Um cara chamado Summerfield estava de
folga, bebendo uma garrafa de vinho. Era um tipo meio bobo, eu
tentava evitá-lo, mas ele estava sempre meio bêbado e pendurado na
janela. Sempre me via saindo da minha casa e sempre dizia a mesma
coisa:
– Hey, Hank, que tal me levar às
corridas?
E eu sempre dizia:
– Uma hora dessas, Joe, hoje não.
Bem, ele continuava insistindo, pendurado
na janela e meio bêbado, então um dia eu disse:
– Tudo bem, diabos, vamos...
E lá fomos nós.
Estávamos em janeiro. Em Santa Anita, e
se você conhece bem aquela pista sabe do que estou falando, pode
ficar realmente frio lá fora quando se está perdendo. O vento sopra
vindo da neve das montanhas e nossos bolsos estão vazios e você
treme e pensa na morte e nos tempos difíceis e no aluguel e em todo
o resto. É um lugar bastante desagradável para perder. Pelo menos
em Hollywood Park dá para voltar com um bronzeado.
Então fomos os dois. Ele tagarelou
durante todo o caminho. Ele nunca tinha ido a um hipódromo. Tive de
ensiná-lo a diferença entre apostar no vencedor, na posição e nos
três primeiros colocados. Ele não sabia nem onde ficava a posição
de largada, muito menos sobre os programas. Quando chegamos lá, ele
usou o meu programa. Tive que ensiná-lo a ler as informações.
Paguei sua entrada e comprei um programa das corridas para ele. Tudo
que ele tinha era dois dólares. O suficiente para uma aposta.
Ficamos em pé por lá antes da primeira
corrida, olhando as mulheres. Joe me contou que ele não pegava uma
mulher havia cinco anos. Ele era um sujeito com uma aparência rota,
um verdadeiro perdedor. Passávamos o panfleto um para o outro e
olhávamos as mulheres, e então Joe disse:
– Por que o cavalo número seis paga
catorze para um? Me parece o melhor.
Tentei explicar a ele por que dizia ali
que o cavalo pagava quatorze para um e que o número tinha relação
com os outros cavalos, mas ele não me ouvia.
– Realmente me parece o melhor. Não
consigo entender. Tenho que apostar nesse animal.
– Os dois dólares são seus, Joe –
eu disse –, e eu não vou emprestar nenhum dinheiro depois que você
perder esse.
O nome do cavalo era Red Charley e se
tratava de um animal com uma aparência realmente muito triste. Veio
para o desfile de apresentação com quatro ataduras. Seu valor pulou
para dezoito para um, quando olharam para ele. Apostei dez dólares
na vitória do cavalo que logicamente seria o melhor candidato, Bold
Latrine[2], que sofrera uma pequena queda na classificação, mas com
bons resultados anteriores, um jóquei esperto e o segundo melhor
treinador. Achei que sete para dois era uma boa cotação para esse
cavalo.
Era uma corrida de uma milha e um quarto.
Red Charley estava cotado em vinte para um quando foi dada largada, e
ele saiu em primeiro, era impossível confundi-lo com os outros
devido às suas ataduras, e o garoto abriu quatro corpos de diferença
para o segundo colocado na primeira volta. Deve ter pensado que
estava em uma corrida de quarto de milha. O jóquei tinha apenas duas
vitórias em quarenta corridas e podia se ver por quê. Ele tinha
seis corpos de diferença na reta. A espuma escorria pelo pescoço de
Red Charley e se parecia muito com creme de barbear.
No começo da última curva, os seis
corpos de vantagem tinham diminuído para três e todo o grupo estava
se aproximando dele. No começo da reta final, Red Charley tinha
apenas um corpo e meio de vantagem sobre o meu cavalo, Bold Latrine
se aproximava por fora. Parecia que eu ia ganhar. Na metade da reta
final eu estava a um pescoço de ganhar. Mais um ataque eu ganharia.
Mas correram todo o resto do caminho até a linha de chegada dessa
forma. Red Charley ainda tinha um pescoço de vantagem na chegada.
Pagou 42,80.
– Tive a impressão de que ele era o
melhor – disse Joe, afastando-se em direção ao guichê para
receber seu dinheiro.
Quando ele voltou, pediu mais uma vez o
programa. Olhou os competidores.
– Por que o Big H paga seis para um? –
me perguntou. – Parece o melhor.
– Pode parecer o melhor para você –
eu disse –, mas no entendimento dos apostadores e dos estatísticos
experientes, profissionais de verdade, ele paga seis para um.
– Não se irrite, Hank. Sei que não
sei nada sobre esse jogo. Só quero dizer que, para mim, ele deveria
ser o favorito. Vou apostar nele de qualquer forma. Também posso
apostar na vitória do dez.
– É o seu dinheiro, Joe. Você teve
sorte na primeira corrida, o jogo não é fácil.
Bem, Big H ganhou e pagou 14,40. Joe
começou a se pavonear. Lemos o programa no bar e ele nos pagou umas
bebidas e deu um dólar de gorjeta ao barman. Enquanto saíamos do
bar, ele piscou para o barman e disse:
– O próximo páreo já é de Barney’s
Mole.
Barney’s Mole estava cotado em seis
para cinco, então não imaginei que esse fosse um anúncio tão
significativo. Ao fim do páreo, Barney’s Mole ainda rendeu algum
dinheiro. Pagou quatro dólares e vinte centavos e Joe saiu com um
lucro de vinte dólares na vitória.
– Dessa vez – ele me falou –
acertaram o cavalo favorito.
De nove corridas, Joe acertou oito
vencedores. Na viagem de volta, ele ficou se perguntando como havia
perdido a sétima corrida.
– Blue Truck parecia de longe o melhor.
Não entendo como chegou apenas em terceiro.
– Joe, você ganhou oito de nove
corridas. Isso é sorte de principiante. Você não faz ideia de como
esse jogo é difícil.
– Me parece fácil. Basta escolher o
vencedor e receber o dinheiro.
Não falei com ele durante o resto do
percurso. Naquela noite ele bateu à minha porta e trazia uma garrafa
de uísque e o boletim de apostas. Ajudei-o com a garrafa, enquanto
ele lia o programa e me dizia todos os nove vencedores das corridas
do dia seguinte e por que ganhariam. Tínhamos entre nós um
verdadeiro especialista. Sei como as corridas sobem à cabeça de um
homem. Uma vez acertei dezessete vezes seguidas e estava prestes a
comprar casas ao longo da costa e começar um negócio de escravas
brancas para proteger meus lucros da receita federal. Veja a que grau
de loucura esse negócio pode chegar.
Mal podia esperar para levar Joe às
corridas no dia seguinte. Queria ver a sua cara quando todas as suas
previsões falhassem. Cavalos eram animais feitos de carne. Eram
falíveis. Como diziam os velhos apostadores:
– Há doze maneiras de perder e apenas
uma de ganhar.
Tudo bem, não foi assim que aconteceu.
Joe ganhou sete de nove... favoritos, azarões, alguns com preços
médios. E ele resmungou durante todo o caminho de volta sobre as
duas corridas que perdera. Ele não podia entender. Não falei com
ele. O filho da puta podia fazer tudo certo, mas as probabilidades o
pegariam. Começou a me falar de como eu estava apostando errado e
qual era a maneira certa de apostar. Dois dias nas pistas e ele era
um especialista. Eu apostava há vinte anos e ele me dizendo que eu
não sabia nada sobre o assunto.
Fomos às corridas toda a semana e Joe
continuava ganhando. Tornou-se tão insuportável que eu não o
tolerava mais. Comprou um terno novo e um quepe, camisa nova e
sapatos e começou a fumar cigarros de cinquenta centavos. Disse ao
pessoal da assistência social que agora ele era um autônomo e que
não precisava mais do dinheiro deles. Joe enlouquecera. Deixou um
bigode crescer e comprou um relógio de pulso e um anel muito caro.
Na terça-feira seguinte, vi-o dirigir seu próprio carro até o
hipódromo, um Caddie preto, modelo 69. Abanou para mim de seu carro
e bateu as cinzas de seu cigarro. Não falei com ele durante aquele
dia no hipódromo. Ele estava no clube. Quando ele bateu em minha
porta naquela noite, tinha a garrafa de uísque de sempre e uma loira
alta. Uma loira jovem, bem-vestida, bem-arrumada, tinha um belo corpo
e um belo rosto. Entraram juntos.
– Quem é esse velho vagabundo? – ela
perguntou a Joe.
– Esse é o meu velho amigo, Hank –
ele lhe disse. – A gente se conheceu quando eu era pobre. Ele me
levou ao hipódromo um dia.
– Ele não tem mulher?
– O velho Hank não vê uma mulher
desde 1965. Escuta, que tal arranjarmos a Big Gertie para ele?
– Nem fodendo, Joe, Big Gertie não
ficaria com ele! Olha, ele está coberto de trapos.
– Tenha compaixão, querida, ele é meu
amigo. Sei que ele não parece muita coisa, mas nós dois começamos
juntos. Sou um sujeito sentimental.
– Bem, Big Gertie não é sentimental,
ela gosta de classe.
– Olha, Joe – eu disse –, esqueça
a mulher. Apenas sente-se com o boletim das corridas e vamos beber um
pouco e depois me dê alguns vencedores para amanhã.
Foi isso que Joe fez. Bebemos e ele disse
quais seriam os vencedores. Escreveu nove cavalos para mim em um
pedaço de papel. Sua mulher, Big Thelma... bem, Big Thelma apenas me
olhava como se eu fosse um cagalhão de cachorro no gramado de
alguém.
Aqueles nove cavalos renderam oito
vitórias no dia seguinte. Um pagou 62,60 dólares. Não podia
entender. Naquela noite, Joe veio com uma outra mulher. Era ainda
mais bonita. Sentou com a garrafa e o boletim e escreveu em um papel
mais nove cavalos.
Então ele me disse:
– Escuta, Hank, vou me mudar. Encontrei
um bom apartamento de luxo bem ao lado do hipódromo. O tempo de
deslocamento de ida e de volta às corridas é mínimo. Vamos,
querida. A gente se vê por aí, meu velho.
Sabia que esse era o fim. Meu amigo
estava me despachando. No dia seguinte, apostei pesado naqueles nove
cavalos. Ganhei sete. Reli o programa mais uma vez, quando cheguei em
casa, tentando entender por que ele escolhera os cavalos que
escolheu, mas parecia não haver nenhum método compreensível.
Algumas das escolhas eram realmente intrigantes.
Não voltei a ver Joe pelo resto da
temporada, exceto uma vez. Vi-o entrar no clube com duas mulheres.
Joe estava gordo e rindo. Vestia um terno de duzentos dólares e
usava um anel de diamante no dedo. Perdi em todas as nove corridas
daquele dia.
Passaram-se dois anos. Eu estava em
Hollywood Park e era um dia particularmente quente, uma quinta-feira
e, na sexta corrida eu, por acaso, acertei um vencedor que pagou
26,80. Enquanto eu caminhava para o guichê para receber o dinheiro,
ouvi sua voz atrás de mim:
– Ei, Hank! Hank!
Era Joe.
– Jesus Cristo, homem – ele disse –,
como é bom ver você!
– Olá, Joe...
Ainda usava seu terno de duzentos dólares
em todo aquele calor. O resto de nós estava em camisas de manga. Ele
precisava barbear-se e seus sapatos estavam gastos e o terno estava
amassado e sujo. O diamante se fora, e seu relógio de pulso também.
– Me dê um cigarro, Hank.
Dei-lhe um cigarro e quando ele o
acendeu, notei que suas mãos tremiam.
– Preciso de uma bebida, cara – ele
me disse.
Levei-o para o bar e bebemos alguns copos
de uísque. Joe estudou o programa.
– Escute, parceiro, já apontei vários
vencedores para você, não é mesmo?
– Claro, Joe.
Ficamos ali, olhando o programa.
– Agora, veja essa corrida – disse
Joe. – Presta atenção ao Black Monkey. Vai ser uma vitória
fácil, Hank. É garantido. E paga oito pra um.
– Gosta das probabilidades dele, Joe?
– Ele vai ganhar, parceiro. Vai ganhar
frouxo.
Fizemos nossas apostas no Black Monkey e
fomos assistir a corrida. Ele acabou em sétimo.
– Não entendo – disse Joe. – Olha,
me empreste mais dois dólares, Hank. Siren Call na próxima, não
tem como perder. De jeito nenhum.
Siren Call chegou em quinto, mas isso não
ajuda muito quando se está apostando no vencedor. Joe conseguiu mais
dois dólares de mim para a nona corrida e seu cavalo perdeu também.
Joe me disse que não tinha mais carro e perguntou se eu me importava
em lhe dar uma carona para casa.
– Você não vai acreditar nisso –
ele me disse –, mas estou de volta à assistência social.
– Acredito, Joe.
– Mas vou dar a volta por cima. Sabe,
Pittsburgh Phill faliu pelo menos meia dúzia de vezes. Ele sempre
dava a volta por cima. Seus amigos tinham fé nele. Emprestavam
dinheiro.
Quando o deixei em casa, descobri que ele
morava em uma pensão a quatro quarteirões de onde eu morava. Nunca
me mudei. Quando Joe desceu do carro ele disse:
– Tenho uma excelente carta na manga
para amanhã. Você vai?
– Não tenho certeza, Joe.
– Se for, me avisa.
– Claro, Joe.
Naquela noite ouvi uma batida em minha
porta. Eu conhecia a batida de Joe. Não atendi. A televisão estava
ligada, mas não atendi. Segui deitado na cama, bem parado. Ele
continuou batendo.
– Hank! Hank! Está aí? EI, HANK!
Então ele realmente bateu com força na
porta, o filho da puta. Parecia fora de si. Bateu e bateu. Finalmente
parou. Escutei-o se afastar pelo corredor. Então ouvi a porta de
entrada do prédio se fechar. Levantei, desliguei a televisão e fui
até a geladeira, fiz um sanduíche de presunto e queijo, abri uma
cerveja. Então me sentei com a comida, abri o programa do dia
seguinte e comecei a olhar a primeira corrida, um prêmio de cinco
mil dólares para potros e capões com mais de três anos. Gostei do
cavalo número oito. O boletim o dava como cinco para um. Apostaria
nele até de olhos fechados.
Charles Bukowski, in Ao Sul de Lugar Nenhum
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