Bem, eu tinha acabado de discutir com Flo
e não estava com vontade de me embebedar nem de ir a uma casa de
massagem. Então entrei no carro e segui para oeste, em direção à
praia. Estava anoitecendo e dirigi lentamente. Cheguei ao píer,
estacionei e caminhei por ali. Parei no fliperama, joguei um pouco,
mas o lugar fedia a mijo e acabei saindo. Eu estava velho demais para
andar no carrossel, então passei também essa atração. Os tipos de
sempre vagavam pelo píer... uma multidão sonolenta e indiferente.
Foi quando notei um som de rugido vindo
de um prédio nas proximidades. Uma fita ou uma gravação, sem
dúvida. Na frente do local, havia um homem anunciando:
– Sim, senhoras e senhores, venham,
aqui dentro... nós realmente capturamos o demônio! Ele está em
exibição para que vocês possam ver com seus próprios olhos!
Pensem, por apenas 25 centavos, uma moeda, vocês podem realmente ver
o diabo... o maior perdedor de todos os tempos! O fracassado da única
revolução que já tentaram fazer no paraíso!
Bem, eu estava pronto para um pouco dessa
comédia, ao menos para compensar o que Flo me fazia passar. Paguei
os 25 centavos e entrei com seis ou sete outros idiotas de toda
espécie. Mantinham o pobre-diabo em uma jaula. Haviam-no pintado de
vermelho e ele tinha algo na boca que fazia com que, ao bufar,
pequenas colunas de fumaça e labaredas de fogo se erguessem. Não
estava fazendo um show lá muito bom. Estava apenas caminhando em
círculos, repetindo sempre a mesma coisa:
– Porra do caralho! Tenho que sair
daqui! Como infernos acabei entrando nessa?
Bem, preciso dizer que ele realmente
parecia perigoso. Subitamente, fez seis piruetas para trás. Na
última, caiu em pé, olhou ao redor e disse:
– Ah, merda, me sinto péssimo!
Então ele me viu. Caminhou direto para o
lugar que eu ocupava perto da tela de arames. Ele era quente como um
aquecedor. Não sei como fizeram isso.
– Meu filho – ele disse –,
finalmente você veio! Estive esperando por você. Trinta e dois dias
que já estou nesta jaula de merda!
– Não sei do que você está falando.
– Meu filho – ele disse –, não
faça piada comigo. Volte hoje à noite com um alicate para cortar
estes arames e me liberte!
– Não vem com essa merda pra cima de
mim, cara – eu disse.
– Estou aqui há 32 dias, meu filho!
Finalmente vou recuperar minha liberdade!
– Então você alega ser realmente o
diabo?
– Que eu coma o cu de um gato se não
for verdade o que lhe digo – ele respondeu.
– Bom, se você é mesmo o diabo, então
pode usar seus poderes sobrenaturais pra sair daí.
– Meus poderes desapareceram
temporariamente. Esse sujeito que fica anunciando lá na frente
estava preso junto comigo. Eles nos pegaram por embriaguez pública,
junto com um bando de outros bêbados. Eu lhe disse que era o demônio
e ele pagou a minha fiança. Estava sem meus poderes na prisão, ou
então não teria precisado dele. Ele me embebedou outra vez e,
quando acordei, estava nessa gaiola. O filho da puta me alimenta com
comida pra cachorro e sanduíches com manteiga de amendoim. Meu
filho, me ajude, eu lhe imploro!
– Você é louco – eu disse. – Não
passa de algum tipo de louco.
– Basta que você volte esta noite, meu
filho, com o alicate especial.
O anunciante entrou e disse que a sessão
com o demônio tinha terminado e que, se quiséssemos vê-lo por mais
tempo, teríamos de pagar outros 25 centavos. Eu tinha visto o
suficiente. Saí juntamente com os demais idiotas de toda espécie.
– Ei, ele falou com você? –
perguntou um sujeitinho que caminhava ao meu lado. – Venho todas as
noites e é a primeira vez que vejo ele falar com alguém.
– Foda-se – eu disse.
O anunciante me parou.
– O que ele lhe disse? Vi que falava
com você. O que ele disse?
– Ele me contou tudo – eu disse.
– Bem, fique fora disso, meu chapa, ele
é meu! Não ganho tanto dinheiro desde que a mulher barbada
de três pernas estava aqui.
– O que aconteceu com ela?
– Fugiu com o homem-polvo. Estão
administrando uma fazenda no Kansas.
– Acho que vocês todos são loucos.
– É um aviso. Eu encontrei esse
sujeito. Não se meta!
Segui até o meu carro, entrei e voltei
para Flo. Quando cheguei, ela estava sentada na cozinha, bebendo
uísque. Continuou como estava e me disse uma centena de vezes que eu
era um inútil. Bebi um pouco com ela sem dizer muito em minha
defesa. Então levantei, fui até a garagem, peguei o alicate de
cortar arame, coloquei-o em meu bolso, entrei no carro e dirigi de
volta ao píer.
Arrombei a porta dos fundos, o ferrolho
estava enferrujado e cedeu na minha primeira tentativa. Ele estava
dormindo no chão da gaiola. Tentei cortar o arame da tela, mas não
consegui. O fio era muito grosso. Então ele acordou.
– Meu filho – ele disse –, você
voltou! Eu sabia que voltaria!
– Olha, cara, não consigo cortar o
arame com isso. O fio é muito grosso.
Ele se levantou.
– Deixe-me tentar.
– Deus – eu disse –, suas mãos
estão quentes! Você deve estar com algum tipo de febre.
– Não me chame de deus – ele disse.
Ele cortou o fio com o alicate como se
fosse uma linha de costura e saiu.
– E agora, meu filho, para a sua casa.
Tenho que recuperar minha energia. Alguns bifes de filé bem grossos
e vou estar bem. Comi tanta comida de cachorro que receio que possa
começar a latir a qualquer momento.
Caminhamos de volta para o meu carro e
levei-o para a minha casa. Quando entramos, Flo ainda estava sentada
na cozinha bebendo uísque. Fritei um ovo com bacon e fiz um
sanduíche como aperitivo e nos sentamos com Flo.
– Seu amigo é um demônio bem bonito –
ela me disse.
– Ele alega que é o demônio –
eu disse.
– Faz muito tempo – ele disse –
desde que provei uma boa mulher.
Ele se inclinou para frente e beijou Flo
longamente. Quando a soltou, ela parecia estar em um estado de
choque.
– Esse foi o beijo mais quente
que já vi – ela disse. – E já vi muitos.
– Mesmo? – ele perguntou.
– Se você faz amor da mesma forma que
beija, seria simplesmente demais, simplesmente demais!
– Onde é o quarto? – me perguntou.
– Siga a moça – eu disse.
Seguiu Flo para o quarto, e eu me servi
um copo cheio de uísque.
Nunca tinha ouvido gritos e gemidos como
aqueles, e a coisa continuou por uns bons 45 minutos. Então ele saiu
sozinho e sentou e se serviu de uma bebida.
– Meu filho – ele disse –, você
tem uma mulher e tanto ali.
Ele caminhou até o sofá na sala da
frente, se espreguiçou e adormeceu. Entrei no quarto, tirei a roupa
e pulei na cama com Flo.
– Meu deus – ela disse –, meu Deus,
não acredito nisso. Ele me fez cruzar os céus e o inferno.
– Só espero que ele não ponha fogo no
sofá – eu disse.
– Quer dizer que ele fuma um cigarro e
vai dormir?
– Esqueça – eu disse.
Bem, ele começou a tomar conta de tudo.
Eu tive de dormir no sofá. Tive de escutar os gritos e
gemidos de Flo que vinham lá do quarto todas as noites. Um dia,
enquanto Flo estava no mercado e nós estávamos bebendo uma cerveja
onde normalmente tomávamos café da manhã, tive uma conversa com
ele:
– Escute – eu disse –, não me
importo de ajudar alguém, mas agora perdi minha cama e minha esposa.
Vou ter de pedir para que você vá embora.
– Acho que ainda vou ficar mais um
pouco, meu filho, sua mulher é uma das melhores bucetas que já
provei.
– Escute, cara – eu disse –, talvez
eu precise tomar medidas extremas para retirar você daqui.
– Garoto durão, hein? Bem, escute,
garoto durão, tenho uma pequena novidade para você. Meus poderes
sobrenaturais voltaram. Se tentar foder comigo, vai acabar se
queimando. Fique atento!
Tínhamos um cachorro. Chamava-se Old
Bones; não valia muito, latia à noite e era um razoável cão de
guarda. Bem, ele apontou para o cachorro e o seu dedo fez um som
parecido com o barulho de um espirro, então, depois de um chiado,
uma fina linha de fogo acertou Old Bones em cheio. O cachorro fritou
e sumiu. Simplesmente não estava mais lá. Nenhum osso, nenhum pelo,
nem mesmo o fedor. Só espaço.
– Ok, cara – eu lhe disse. – Você
pode ficar mais alguns dias, mas depois disso você tem que partir.
– Prepare um bife de filé pra mim –
ele disse –, estou com fome e receio que a minha contagem de
esperma esteja diminuindo.
Levantei e atirei um bife na panela.
– Prepare umas batatas fritas para
acompanhar – ele disse – e uns tomates fatiados. Não preciso de
café. Tenho andado com insônia. Vou só tomar mais algumas cervejas
No instante em que lhe servi a comida,
Flo estava de volta.
– Olá, meu amor – ela disse –,
como está?
– Bem – ele disse –, não tem
ketchup?
Saí, entrei no meu carro e dirigi até a
praia.
Bem, o anunciante tinha outro diabo lá
dentro. Paguei meus 25 centavos e entrei. Esse demônio realmente não
era grande coisa. A tinta vermelha que borrifaram nele o estava
matando, e ele estava bebendo para não enlouquecer. Era um sujeito
grande, mas não tinha nenhuma qualidade. Eu era um dos poucos
clientes ali dentro. Havia mais moscas do que gente.
O anunciante veio até mim.
– Tenho passado fome desde que você
roubou o demônio de verdade de mim. Imagino que você agora está
comandando o seu próprio show?
– Escute – eu disse –, faço
qualquer coisa para devolvê-lo a você. Estava apenas tentando ser
um bom sujeito.
– Sabe o que acontece com os bons
sujeitos neste mundo, não sabe?
– Sim, acabam na esquina da sétima com
a Broadway vendendo revistas das Testemunhas de Jeová.
– Meu nome é Ernie Jamestown – ele
disse –, me fale o que está acontecendo. Tenho uma sala nos
fundos.
Caminhei até a sala com Ernie. Sua
esposa estava sentada à mesa, bebendo uísque. Ela levantou os
olhos.
– Escute, Ernie, se esse cretino for
nosso novo diabo, esqueça. Muito melhor encenarmos um suicídio
triplo.
– Calma – disse Ernie – e passe a
garrafa.
Contei a Ernie tudo o que tinha
acontecido. Ele escutou cuidadosamente e depois disse:
– Posso resolver esse problema para
você. Ele tem duas fraquezas... álcool e mulher. E tem mais uma
coisa. Não sei por que isso acontece, mas quando ele está
confinado, como estava na prisão, na cela dos bêbados, ou naquela
jaula ali fora, ele perde seus poderes sobrenaturais. Tudo bem, vamos
começar a partir daí.
Ernie foi até o armário e trouxe, de
arrasto, muitas correntes e cadeados. Então foi até o telefone e
ligou para Edna Hemlock. Edna Hemlock tinha de nos encontrar em vinte
minutos na esquina do Bar do Woody. Ernie e eu entramos no meu carro,
paramos para comprar duas garrafas na loja de bebidas, encontramos
Edna e fomos até a minha casa.
Eles ainda estavam na cozinha. Estavam se
agarrando feito loucos. Mas assim que viu Edna, o demônio esqueceu
da minha mulher. Livrou-se dela como quem se desfaz de um par de
calcinhas manchadas. Edna era uma mulher completa. Quando a fizeram,
não esqueceram de nenhum detalhe.
– Por que vocês não bebem para se
conhecerem melhor? – disse Ernie.
Ernie serviu dois grandes copos de uísque
diante de cada um deles.
O demônio olhou para Ernie.
– Ei, seu filho da puta, você é o
sujeito que me colocou naquela jaula, não é mesmo?
– Esqueça – disse Ernie –, vamos
deixar o passado no passado.
– Claro que não!
Apontou o dedo e a linha de chamas foi
até Ernie e logo ele já não estava mais lá.
Edna sorriu e ergueu seu copo de uísque.
O diabo mostrou os dentes, ergueu seu copo e bebeu tudo.
– Que coisa boa! – ele disse. –
Quem comprou?
– O homem que acabou de deixar o
recinto há um momento – eu disse.
– Ah.
Ele e Edna beberam outro copo e começaram
a se olhar. Então minha velha esposa disse a ele:
– Tira os olhos dessa vagabunda!
– Que vagabunda?
– Ela!
– Apenas beba sua bebida e cale a boca!
Ele apontou o dedo para a minha esposa,
ouviu-se um som de um estalido, e ela não estava mais lá. Então
ele me olhou:
– E o que você tem a dizer?
– Eu? Sou o sujeito que trouxe o
alicate de cortar arame, lembra? Estou aqui para levar mensagens,
trazer toalhas e assim por diante...
– Com certeza é ótimo ter meus
poderes sobrenaturais novamente.
– São bem úteis – eu disse –,
ainda mais agora que temos um problema de superpopulação.
Ele estava olhando para Edna. Estavam se
olhando tão intensamente que consegui roubar uma das garrafas de
uísque. Peguei a garrafa e entrei no meu carro e dirigi de volta
para a praia.
A esposa de Ernie ainda estava sentada na
sala dos fundos. Ela estava feliz em ver uma nova garrafa e eu servi
dois copos.
– Quem é o garoto que está trancado
na jaula? – perguntei.
– Oh, é um quarterback de
terceira categoria de uma das universidades locais. Está tentando
ganhar um extra.
– Você realmente tem belos peitos –
eu disse.
– Você acha? Ernie nunca elogia meus
peitos.
– Beba. Esse uísque é muito bom.
Puxei a cadeira e sentei-me ao lado dela.
Ela tinha coxas belas e grossas. Quando a beijei, ela não resistiu.
– Estou tão cansada dessa vida – ela
disse. – Ernie sempre foi um pilantra barato. Você tem um bom
emprego?
– Sim. Sou o gerente do setor de
despachos da Drombo-Western.
– Me beija de novo – ela disse.
Rolei para o lado e me limpei com o
lençol.
– Se Ernie descobrir, ele nos mata –
ela disse.
– Ernie não vai descobrir. Não se
preocupe com isso.
– Você é muito bom de cama – ela
disse, – mas por que eu?
– Não estou entendendo.
– Quero dizer, de verdade, o que o
levou a fazer isso?
– Ah – eu disse –, o diabo me
obrigou.
Então acendi um cigarro, me deitei de
barriga para cima, traguei e soprei um anel de fumaça perfeito. Ela
se levantou e foi ao banheiro. Em um minuto ouvi a descarga da
privada.
Charles Bukowski, in Ao Sul de Lugar Nenhum
Nenhum comentário:
Postar um comentário