Agosto. Aquele frio tropical do Sudeste
brasileiro, que nunca pedirá chapéu, mas que sempre pedirá abraço
e sopa. Talvez mais abraço do que sopa.
Ele chegou no apartamento recém-entregue.
Um daqueles com decoração impecável em preto, bege e mogno, que
demonstram bom gosto, sobra de dinheiro e falta de história.
Tinha trinta anos recém-feitos e ganhava
muito melhor do que trinta anos de idade deveriam permitir. O
apartamento era dele, sem dívidas nem auxílios. Simplesmente dele.
Decidiu sair de casa quando o pai se casou de novo, pois, por mais
que gostasse da madrasta – que já fazia o grande favor de entreter
o pai –, achava que aquela casa não cabia mais nele ou vice-versa.
Perdeu a mãe aos vinte e seis, num
estúpido atropelamento, daqueles em que todo mundo é vítima, quem
matou e quem morreu. Era a maior paixão da sua vida. Não poderia
imaginar algo mais divino do que aquela mulher de menos de um metro e
sessenta, parruda, de cabelos escuros sempre presos.
Precisou voar sozinho, levando-a todo dia
na memória e na foto 3x4 na carteira, em tempos de rolo de câmera
do iPhone. Nunca aprenderia a estar sem ela.
Sentou-se no sofá de couro preto,
desamarrou os sapatos de grife, respondeu mensagens de três mulheres
bonitas. Foi até a cozinha e encontrou o bilhete da Danda: “Dudu,
precisa comprar papel-alumínio e caldo de carne. Como tá frio, fiz
canja. Achei a receita da sua mãe num livro na casa do seu pai. Tá
no fogão. Danda”.
Percebeu que nunca mais tinha comido
canja. Nem a da mãe, nem nenhuma outra. Foi até o fogão, tirou a
tampa da panela que, suada, pingou no chão de mármore claro.
Sentiu o cheiro da canja e provou na
própria concha, sem pensar, sem esquentar, sem modos, sem pausa.
Sentiu naquele caldo o sabor da ausência,
o cheiro do abraço e o alto preço do amor desmedido.
Chorou até pegar no sono.
Ruth Manus, in Pega lá uma chave de fenda: e outras divagações sobre o amor
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