quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Pittsburgh Phill & Cia

Um cara chamado Summerfield estava de folga, bebendo uma garrafa de vinho. Era um tipo meio bobo, eu tentava evitá-lo, mas ele estava sempre meio bêbado e pendurado na janela. Sempre me via saindo da minha casa e sempre dizia a mesma coisa:
Hey, Hank, que tal me levar às corridas?
E eu sempre dizia:
Uma hora dessas, Joe, hoje não.
Bem, ele continuava insistindo, pendurado na janela e meio bêbado, então um dia eu disse:
Tudo bem, diabos, vamos...
E lá fomos nós.
Estávamos em janeiro. Em Santa Anita, e se você conhece bem aquela pista sabe do que estou falando, pode ficar realmente frio lá fora quando se está perdendo. O vento sopra vindo da neve das montanhas e nossos bolsos estão vazios e você treme e pensa na morte e nos tempos difíceis e no aluguel e em todo o resto. É um lugar bastante desagradável para perder. Pelo menos em Hollywood Park dá para voltar com um bronzeado.
Então fomos os dois. Ele tagarelou durante todo o caminho. Ele nunca tinha ido a um hipódromo. Tive de ensiná-lo a diferença entre apostar no vencedor, na posição e nos três primeiros colocados. Ele não sabia nem onde ficava a posição de largada, muito menos sobre os programas. Quando chegamos lá, ele usou o meu programa. Tive que ensiná-lo a ler as informações. Paguei sua entrada e comprei um programa das corridas para ele. Tudo que ele tinha era dois dólares. O suficiente para uma aposta.
Ficamos em pé por lá antes da primeira corrida, olhando as mulheres. Joe me contou que ele não pegava uma mulher havia cinco anos. Ele era um sujeito com uma aparência rota, um verdadeiro perdedor. Passávamos o panfleto um para o outro e olhávamos as mulheres, e então Joe disse:
Por que o cavalo número seis paga catorze para um? Me parece o melhor.
Tentei explicar a ele por que dizia ali que o cavalo pagava quatorze para um e que o número tinha relação com os outros cavalos, mas ele não me ouvia.
Realmente me parece o melhor. Não consigo entender. Tenho que apostar nesse animal.
Os dois dólares são seus, Joe – eu disse –, e eu não vou emprestar nenhum dinheiro depois que você perder esse.
O nome do cavalo era Red Charley e se tratava de um animal com uma aparência realmente muito triste. Veio para o desfile de apresentação com quatro ataduras. Seu valor pulou para dezoito para um, quando olharam para ele. Apostei dez dólares na vitória do cavalo que logicamente seria o melhor candidato, Bold Latrine[2], que sofrera uma pequena queda na classificação, mas com bons resultados anteriores, um jóquei esperto e o segundo melhor treinador. Achei que sete para dois era uma boa cotação para esse cavalo.
Era uma corrida de uma milha e um quarto. Red Charley estava cotado em vinte para um quando foi dada largada, e ele saiu em primeiro, era impossível confundi-lo com os outros devido às suas ataduras, e o garoto abriu quatro corpos de diferença para o segundo colocado na primeira volta. Deve ter pensado que estava em uma corrida de quarto de milha. O jóquei tinha apenas duas vitórias em quarenta corridas e podia se ver por quê. Ele tinha seis corpos de diferença na reta. A espuma escorria pelo pescoço de Red Charley e se parecia muito com creme de barbear.
No começo da última curva, os seis corpos de vantagem tinham diminuído para três e todo o grupo estava se aproximando dele. No começo da reta final, Red Charley tinha apenas um corpo e meio de vantagem sobre o meu cavalo, Bold Latrine se aproximava por fora. Parecia que eu ia ganhar. Na metade da reta final eu estava a um pescoço de ganhar. Mais um ataque eu ganharia. Mas correram todo o resto do caminho até a linha de chegada dessa forma. Red Charley ainda tinha um pescoço de vantagem na chegada. Pagou 42,80.
Tive a impressão de que ele era o melhor – disse Joe, afastando-se em direção ao guichê para receber seu dinheiro.
Quando ele voltou, pediu mais uma vez o programa. Olhou os competidores.
Por que o Big H paga seis para um? – me perguntou. – Parece o melhor.
Pode parecer o melhor para você – eu disse –, mas no entendimento dos apostadores e dos estatísticos experientes, profissionais de verdade, ele paga seis para um.
Não se irrite, Hank. Sei que não sei nada sobre esse jogo. Só quero dizer que, para mim, ele deveria ser o favorito. Vou apostar nele de qualquer forma. Também posso apostar na vitória do dez.
É o seu dinheiro, Joe. Você teve sorte na primeira corrida, o jogo não é fácil.
Bem, Big H ganhou e pagou 14,40. Joe começou a se pavonear. Lemos o programa no bar e ele nos pagou umas bebidas e deu um dólar de gorjeta ao barman. Enquanto saíamos do bar, ele piscou para o barman e disse:
O próximo páreo já é de Barney’s Mole.
Barney’s Mole estava cotado em seis para cinco, então não imaginei que esse fosse um anúncio tão significativo. Ao fim do páreo, Barney’s Mole ainda rendeu algum dinheiro. Pagou quatro dólares e vinte centavos e Joe saiu com um lucro de vinte dólares na vitória.
Dessa vez – ele me falou – acertaram o cavalo favorito.
De nove corridas, Joe acertou oito vencedores. Na viagem de volta, ele ficou se perguntando como havia perdido a sétima corrida.
Blue Truck parecia de longe o melhor. Não entendo como chegou apenas em terceiro.
Joe, você ganhou oito de nove corridas. Isso é sorte de principiante. Você não faz ideia de como esse jogo é difícil.
Me parece fácil. Basta escolher o vencedor e receber o dinheiro.
Não falei com ele durante o resto do percurso. Naquela noite ele bateu à minha porta e trazia uma garrafa de uísque e o boletim de apostas. Ajudei-o com a garrafa, enquanto ele lia o programa e me dizia todos os nove vencedores das corridas do dia seguinte e por que ganhariam. Tínhamos entre nós um verdadeiro especialista. Sei como as corridas sobem à cabeça de um homem. Uma vez acertei dezessete vezes seguidas e estava prestes a comprar casas ao longo da costa e começar um negócio de escravas brancas para proteger meus lucros da receita federal. Veja a que grau de loucura esse negócio pode chegar.
Mal podia esperar para levar Joe às corridas no dia seguinte. Queria ver a sua cara quando todas as suas previsões falhassem. Cavalos eram animais feitos de carne. Eram falíveis. Como diziam os velhos apostadores:
Há doze maneiras de perder e apenas uma de ganhar.
Tudo bem, não foi assim que aconteceu. Joe ganhou sete de nove... favoritos, azarões, alguns com preços médios. E ele resmungou durante todo o caminho de volta sobre as duas corridas que perdera. Ele não podia entender. Não falei com ele. O filho da puta podia fazer tudo certo, mas as probabilidades o pegariam. Começou a me falar de como eu estava apostando errado e qual era a maneira certa de apostar. Dois dias nas pistas e ele era um especialista. Eu apostava há vinte anos e ele me dizendo que eu não sabia nada sobre o assunto.
Fomos às corridas toda a semana e Joe continuava ganhando. Tornou-se tão insuportável que eu não o tolerava mais. Comprou um terno novo e um quepe, camisa nova e sapatos e começou a fumar cigarros de cinquenta centavos. Disse ao pessoal da assistência social que agora ele era um autônomo e que não precisava mais do dinheiro deles. Joe enlouquecera. Deixou um bigode crescer e comprou um relógio de pulso e um anel muito caro. Na terça-feira seguinte, vi-o dirigir seu próprio carro até o hipódromo, um Caddie preto, modelo 69. Abanou para mim de seu carro e bateu as cinzas de seu cigarro. Não falei com ele durante aquele dia no hipódromo. Ele estava no clube. Quando ele bateu em minha porta naquela noite, tinha a garrafa de uísque de sempre e uma loira alta. Uma loira jovem, bem-vestida, bem-arrumada, tinha um belo corpo e um belo rosto. Entraram juntos.
Quem é esse velho vagabundo? – ela perguntou a Joe.
Esse é o meu velho amigo, Hank – ele lhe disse. – A gente se conheceu quando eu era pobre. Ele me levou ao hipódromo um dia.
Ele não tem mulher?
O velho Hank não vê uma mulher desde 1965. Escuta, que tal arranjarmos a Big Gertie para ele?
Nem fodendo, Joe, Big Gertie não ficaria com ele! Olha, ele está coberto de trapos.
Tenha compaixão, querida, ele é meu amigo. Sei que ele não parece muita coisa, mas nós dois começamos juntos. Sou um sujeito sentimental.
Bem, Big Gertie não é sentimental, ela gosta de classe.
Olha, Joe – eu disse –, esqueça a mulher. Apenas sente-se com o boletim das corridas e vamos beber um pouco e depois me dê alguns vencedores para amanhã.
Foi isso que Joe fez. Bebemos e ele disse quais seriam os vencedores. Escreveu nove cavalos para mim em um pedaço de papel. Sua mulher, Big Thelma... bem, Big Thelma apenas me olhava como se eu fosse um cagalhão de cachorro no gramado de alguém.
Aqueles nove cavalos renderam oito vitórias no dia seguinte. Um pagou 62,60 dólares. Não podia entender. Naquela noite, Joe veio com uma outra mulher. Era ainda mais bonita. Sentou com a garrafa e o boletim e escreveu em um papel mais nove cavalos.
Então ele me disse:
Escuta, Hank, vou me mudar. Encontrei um bom apartamento de luxo bem ao lado do hipódromo. O tempo de deslocamento de ida e de volta às corridas é mínimo. Vamos, querida. A gente se vê por aí, meu velho.
Sabia que esse era o fim. Meu amigo estava me despachando. No dia seguinte, apostei pesado naqueles nove cavalos. Ganhei sete. Reli o programa mais uma vez, quando cheguei em casa, tentando entender por que ele escolhera os cavalos que escolheu, mas parecia não haver nenhum método compreensível. Algumas das escolhas eram realmente intrigantes.
Não voltei a ver Joe pelo resto da temporada, exceto uma vez. Vi-o entrar no clube com duas mulheres. Joe estava gordo e rindo. Vestia um terno de duzentos dólares e usava um anel de diamante no dedo. Perdi em todas as nove corridas daquele dia.
Passaram-se dois anos. Eu estava em Hollywood Park e era um dia particularmente quente, uma quinta-feira e, na sexta corrida eu, por acaso, acertei um vencedor que pagou 26,80. Enquanto eu caminhava para o guichê para receber o dinheiro, ouvi sua voz atrás de mim:
Ei, Hank! Hank!
Era Joe.
Jesus Cristo, homem – ele disse –, como é bom ver você!
Olá, Joe...
Ainda usava seu terno de duzentos dólares em todo aquele calor. O resto de nós estava em camisas de manga. Ele precisava barbear-se e seus sapatos estavam gastos e o terno estava amassado e sujo. O diamante se fora, e seu relógio de pulso também.
Me dê um cigarro, Hank.
Dei-lhe um cigarro e quando ele o acendeu, notei que suas mãos tremiam.
Preciso de uma bebida, cara – ele me disse.
Levei-o para o bar e bebemos alguns copos de uísque. Joe estudou o programa.
Escute, parceiro, já apontei vários vencedores para você, não é mesmo?
Claro, Joe.
Ficamos ali, olhando o programa.
Agora, veja essa corrida – disse Joe. – Presta atenção ao Black Monkey. Vai ser uma vitória fácil, Hank. É garantido. E paga oito pra um.
Gosta das probabilidades dele, Joe?
Ele vai ganhar, parceiro. Vai ganhar frouxo.
Fizemos nossas apostas no Black Monkey e fomos assistir a corrida. Ele acabou em sétimo.
Não entendo – disse Joe. – Olha, me empreste mais dois dólares, Hank. Siren Call na próxima, não tem como perder. De jeito nenhum.
Siren Call chegou em quinto, mas isso não ajuda muito quando se está apostando no vencedor. Joe conseguiu mais dois dólares de mim para a nona corrida e seu cavalo perdeu também. Joe me disse que não tinha mais carro e perguntou se eu me importava em lhe dar uma carona para casa.
Você não vai acreditar nisso – ele me disse –, mas estou de volta à assistência social.
Acredito, Joe.
Mas vou dar a volta por cima. Sabe, Pittsburgh Phill faliu pelo menos meia dúzia de vezes. Ele sempre dava a volta por cima. Seus amigos tinham fé nele. Emprestavam dinheiro.
Quando o deixei em casa, descobri que ele morava em uma pensão a quatro quarteirões de onde eu morava. Nunca me mudei. Quando Joe desceu do carro ele disse:
Tenho uma excelente carta na manga para amanhã. Você vai?
Não tenho certeza, Joe.
Se for, me avisa.
Claro, Joe.
Naquela noite ouvi uma batida em minha porta. Eu conhecia a batida de Joe. Não atendi. A televisão estava ligada, mas não atendi. Segui deitado na cama, bem parado. Ele continuou batendo.
Hank! Hank! Está aí? EI, HANK!
Então ele realmente bateu com força na porta, o filho da puta. Parecia fora de si. Bateu e bateu. Finalmente parou. Escutei-o se afastar pelo corredor. Então ouvi a porta de entrada do prédio se fechar. Levantei, desliguei a televisão e fui até a geladeira, fiz um sanduíche de presunto e queijo, abri uma cerveja. Então me sentei com a comida, abri o programa do dia seguinte e comecei a olhar a primeira corrida, um prêmio de cinco mil dólares para potros e capões com mais de três anos. Gostei do cavalo número oito. O boletim o dava como cinco para um. Apostaria nele até de olhos fechados.

Charles Bukowski, in Ao Sul de Lugar Nenhum

Nenhum comentário:

Postar um comentário