segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

O diabo estava cheio de tesão

Bem, eu tinha acabado de discutir com Flo e não estava com vontade de me embebedar nem de ir a uma casa de massagem. Então entrei no carro e segui para oeste, em direção à praia. Estava anoitecendo e dirigi lentamente. Cheguei ao píer, estacionei e caminhei por ali. Parei no fliperama, joguei um pouco, mas o lugar fedia a mijo e acabei saindo. Eu estava velho demais para andar no carrossel, então passei também essa atração. Os tipos de sempre vagavam pelo píer... uma multidão sonolenta e indiferente.
Foi quando notei um som de rugido vindo de um prédio nas proximidades. Uma fita ou uma gravação, sem dúvida. Na frente do local, havia um homem anunciando:
Sim, senhoras e senhores, venham, aqui dentro... nós realmente capturamos o demônio! Ele está em exibição para que vocês possam ver com seus próprios olhos! Pensem, por apenas 25 centavos, uma moeda, vocês podem realmente ver o diabo... o maior perdedor de todos os tempos! O fracassado da única revolução que já tentaram fazer no paraíso!
Bem, eu estava pronto para um pouco dessa comédia, ao menos para compensar o que Flo me fazia passar. Paguei os 25 centavos e entrei com seis ou sete outros idiotas de toda espécie. Mantinham o pobre-diabo em uma jaula. Haviam-no pintado de vermelho e ele tinha algo na boca que fazia com que, ao bufar, pequenas colunas de fumaça e labaredas de fogo se erguessem. Não estava fazendo um show lá muito bom. Estava apenas caminhando em círculos, repetindo sempre a mesma coisa:
Porra do caralho! Tenho que sair daqui! Como infernos acabei entrando nessa?
Bem, preciso dizer que ele realmente parecia perigoso. Subitamente, fez seis piruetas para trás. Na última, caiu em pé, olhou ao redor e disse:
Ah, merda, me sinto péssimo!
Então ele me viu. Caminhou direto para o lugar que eu ocupava perto da tela de arames. Ele era quente como um aquecedor. Não sei como fizeram isso.
Meu filho – ele disse –, finalmente você veio! Estive esperando por você. Trinta e dois dias que já estou nesta jaula de merda!
Não sei do que você está falando.
Meu filho – ele disse –, não faça piada comigo. Volte hoje à noite com um alicate para cortar estes arames e me liberte!
Não vem com essa merda pra cima de mim, cara – eu disse.
Estou aqui há 32 dias, meu filho! Finalmente vou recuperar minha liberdade!
Então você alega ser realmente o diabo?
Que eu coma o cu de um gato se não for verdade o que lhe digo – ele respondeu.
Bom, se você é mesmo o diabo, então pode usar seus poderes sobrenaturais pra sair daí.
Meus poderes desapareceram temporariamente. Esse sujeito que fica anunciando lá na frente estava preso junto comigo. Eles nos pegaram por embriaguez pública, junto com um bando de outros bêbados. Eu lhe disse que era o demônio e ele pagou a minha fiança. Estava sem meus poderes na prisão, ou então não teria precisado dele. Ele me embebedou outra vez e, quando acordei, estava nessa gaiola. O filho da puta me alimenta com comida pra cachorro e sanduíches com manteiga de amendoim. Meu filho, me ajude, eu lhe imploro!
Você é louco – eu disse. – Não passa de algum tipo de louco.
Basta que você volte esta noite, meu filho, com o alicate especial.
O anunciante entrou e disse que a sessão com o demônio tinha terminado e que, se quiséssemos vê-lo por mais tempo, teríamos de pagar outros 25 centavos. Eu tinha visto o suficiente. Saí juntamente com os demais idiotas de toda espécie.
Ei, ele falou com você? – perguntou um sujeitinho que caminhava ao meu lado. – Venho todas as noites e é a primeira vez que vejo ele falar com alguém.
Foda-se – eu disse.
O anunciante me parou.
O que ele lhe disse? Vi que falava com você. O que ele disse?
Ele me contou tudo – eu disse.
Bem, fique fora disso, meu chapa, ele é meu! Não ganho tanto dinheiro desde que a mulher barbada de três pernas estava aqui.
O que aconteceu com ela?
Fugiu com o homem-polvo. Estão administrando uma fazenda no Kansas.
Acho que vocês todos são loucos.
É um aviso. Eu encontrei esse sujeito. Não se meta!
Segui até o meu carro, entrei e voltei para Flo. Quando cheguei, ela estava sentada na cozinha, bebendo uísque. Continuou como estava e me disse uma centena de vezes que eu era um inútil. Bebi um pouco com ela sem dizer muito em minha defesa. Então levantei, fui até a garagem, peguei o alicate de cortar arame, coloquei-o em meu bolso, entrei no carro e dirigi de volta ao píer.

Arrombei a porta dos fundos, o ferrolho estava enferrujado e cedeu na minha primeira tentativa. Ele estava dormindo no chão da gaiola. Tentei cortar o arame da tela, mas não consegui. O fio era muito grosso. Então ele acordou.
Meu filho – ele disse –, você voltou! Eu sabia que voltaria!
Olha, cara, não consigo cortar o arame com isso. O fio é muito grosso.
Ele se levantou.
Deixe-me tentar.
Deus – eu disse –, suas mãos estão quentes! Você deve estar com algum tipo de febre.
Não me chame de deus – ele disse.
Ele cortou o fio com o alicate como se fosse uma linha de costura e saiu.
E agora, meu filho, para a sua casa. Tenho que recuperar minha energia. Alguns bifes de filé bem grossos e vou estar bem. Comi tanta comida de cachorro que receio que possa começar a latir a qualquer momento.
Caminhamos de volta para o meu carro e levei-o para a minha casa. Quando entramos, Flo ainda estava sentada na cozinha bebendo uísque. Fritei um ovo com bacon e fiz um sanduíche como aperitivo e nos sentamos com Flo.
Seu amigo é um demônio bem bonito – ela me disse.
Ele alega que é o demônio – eu disse.
Faz muito tempo – ele disse – desde que provei uma boa mulher.
Ele se inclinou para frente e beijou Flo longamente. Quando a soltou, ela parecia estar em um estado de choque.
Esse foi o beijo mais quente que já vi – ela disse. – E já vi muitos.
Mesmo? – ele perguntou.
Se você faz amor da mesma forma que beija, seria simplesmente demais, simplesmente demais!
Onde é o quarto? – me perguntou.
Siga a moça – eu disse.
Seguiu Flo para o quarto, e eu me servi um copo cheio de uísque.
Nunca tinha ouvido gritos e gemidos como aqueles, e a coisa continuou por uns bons 45 minutos. Então ele saiu sozinho e sentou e se serviu de uma bebida.
Meu filho – ele disse –, você tem uma mulher e tanto ali.
Ele caminhou até o sofá na sala da frente, se espreguiçou e adormeceu. Entrei no quarto, tirei a roupa e pulei na cama com Flo.
Meu deus – ela disse –, meu Deus, não acredito nisso. Ele me fez cruzar os céus e o inferno.
Só espero que ele não ponha fogo no sofá – eu disse.
Quer dizer que ele fuma um cigarro e vai dormir?
Esqueça – eu disse.

Bem, ele começou a tomar conta de tudo. Eu tive de dormir no sofá. Tive de escutar os gritos e gemidos de Flo que vinham lá do quarto todas as noites. Um dia, enquanto Flo estava no mercado e nós estávamos bebendo uma cerveja onde normalmente tomávamos café da manhã, tive uma conversa com ele:
Escute – eu disse –, não me importo de ajudar alguém, mas agora perdi minha cama e minha esposa. Vou ter de pedir para que você vá embora.
Acho que ainda vou ficar mais um pouco, meu filho, sua mulher é uma das melhores bucetas que já provei.
Escute, cara – eu disse –, talvez eu precise tomar medidas extremas para retirar você daqui.
Garoto durão, hein? Bem, escute, garoto durão, tenho uma pequena novidade para você. Meus poderes sobrenaturais voltaram. Se tentar foder comigo, vai acabar se queimando. Fique atento!
Tínhamos um cachorro. Chamava-se Old Bones; não valia muito, latia à noite e era um razoável cão de guarda. Bem, ele apontou para o cachorro e o seu dedo fez um som parecido com o barulho de um espirro, então, depois de um chiado, uma fina linha de fogo acertou Old Bones em cheio. O cachorro fritou e sumiu. Simplesmente não estava mais lá. Nenhum osso, nenhum pelo, nem mesmo o fedor. Só espaço.
Ok, cara – eu lhe disse. – Você pode ficar mais alguns dias, mas depois disso você tem que partir.
Prepare um bife de filé pra mim – ele disse –, estou com fome e receio que a minha contagem de esperma esteja diminuindo.
Levantei e atirei um bife na panela.
Prepare umas batatas fritas para acompanhar – ele disse – e uns tomates fatiados. Não preciso de café. Tenho andado com insônia. Vou só tomar mais algumas cervejas
No instante em que lhe servi a comida, Flo estava de volta.
Olá, meu amor – ela disse –, como está?
Bem – ele disse –, não tem ketchup?
Saí, entrei no meu carro e dirigi até a praia.

Bem, o anunciante tinha outro diabo lá dentro. Paguei meus 25 centavos e entrei. Esse demônio realmente não era grande coisa. A tinta vermelha que borrifaram nele o estava matando, e ele estava bebendo para não enlouquecer. Era um sujeito grande, mas não tinha nenhuma qualidade. Eu era um dos poucos clientes ali dentro. Havia mais moscas do que gente.
O anunciante veio até mim.
Tenho passado fome desde que você roubou o demônio de verdade de mim. Imagino que você agora está comandando o seu próprio show?
Escute – eu disse –, faço qualquer coisa para devolvê-lo a você. Estava apenas tentando ser um bom sujeito.
Sabe o que acontece com os bons sujeitos neste mundo, não sabe?
Sim, acabam na esquina da sétima com a Broadway vendendo revistas das Testemunhas de Jeová.
Meu nome é Ernie Jamestown – ele disse –, me fale o que está acontecendo. Tenho uma sala nos fundos.
Caminhei até a sala com Ernie. Sua esposa estava sentada à mesa, bebendo uísque. Ela levantou os olhos.
Escute, Ernie, se esse cretino for nosso novo diabo, esqueça. Muito melhor encenarmos um suicídio triplo.
Calma – disse Ernie – e passe a garrafa.
Contei a Ernie tudo o que tinha acontecido. Ele escutou cuidadosamente e depois disse:
Posso resolver esse problema para você. Ele tem duas fraquezas... álcool e mulher. E tem mais uma coisa. Não sei por que isso acontece, mas quando ele está confinado, como estava na prisão, na cela dos bêbados, ou naquela jaula ali fora, ele perde seus poderes sobrenaturais. Tudo bem, vamos começar a partir daí.
Ernie foi até o armário e trouxe, de arrasto, muitas correntes e cadeados. Então foi até o telefone e ligou para Edna Hemlock. Edna Hemlock tinha de nos encontrar em vinte minutos na esquina do Bar do Woody. Ernie e eu entramos no meu carro, paramos para comprar duas garrafas na loja de bebidas, encontramos Edna e fomos até a minha casa.

Eles ainda estavam na cozinha. Estavam se agarrando feito loucos. Mas assim que viu Edna, o demônio esqueceu da minha mulher. Livrou-se dela como quem se desfaz de um par de calcinhas manchadas. Edna era uma mulher completa. Quando a fizeram, não esqueceram de nenhum detalhe.
Por que vocês não bebem para se conhecerem melhor? – disse Ernie.
Ernie serviu dois grandes copos de uísque diante de cada um deles.
O demônio olhou para Ernie.
Ei, seu filho da puta, você é o sujeito que me colocou naquela jaula, não é mesmo?
Esqueça – disse Ernie –, vamos deixar o passado no passado.
Claro que não!
Apontou o dedo e a linha de chamas foi até Ernie e logo ele já não estava mais lá.
Edna sorriu e ergueu seu copo de uísque. O diabo mostrou os dentes, ergueu seu copo e bebeu tudo.
Que coisa boa! – ele disse. – Quem comprou?
O homem que acabou de deixar o recinto há um momento – eu disse.
Ah.
Ele e Edna beberam outro copo e começaram a se olhar. Então minha velha esposa disse a ele:
Tira os olhos dessa vagabunda!
Que vagabunda?
Ela!
Apenas beba sua bebida e cale a boca!
Ele apontou o dedo para a minha esposa, ouviu-se um som de um estalido, e ela não estava mais lá. Então ele me olhou:
E o que você tem a dizer?
Eu? Sou o sujeito que trouxe o alicate de cortar arame, lembra? Estou aqui para levar mensagens, trazer toalhas e assim por diante...
Com certeza é ótimo ter meus poderes sobrenaturais novamente.
São bem úteis – eu disse –, ainda mais agora que temos um problema de superpopulação.
Ele estava olhando para Edna. Estavam se olhando tão intensamente que consegui roubar uma das garrafas de uísque. Peguei a garrafa e entrei no meu carro e dirigi de volta para a praia.

A esposa de Ernie ainda estava sentada na sala dos fundos. Ela estava feliz em ver uma nova garrafa e eu servi dois copos.
Quem é o garoto que está trancado na jaula? – perguntei.
Oh, é um quarterback de terceira categoria de uma das universidades locais. Está tentando ganhar um extra.
Você realmente tem belos peitos – eu disse.
Você acha? Ernie nunca elogia meus peitos.
Beba. Esse uísque é muito bom.
Puxei a cadeira e sentei-me ao lado dela. Ela tinha coxas belas e grossas. Quando a beijei, ela não resistiu.
Estou tão cansada dessa vida – ela disse. – Ernie sempre foi um pilantra barato. Você tem um bom emprego?
Sim. Sou o gerente do setor de despachos da Drombo-Western.
Me beija de novo – ela disse.

Rolei para o lado e me limpei com o lençol.
Se Ernie descobrir, ele nos mata – ela disse.
Ernie não vai descobrir. Não se preocupe com isso.
Você é muito bom de cama – ela disse, – mas por que eu?
Não estou entendendo.
Quero dizer, de verdade, o que o levou a fazer isso?
Ah – eu disse –, o diabo me obrigou.
Então acendi um cigarro, me deitei de barriga para cima, traguei e soprei um anel de fumaça perfeito. Ela se levantou e foi ao banheiro. Em um minuto ouvi a descarga da privada.

Charles Bukowski, in Ao Sul de Lugar Nenhum

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