Neste momento, devo ser honesto e contar
uma história sobre Jack, que, embora esbarre em sua honra e
integridade, tenho certeza não irá diminuí-lo na estima de
qualquer homem de coração. Na presente viagem da fragata Neversink,
Jack desertara e, passado certo tempo, fora capturado.
Mas qual teria sido o motivo de sua
deserção? Fugir à disciplina naval? Entregar-se à diversão e aos
excessos em algum porto de perdição? O amor de alguma signorita
sem valor? De forma alguma. Ele abandonou a fragata, sim, por mais
altos, nobres e gloriosos motivos. Embora respeitoso da disciplina
naval a bordo, em terra firme era um defensor obstinado dos direitos
do homem e das liberdades do mundo. Jack decidiu desembainhar a
espada da causa numa insurreição civil no Peru, abraçando, de
corpo e alma, o que julgava ser o justo.
Na época, seu desaparecimento causou
enorme surpresa entre os oficiais, que não alimentavam suspeitas de
postura desertora em relação a ele.
“O quê? Jack, meu grande homem da
gávea principal, um desertor?”, surpreendeu-se o capitão. “Não
quero acreditar nisso.”
“Jack Chase dando no pé!”, exclamou
um aspirante com tendências ao romance e à aventura. “Só pode
ter sido por amor; foram as signoritas que lhe viraram a cabeça.”
“Jack Chase não foi encontrado?”,
bradou um veterano resmungão da âncora d’esperança, um daqueles
maliciosos profetas de acontecimentos passados: “Pensei nisso; eu
sabia; podia até jurar… é o tipo de sujeito que zarpa de fininho.
Sempre esperei isso dele.”
Meses se passaram sem qualquer notícia
de Jack; até que, por fim, a fragata veio a ancorar na costa, ao
lado de uma chalupa de guerra peruana.
Intrepidamente vestido em uniforme
peruano e ostentando largas passadas, nas quais se misturavam os
estilos naval e marcial, avistou-se a figura portentosa e alta de um
oficial de barba longa caminhando pelo tombadilho da nau estrangeira;
e supervisando as saudações que, em tais ocasiões, são trocadas
entre navios de diferentes bandeiras nacionais.
Mirando nosso capitão, esse belo oficial
tocou o chapéu adornado à maneira mais cortês; e aquele, depois de
devolver-lhe o cumprimento, observou-o com certa indiscrição,
tomando do monóculo.
“Por Deus!”, ele gritou por fim. “É
ele… ele não consegue disfarçar aquele jeito de andar… é a
barba; eu o reconheceria na Cochinchina… Homens ao primeiro bote!
Lugar-tenente Blink, quero que vá a bordo daquela chalupa e me traga
aquele oficial.”
Todos ficaram assustadíssimos. O quê?
Com os Estados Unidos e o Peru vivendo em calorosa paz, mandar um
destacamento armado a bordo de uma chalupa peruana e capturar um de
seus oficiais em plena luz do dia? Nefasta infração das Leis
Internacionais! O que Vattel diria?
Mas ao capitão Claret era preciso
obedecer. E lá se foi o bote, com todos os homens armados até os
dentes, o lugar-tenente em exercício investido de instruções
secretas, e os aspirantes a bordo ostentando ar de presciente
sagacidade, embora, em verdade, não fossem capazes de dizer o que
estava por vir.
Chegando à chalupa de guerra, o
lugar-tenente foi recebido com as devidas honras; mas, àquela
altura, o oficial alto e barbado desaparecera do tombadilho. O
lugar-tenente mandou chamar o capitão peruano; e, após ser
conduzido até a cabine, informou-lhe que a bordo de sua embarcação
havia um indivíduo pertencente ao USS Neversink e que tinha
ordens de levá-lo imediatamente.
O capitão estrangeiro enrolou as pontas
do bigode, surpreso e indignado, e deu a entender um chamado aos
postos, em resposta àquela demonstração de insolência ianque.
Porém, mantendo uma das mãos enluvadas
sobre a mesa e brincando com a borla presa a sua espada, o
lugar-tenente, não sem branda firmeza, repetiu a ordem. Por fim, com
o caso todo esclarecido, e o indivíduo em questão descrito com
precisão — incluindo uma mancha no rosto —, nada restou além de
uma imediata concórdia.
Assim, o alinhado oficial de bastas
barbas, que erguera cortesmente o chapéu a nosso capitão porém
desaparecera à chegada do lugar-tenente, foi chamado à cabine
diante de seu superior, que assim lhe dirigiu a palavra:
“Don John, este cavalheiro
declara que, por direito, você pertence à fragata Neversink. É
verdade?”
“Sim, don Sereno”,
respondeu Jack Chase, levando ao peito os galões dourados das mangas
de seu fardão, “e, não havendo resistência à fragata,
entrego-me… Lugar-tenente Blink, estou pronto. Adeus, don
Sereno, e que a Madre de Dios o proteja! Como amigo e capitão,
o senhor sempre foi um cavalheiro. Espero que esmague seus sórdidos
inimigos.”
Com isso, ele se virou e, embarcando no
bote, foi levado à fragata e adiantou-se ao tombadilho do navio,
onde o capitão Claret estava.
“Às suas ordens, meu caro don”,
disse o capitão, erguendo ironicamente o chapéu, porém ao mesmo
tempo mirando Jack com um olhar de intenso descontentamento.
“Seu mais devoto e penitente capitão
de gávea grande, senhor; alguém que, em sua mais contrita
humildade, ainda tem o orgulho de reconhecer no capitão Claret seu
comandante”, respondeu Jack, produzindo uma gloriosa mesura e,
então, num gesto trágico, lançando sua espada peruana ao mar.
“Reintegrem-no imediatamente”, bradou
o capitão Claret. “Agora, senhor, ao trabalho; se cumprir bem com
suas funções até o final da viagem, não mais será lembrado de
sua fuga.”
Assim, Jack avançou em meio à multidão
de admiradores, marujos que depositavam toda a confiança naquela
barba castanha, que crescera e se expandira espantosamente durante
sua ausência. Os marinheiros dividiram entre si seu chapéu
agalonado e o uniforme; e sobre os ombros o carregaram em triunfo
pela coberta dos canhões.
Herman Melville, in Jaqueta Branca
Nenhum comentário:
Postar um comentário