mora Rubem Braga e onde Pablo Neruda e sua esposa Matilde se hospedavam – cheguei à porta exatamente quando o carro parava e retiravam a grande bagagem dos visitantes. O que fez Rubem dizer: “É grande a bagagem literária do poeta.” Ao que o poeta retrucou: “Minha bagagem literária deve pesar uns dois ou três quilos.”
Neruda é extremamente simpático, sobretudo quando usa o seu boné (“tenho poucos cabelos, mas muitos bonés”, disse). Não brinca porém em serviço: disse-me que se me desse a entrevista naquela noite mesma só responderia a três perguntas, mas se no dia seguinte de manhã eu quisesse falar com ele, responderia a maior número. E pediu para ver as perguntas que eu iria fazer. Inteiramente sem confiança em mim mesma, dei-lhe a página onde anotara as perguntas, esperando só Deus sabe o quê. Mas o quê foi um conforto. Disse-me que eram muito boas e que me esperaria no dia seguinte. Saí com alívio no coração porque estava adiada a minha timidez em fazer perguntas. Mas sou uma tímida ousada e é assim que tenho vivido, o que, se me traz dissabores, tem-me trazido também alguma recompensa. Quem sofre de timidez ousada entenderá o que quero dizer.
Antes de reproduzir o diálogo, um breve esboço sobre sua carga literária. Publicou Crepusculário quando tinha 19 anos. Um ano depois publicava Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, que até hoje é gravado, reeditado, lido e amado. Em seguida escreveu Residência na Terra, que reúne poemas de 1925 a 1931, em fase surrealista. A terceira residência, com poemas até 1945, é um intermediário com uma parte da Espanha no coração, onde é chorada a morte de Lorca, e a guerra civil em geral que o tocou profundamente e despertou-o para os problemas políticos e sociais. Em 1950, Canto geral, tentativa de reunir todos os problemas políticos, éticos e sociais da América Latina. Em 1954: Odes elementares, em que o estilo fica mais sóbrio, buscando simplicidade maior, e onde se encontra, por exemplo, “Ode à cebola”. Em 1956, novas odes elementares que ele descobre nos temas elementares que não tinham sido tocados. Em 1957, Terceiro livro das odes, continuando na mesma linha. A partir de 1958, publica Estravagario, navegações e regressos, Cem sonetos de amor, Cantos cerimoniais e Memorial de Isla Negra.
No dia seguinte de manhã, fui vê-lo. Já havia respondido às minhas perguntas, infelizmente; pois, a partir de uma resposta, é sempre ou quase sempre provocada outra pergunta, às vezes aquela a que se queria chegar. As respostas eram sucintas. Tão frustrador receber resposta curta a uma pergunta longa.
Contei-lhe sobre minha timidez em pedir entrevistas, ao que ele respondeu: “Que tolice!”
Perguntei-lhe de qual de seus livros ele mais gostava e por quê. Respondeu-me:
Tu sabes bem que tudo o que fazemos nos agrada porque somos nós – tu e eu – que o fizemos.
Você se considera mais um poeta chileno ou da América Latina?
Poeta local do Chile, provinciano da América Latina.
O que é angústia? – indaguei-lhe.
Sou feliz – foi a resposta.

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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