Como qualquer um pode lhe dizer, não sou
um homem muito bom. Não sei que palavra usar para me definir. Sempre
admirei o vilão, o fora da lei, o filho da puta. Não gosto dos
garotos bem-barbeados com gravatas e bons empregos. Gostos dos homens
desesperados, homens com dentes rotos e mentes arruinadas e caminhos
perdidos. São os que me interessam. Sempre cheios de surpresas e
explosões. Também gosto de mulheres vis, cadelas bêbadas que não
param de reclamar, que usam meias-calças grandes demais e maquiagens
borradas. Estou mais interessado em pervertidos do que em santos.
Posso relaxar com os imprestáveis, porque sou um imprestável. Não
gosto de leis, morais, religiões, regras. Não gosto de ser moldado
pela sociedade.
Certa noite, eu estava bebendo com Marty,
o ex-presidiário, no meu quarto. Eu não tinha emprego e não queria
ter um emprego. Queria tão-somente ficar sentado sem os meus sapatos
e beber vinho e falar e rir, se possível. Marty era um pouco
estúpido, mas tinha mãos de trabalhador, um nariz quebrado, olhos
de toupeira, nada que lhe pesasse muito, ele tinha enfrentado de
tudo.
– Gosto de você, Hank – disse Marty
–, você é um homem de verdade, um dos poucos homens de verdade
que já conheci.
– É – eu disse.
– Você tem colhões.
– É.
– Uma vez trabalhei minerando pedra...
– É?
– Entrei em uma briga com um sujeito.
Usamos machadinhas. Ele quebrou o meu braço esquerdo com seu
primeiro golpe. Fui em frente para encará-lo. Afundei a porra da
cabeça dele. Quando se recuperou daquela pancada, estava fora de si.
Eu tinha esmagado seu cérebro. Mandaram ele pro hospício.
– Isso é legal – eu disse.
– Escute – disse Marty –, quero
brigar com você.
– Dê o primeiro soco. Vá em frente,
me acerte.
Marty estava sentado em uma cadeira verde
com encosto reto. Eu estava caminhando para a pia para me servir
outro copo de vinho da garrafa. Virei e acertei um soco de direita
bem na cara dele. Ele virou uma cambalhota para trás na cadeira, se
levantou e veio em minha direção. Eu não estava esperando por um
golpe de esquerda. Acertou-me no alto da testa e me derrubou.
Espichei a mão para o saco cheio de vômito e garrafas vazias, tirei
uma, me ergui sobre os joelhos e arremessei-a. Marty se esquivou e
parti para cima dele com a cadeira que estava atrás de mim. Tinha-a
sobre minha cabeça, quando a porta se abriu. Era nossa senhoria, uma
loira jovem e bonita, na casa dos vinte. O que ela fazia gerenciando
um lugar como aquele, nunca consegui descobrir. Coloquei a cadeira no
chão.
– Vá pro seu quarto, Marty.
Marty parecia envergonhado, como um
menininho. Ele caminhou pelo corredor para o seu quarto, entrou e
fechou a porta.
– Sr. Chinaski – ela disse –, quero
que você saiba...
– Quero que você saiba – eu disse –
que isso não adianta nada.
– O que não adianta?
– Você não faz o meu tipo. Não quero
trepar com você.
– Escute – ela disse –, quero lhe
dizer algo. Vi você mijando no pátio na noite passada e, se fizer
isso outra vez, vou expulsá-lo daqui. Alguém mijou no elevador
também. Foi você?
– Não mijo em elevadores.
– Bem, esse negócio do pátio, na
noite passada, foi você. Eu estava olhando.
– Porra, claro que não!
– Você estava muito bêbado para
lembrar. Não faça mais isso.
Ela fechou a porta e se foi.
Eu estava sentado lá, tranquilamente,
bebendo vinho alguns minutos mais tarde e tentando me lembrar se eu
tinha mijado no vizinho, quando bateram à porta.
– Entre – eu disse.
Era Marty.
– Tenho que lhe dizer uma coisa.
– Claro. Sente.
Servi um copo para Marty, e ele sentou.
– Estou apaixonado – ele disse.
Não respondi. Fechei um cigarro.
– Você acredita no amor? – ele
perguntou.
– Tenho que acreditar. Aconteceu comigo
uma vez.
– Onde ela está?
– Ela se foi. Morreu.
– Morreu? Como?
– Álcool.
– Essa também bebe. Isso me preocupa.
Ela sempre bebe. Ela não consegue parar.
– Nenhum de nós consegue.
– Vou às reuniões dos Alcoólicos
Anônimos com ela. Quando ela vai, está bêbada. Metade dos sujeitos
que vão às reuniões dos Alcoólicos Anônimos está bêbada. Dá
para sentir o cheiro saindo deles.
Não respondi.
– Deus, ela é jovem. E que corpo! Eu
amo ela, cara, realmente amo essa mulher!
– Ah, que caralho, Marty, isso é só
sexo.
– Não, eu amo ela, Hank, realmente
sinto que a amo.
– Bem, talvez seja possível.
– Cristo, eles a puseram num quarto no
porão. Ela não consegue pagar o aluguel.
– No porão?
– Sim, próximo da caldeira e da
sujeira.
– Difícil de acreditar.
– É, ela está lá embaixo. E eu amo
ela, cara, e não tenho nenhum dinheiro pra ajudá-la.
– Isso é triste. Já estive na mesma
situação. Dói.
– Se eu conseguisse me endireitar, se
conseguisse parar de beber por dez dias e recuperasse a minha
saúde... posso arranjar um emprego em algum lugar, posso ajudá-la.
– Bem – eu disse –, você está
bebendo agora. Se a ama, vai parar. Bem agora.
– Por Deus – ele disse. – Vou! Vou
derramar esse copo na pia!
– Não seja melodramático. Passe esse
copo pra cá.
Peguei o elevador e desci para o primeiro
andar com uma garrafa de uísque barato que eu tinha roubado da loja
de bebidas do Sam, uma semana antes. Então tomei a escada para o
porão. Havia uma pequena vela queimando lá embaixo. Caminhei pelo
lugar procurando por uma porta.
Finalmente encontrei uma. Devia ser uma
ou duas da madrugada. Bati na porta. Uma fresta se abriu, e lá
estava uma mulher realmente bonita vestindo um roupão de dormir. Eu
não esperava por isso. Jovem e com cabelos loiros avermelhados.
Enfiei meu pé na porta, então forcei a minha entrada, fechei a
porta e olhei ao redor. Não era um lugar de todo mau.
– Quem é você? – ela perguntou. –
Saia daqui.
– Você arranjou um bom lugar aqui. É
melhor do que o meu apartamento.
– Saia daqui! Saia! Saia!
Puxei a garrafa de uísque do saco de
papel. Ela a olhou.
– Como você se chama? – perguntei.
– Jeanie.
– Olhe, Jeanie, onde você guarda os
copos?
Ela apontou para uma prateleira na
parede, caminhei até lá e peguei dois copos altos de água. Havia
uma pia. Botei um pouco de água em cada um, caminhei de volta,
coloquei-os sobre a mesa, abri o uísque e o misturei nos copos.
Sentamos na ponta da cama dela e bebemos. Ela era jovem, atraente. Eu
não podia acreditar. Esperei por uma crise neurótica, por um surto
psicótico. Jeanie parecia normal, até mesmo saudável. Mas ela
realmente gostava de uísque. Acompanhou-me bem. Eu tinha descido até
ali em um ímpeto de ansiedade, mas agora não sentia mais essa
ansiedade. Quero dizer, se ela fosse muito feia ou tivesse algo de
indecente ou uma deficiência (lábio leporino, qualquer coisa),
teria sentido mais vontade de fazer algo. Lembrei-me de uma história
que eu tinha lido uma vez em Programa de corridas sobre um
garanhão que ninguém conseguia fazer com que acasalasse com éguas.
Trouxeram as éguas mais bonitas que puderam encontrar, mas o
garanhão as refugava. Então alguém, que sabia das coisas, teve uma
ideia. Cobriu de lama uma das belas éguas, e o garanhão
imediatamente a montou. A teoria era de que o garanhão se sentia
inferior a toda aquela beleza, mas que, diante da fêmea enlameada,
pôde ao menos se sentir em pé de igualdade, quando não superior a
ela, e assim funcionar. A mente dos cavalos e dos homens pode ser
muito parecida.
De qualquer forma, Jeanie serviu o
próximo copo e perguntou meu nome e onde eu dormia. Disse-lhe que eu
estava em alguma parte dos andares de cima e que só queria beber com
alguém.
– Vi você no Clamber numa noite
dessas, uma semana atrás – ela disse –, você estava muito
engraçado, todos estavam rindo, você pagou bebidas para todo mundo.
– Não me lembro.
– Eu lembro. Você gosta do meu roupão?
– Claro.
– Por que você não tira as calças e
fica mais confortável?
Tirei-as e me sentei outra vez na cama
com ela. A coisa andava muito lentamente. Lembro de dizer-lhe que ela
tinha peitos bonitos e logo eu estava mamando em um deles. A próxima
coisa de que me lembro era que estávamos trepando. Eu estava por
cima. Mas algo não estava dando certo, então rolei para o lado.
– Sinto muito – eu disse.
– Está tudo bem – ela disse –,
ainda gosto de você.
Ficamos lá sentados, falando vagamente,
liquidando com a garrafa de uísque.
Então ela se levantou e apagou as luzes.
Sentia-me muito triste, então deitei na cama e me encostei em suas
costas. Jeanie estava quente, plena, e eu podia sentir sua respiração
e seus cabelos contra o meu rosto. Meu pênis começou a se erguer e
eu a cutuquei com ele. Senti que ela espichou a mão e o guiou para
dentro.
– Agora – ela disse –, agora,
isso...
Foi bom assim, durou muito e foi bom, e
então gozamos e depois dormimos.
Quando acordei, ela ainda estava dormindo
e eu me levantei e me vesti. Já estava completamente vestido quando
ela se virou e me olhou:
– A saideira.
– Tudo bem.
Tirei a roupa outra vez e fui para a cama
com ela. Ela virou-se de costas para mim e nós transamos de novo, do
mesmo jeito. Depois que eu gozei, ela continuou de costas para mim.
– Você virá me ver outra vez? – ela
perguntou.
– Claro.
– Você mora lá em cima?
– Sim. Trezentos e nove. Posso vir aqui
ou você pode subir.
– Prefiro que você venha me ver –
ela disse.
– Tudo bem – eu disse.
Eu me vesti, abri e fechei a porta, subi
as escadas, entrei no elevador e apertei o botão com o número três.
Mais ou menos uma semana depois, à
noite, eu bebia vinho com Marty. Falávamos de várias coisas sem
importância e então ele disse:
– Cristo, me sinto péssimo.
– Outra vez?
– É. Minha garota, Jeanie. Falei a ela
sobre você.
– Sim. Aquela que vive no porão. Você
está apaixonado por ela.
– É. Expulsaram ela de lá. Não
conseguia pagar o aluguel reduzido.
– Para onde ela foi?
– Não sei. Ela se foi. Ouvi dizer que
a expulsaram. Ninguém sabe o que ela fez, aonde ela foi. Fui na
reunião dos Alcoólicos Anônimos. Ela não estava lá. Estou mal,
Hank, muito mal. Eu a amava. Estou perdendo a cabeça.
Não respondi.
– O que posso fazer, cara? Estou
realmente estraçalhado...
– Vamos beber à saúde dela, Marty, à
saúde dela.
Bebemos um bom e longo gole em homenagem
a ela.
– Ela era ótima, Hank, você tem de
acreditar em mim, ela era ótima.
– Acredito em você, Marty.
Uma semana depois, Marty foi expulso por
não pagar seu aluguel, e eu arranjei um emprego em uma empresa que
empacotava carne, e havia alguns bares mexicanos do outro lado da
rua. Eu gostava daqueles bares mexicanos. Depois do trabalho, eu
fedia a sangue, mas ninguém parecia se importar. Era só quando
entrava no ônibus para voltar ao meu quarto que aqueles narizes
começavam a se erguer e eu recebia olhares de reprovação e
começava a me sentir novamente um homem mau. Isso ajudava.
Charles Bukowski, in Ao Sul de Lugar Nenhum
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