Caro senhor diretor de programação.
Ouvi a chamada da sua novela das 8, que estreou na segunda-feira:
“Uma história de paixões e desafios. A personagem em busca de
seus sonhos. Tem coisas que só o tempo consegue apagar. Uma história
com que você sempre sonhou.”
Vou ser honesto com o senhor, o texto não
quer dizer absolutamente nada, e o chato é que ficou a semana
repetindo, repetindo. Então, pensei em outras frases: “O tempo não
para, num clima de paixão sem limites. Uma história de encontros e
desencontros. Em busca de desafios. Uma aventura para entender a
condição humana. Emoção atrás de emoção.”
Aí, liguei para a sua emissora. Aí, a
telefonista me deixou esperando horas. Aí, tive uma ideia
sensacional para a próxima novela das 8. Me disseram que isso se
chama sinopse. Não sou profissional. Mas desde que me entendo por
gente (será que alguém se entende por planta ou paralelepípedo?),
gosto de TV, passo horas em frente dela. Meu apelido de pequeno era
Aba, pois diziam que eu estava para a TV como a aba, para o abajur.
Minha novela se chama Estar Passando.
A vilã, Patrícia Castro, é uma dessas atendentes que nunca passam
a ligação, mais cruel que Nazaré, mais mau-caráter que Laura,
mais sem noção que Maria de Fátima. Será a vilã de todas as
vilãs.
Patrícia Castro, quando criança,
apanhava dos pais diariamente, que pegavam o telefone e davam na
cabeça dela. A avó era aleijada e repetia, apontando a bengala:
“Deixa que eu bato! Deixa que eu bato!” O pai, conhecido como
Maluco Beleza, depois se elege vereador de São Paulo com o slogan
“sempre cabe mais um”. A mãe vira apresentadora de programa de
fofocas da TV. A avó é flagrada, numa armação do avô, no colo de
Chico Buarque. Que família...
Na escola, Patrícia só dizia uma frase:
“Trin-trin, nenê tá chamando.” A professora dava com o celular
tijolão da época da estatal na cabeça dela, porque atrapalhava a
tabuada. Ela era apaixonada por Gegê, um gago de nascença (reparei
que toda novela tem que ter uns deficientes), que se casa depois com
a filha do português que compra a estatal de telefonia (para a
novela passar nos dois países, certo?). Sim, aí é o núcleo dos
ricos, que fica debatendo se o buquê do merlot é melhor que o do
pinot (discussão da moda). E, lá pelas tantas, ó, alguém mata
alguém, certo? Um rico, claro, porque quando matam pobre não dá
ibope. E tem um monte de funcionário da telefônica que é de pai
trocado. E tem que ter, tipo assim, uma mensagem de cidadania: a
discriminação que sofrem as pessoas que têm celular sem câmera. E
do prédio da companhia tem um monte de pôr do sol. Tem a atendente
bacana, Joana, que tem uma amiga gay, lógico. E por quem Gegê,
apesar de estar casado com a filha do portuga, se apaixona. É, pela
gay! Tô fugindo.
Patrícia Castro foi enviada a um
convento. Começou atendendo o telefone lá. Mas levava telefonada
das freiras, porque não passava as ligações, já que panicava com
o toque do PABX. Ela fugiu, fez curso de atendente para superar o
trauma, foi trabalhar num banco e ligava para os clientes vendendo
cartão de crédito. Só a xingavam, batiam o telefone na sua cara.
Até ela trabalhar numa firma que presta serviços à companhia
telefônica do portuga. Sua vingança se desenha. Ela leva à loucura
todo o elenco, dos ricos aos pobres (incluindo aquela atriz que só
está lá porque é filha do autor ou namorada do diretor), deixando
as pessoas esperando na linha, obrigando-as a ditar o endereço
residencial, comercial, a data de nascimento, o tipo sanguíneo e os
números da identidade, CIC, dependentes e argentinos no Corinthians.
Quando eram grossos, ela apenas esticava o indicador com unhas
vermelhas de maléfica-de-novela e deletava o número do cliente, que
virava “este número de telefone não existe” ou “fora da área
de cobertura”.
Caso queira usar minha ideia, contatar
por este e-mail, pois meu celular foi desligado por uma verdadeira
Patrícia Castro, telefonista folgada de um 0800 verdadeiro de uma
companhia que o Procon afirma ser a campeã em reclamações, certo?
Marcelo Rubens Paiva, in Crônicas para ler na escola
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