Numa visita recente ao magnífico Grand
Canyon, nos EUA, me surpreendi com o número de pessoas tirando
selfies e olhando para os seus celulares em vez de aproveitar o lugar
real onde estavam, integrando corpo e mente ao cenário mágico bem à
sua frente. Este é apenas um dos sintomas que vejo como um novo
fenômeno global: como vimos anteriormente, parece que todo mundo
quer ser estrela – a estrela da sua própria vida.
Viver a vida através de experiências
concretas tornou-se secundário; o importante é registrar tudo,
fazendo selfies e vídeos, e dividindo-os rapidamente nas plataformas
de mídia social. Canais do YouTube se multiplicam exponencialmente.
Superstars no YouTube têm milhões de seguidores. Meus filhos, por
exemplo, veneram alguns deles, sujeitos de 20 ou 30 anos que fazem
vídeos jogando videogames com comentários cômicos e muito
palavrão. A fórmula é mágica. Os celulares e seus primos mais
próximos, os tablets, estão nos transformando.
A vida brilha nas telas, o tempo todo. No
furor de gravar tudo o que acontece para dividir com os outros,
estamos nos esquecendo de nos engajar com o momento real e com as
pessoas à nossa volta. Com certeza, alguns vão criticar o que estou
dizendo, afirmando que é típico de uma geração mais velha, que
sempre reclama das novas tecnologias. No meu caso, sendo físico, eu
vivo cercado de novas tecnologias, essenciais no meu trabalho de
pesquisa. Minha preocupação é outra, que vai mais fundo.
É o resgate da condição humana. Na era
das telas individualizadas, a vida se torna um evento a ser apreciado
pelos outros e não para contribuir com o crescimento de cada um. O
foco é no outro, sempre na performance, e não no conteúdo pessoal
do que está acontecendo. Os celulares e a mídia social permitem
compartilhar informação de forma fácil e eficiente, seja ela fotos
e vídeos ou documentos importantes. O alcance é muito maior, e a
gratificação (quantos “likes” você ganha) é quantitativa. A
vida vira um evento social, dividido com um monte de gente que pode,
então, julgar o seu “valor” como pessoa.
É como se estivéssemos presos num
episódio da série Black Mirror da Netflix. Claro que parte disso é
ótimo. Não há nada de errado em celebrar os momentos
significativos das nossas vidas, e dividi-los com as pessoas
queridas. O problema começa quando a urgência de dividir o momento
com os outros fica maior do que o desejo de vivenciar a experiência.
O comediante americano Conan O'Brien, entre muitos outros, reclamou
que nem consegue mais enxergar o seu público, vendo apenas um mar de
celulares e tablets registrando (ilicitamente) o seu show. Como
escrevi acima, algumas celebridades estão proibindo os convidados em
seus casamentos de usar celulares.
Nick Denton, fundador da Gawker, disse a
eles: “Você pode cuidar da sua presença virtual – e dos seus
seguidores no Twitter e Instagram – no dia seguinte.” É claro
que nossas mensagens, fotos e vídeos na mídia social podem ser
gratificantes quando amigos, família e fãs respondem. Sentimos que
nossa vida é importante. Mas esse tipo de gratificação pessoal é
efêmero. Vem e vai rapidamente. Para muita gente, serve para tampar
um problema mais profundo, talvez uma insegurança, ou solidão.
Basear sua vida no que os outros pensam é uma receita segura para
gerar muita ansiedade e frustração.
Esvazia o seu âmago, enchendo-o com a
esperança de que outros irão satisfazer a sua necessidade de viver
uma vida plena, com significado. Viver pelos outros nunca dá certo,
algo que as celebridades sabem muito bem. Criar um senso de si
baseado no que os outros pensam não é algo novo. A diferença é
que, na era das telas, ficou muito fácil se conectar com muita
gente, em qualquer canto do mundo. Cada selfie ou vídeo promete a
fama: “Sou lindo(a), especial, e as pessoas vão ver isso e me
admirar.” Esse alcance global é muito novo. Até recentemente,
poucos tinham esse tipo de acesso a um número grande de pessoas.
Os círculos sociais começavam e
terminavam na família e num grupo relativamente pequeno de amigos
locais. Agora, podemos nos conectar com pessoas em outros países,
dividindo nossa vida com quem nem conhecemos. Temos, também, que
lidar com os abusos e insultos, tanto daqueles dentro dos nossos
círculos sociais como de estranhos. Um usuário pode se esconder por
trás de um nome falso, atacando pessoas perversamente, causando
sérios danos emocionais. Essa é a nova cara do covarde digital.
É tudo, então, apenas uma explosão de
narcisismo coletivo? Felizmente, não. Muita gente usa as mídias
sociais para promover causas sociais justas e dividir momentos de
fato relevantes em suas vidas. Existem vídeos e podcasts de
altíssima qualidade e alcance pedagógico.
O acesso à informação de qualidade é
absolutamente incrível, e cobre praticamente qualquer assunto. No
nível social, muitos amigos e famílias fortalecem seus laços
através dessa troca digital. Por outro lado, existem aqueles que
manipulam pessoas e grupos para ganho próprio. E existe muita
besteira on-line, algumas inofensivas e outras perigosas, baseadas em
preconceitos ofensivos ou extremismos ideológicos.
Não podemos – ou devemos – escapar
da era em que vivemos. As telas não são nossas inimigas. No
entanto, precisamos estar atentos para o que estamos fazendo, e não
agir automaticamente, sem ter consciência de nossos atos e escolhas.
Precisamos nos dar conta do conteúdo que pesquisamos nas mídias
sociais, e não pular no trem sem saber onde está indo. Mais
importante, precisamos aprender a nos desengajar das telas e a nos
reengajar com a vida real, sem o meio digital como ponte entre você
e os seus amigos, sua família ou a Natureza. O que me traz de volta
à cena no Grand Canyon.
As telas levam você para longe de onde
você de fato está, focando sua atenção nos “outros”, nos que
estão do outro lado da mídia social, recebendo sua informação.
Elas transformam o Grand Canyon, a praia, a festa, no palco da sua
performance, sua vida virando um grande show para os outros. Existe
uma diferença fundamental entre usar uma tecnologia e ser usado por
ela. Na minha casa, usamos “dias de desintoxicação”, sem telas
para as crianças ou para nós.
Tentamos criar um senso de equilíbrio
entre a vida real e a virtual. Às vezes, vetamos todas as telas e
focamos nossa energia e atenção na grande tela da realidade à
nossa volta e nas relações diretas entre as pessoas, as emoções
que criam laços emocionais profundos, desde um abraço bem forte a
uma conversa franca, olho no olho. Para mim, não tem espetáculo
maior do que esse.
Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul
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