Sete anos.
E um “foi mal, eu preciso ficar
sozinha”.
Shit happens.
Chorou, chorou.
Passou umas poucas horas sem comer,
gastou uns quatro rolos de papel higiênico, passou uns dias na
horizontal.
Na terça-feira, foi trabalhar, porque
sabia que dor de corno não assina ponto. E porque tinha uma consulta
médica às 17h20, daquelas que se marcam com dois meses de
antecedência (e amor nenhum vale mais do que consulta com médicos
de agenda lotada – aprendam, crianças).
Achou que ia chegar decente, porque lavou
o rosto antes de sair do trabalho. Mas não contava com o Ne-Yo
cantando que estava “so done with wishing she was still here” no
rádio.
Chegou todo inchado, todo cheio de mágoas
na borda dos olhos.
Deu a carteirinha do plano de saúde,
sentou no sofá entre duas senhoras que não pareciam queridas, abriu
uma revista Caras que tinha na capa o décimo quinto casamento
de um empresário rico grisalho com a décima quinta moça loira de
vinte e cinco anos.
Antes que acabasse de admirar tantos
vestidos justos nos glúteos superproduzidos de tantas
subcelebridades, ouviu seu nome pronunciado por uma voz boa de
mulher.
Subiu os degraus e viu à porta aquela
imagem. Uma mulher que o fez perder o rumo por alguns segundos.
Aquela pele morena e aqueles olhos azuis não cabiam naquele jaleco
branco. Que loucura. Cadê a vigilância sanitária? Cadê a Agência
Reguladora das Médicas Exuberantes? Isso é Brasil.
Entrou, se explicou, mostrou exames,
prestou suas queixas, blá-blá-blá.
A médica sorriu, disse pra ele sentar na
cadeira dos exames. Ele encolheu a barriga, sentou esticadinho.
Não sei pra quê.
Ela começou a ver a goela, a enfiar
ferrinho no nariz, a tirar cera do ouvido. Um festival de horrores.
Ele ficou um pouco frustrado. Esperava um
clima, uma chance de dizer “mas a cor dos seus olhos é mesmo
incrível”. Mas foi ela que disse que a cor das amígdalas dele era
satisfatória.
Voltaram para a mesa, ela pediu mais uns
247 exames, receitou uns remedinhos milagrosos por enquanto. Ligou
para a secretária, falou pra marcar retorno.
Ele pensou em ficar decepcionado.
Ela se levantou, ele também.
Apertou sua mão, agradeceu e disse “até
a próxima”.
Enquanto assinava a papelada do convênio,
sentia algo de bom que não entendia direito.
Entregou o papel para o manobrista, pagou
uma pequena fortuna e ficou esperando.
De repente, entendeu. Entendeu o que
aquela consulta, aquela mulher e aquele vazio significavam.
Não era sobre aquela mulher. Nem sobre a
outra. Não era sobre cera no ouvido ou sobre desculpas esfarrapadas.
Nem sobre chances de elogiar o óbvio nem sobre hipóteses de
arrependimentos.
Era sobre ter, depois de tantos anos,
visto uma mulher. Visto uma mulher com os olhos que se redescobriram
livres, ainda que de forma involuntária.
Era sobre sentir que estava vivo. Era
sobre sentir que, pouco a pouco, a vida ia seguir.
Ruth Manus, in Pega lá uma chave de fenda: e outras divagações sobre o amor
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