Segunda-feira. Ele acordou e, do nada,
como se tivesse desistido, decidiu não ter mais opiniões. Sobre
nada. Já no café da manhã, não soube responder se o pão estava
passado, e o queijo, coalhado. Comeu apenas uma fatia de mamão. E
não decidiu entre adoçante ou açúcar. O café desceu amargo.
Ao trabalho. O taxista perguntou se ele
preferia pela Marginal ou por dentro, pela Lapa. “Qual caminho o
senhor sugere?”, perguntou, simulando um contato rotineiro. O
helicóptero da rádio informara que a Marginal estava parada, avisou
o motorista: “Vamos por dentro?” Ele não respondeu. Não sabia
responder. Não achava nada. O taxista repetiu: “Pela Lapa?”
Nada. Nenhuma resposta. Ele deu a partida, engatou a primeira, foi
percorrendo devagar, esperando a decisão do passageiro, que não
vinha, e ele mesmo, o taxista, decidiu, pela Lapa, mas sempre alerta,
esperando a ordem de desviar para a Marginal, que não veio.
“Sobe ou desce?”, escutou. Nenhuma
resposta. A ascensorista perguntou o andar. Nada. Ele entrou e ficou
no canto, parado. “O andar?”, repetiu. Ele gaguejou apenas: “Não
sei...” Ela, surpresa, esperou. Até outro passageiro entrar e
pedir: “Sobe.” E ele foi, subiu. E desceu. Pois não pararam em
seu andar. Só quando coincidiu de alguém pedir o seu andar, ele
pôde sair do elevador.
Ao entrar no escritório, a secretária
logo mandou um: “Bom dia.” Ele olhou e: “É? Não sei. Pode
ser. É, pode ser. Você acha?” Nem sentou em sua mesa, o telefone
tocou. Um instituto de pesquisa. Queriam saber em quem ele votaria no
segundo turno.
“Não sei”, respondeu.
“Ah... O senhor não se decidiu entre o
governo e a oposição?”
“Não sei.”
“Vai votar em branco?”
“Acho que não.”
“Nulo?”
“Claro que não! Nunca votei nulo!”
“Muito bem, então, o senhor é um
indeciso, deixa eu marcar, in-de-ci-so.”
“Veja bem, não sou um indeciso, não
sou nada, eu não acho nada.”
“Mas quem não acha nada é indeciso.”
“Não. Indeciso é um cara hesitante.”
“Hesitante?”
“É quem ainda tem dúvidas, não
escolheu. Eu não vou escolher, nunca, porque não tenho mais
opiniões, não acho nada.”
“Não? Por quê?”
“Porque não consigo.”
“Coitado...”
Ele não conseguiu mais trabalhar. Foi
almoçar. Mas pela escada. Evidentemente, não conseguiu escolher a
promoção. O fato de não ter mais opiniões dificultava-o de tomar
decisões. Ficou minutos diante do balcão. Até colocar todas na
bandeja, da promoção 1 àquela mexicana apimentada. Como não sabia
por qual começar, comeu só batata frita.
Na volta, a secretária panicou. O
telefone não parara. A notícia vazou: descobriram que ele era um
homem que não achava nada. Deu a primeira entrevista. Para uma
rádio: “Como se sente não tendo opiniões? O que acha de não
achar nada?” A secretária apontava para fotógrafos que escalavam
o prédio em frente para flagrá-lo sem opiniões. O porteiro avisou
que equipes de TVs queriam subir. Naquele dia, não se falou de outra
coisa. E ele foi a chamada de muitos telejornais: “Daqui a
instantes, um homem afirma não ter opinião sobre nada.”
Sua semana foi tumultuada. Revistas de
famosos queriam fotografá-lo com o look de quem não tem opinião.
Apareceram muitos convites para palestras em departamentos de
marketing de grandes empresas. “Mas o que vou dizer, se não tenho
nada a dizer, não acho nada?” Era isso que queriam, apontar que
havia falhas no sistema, havia um indivíduo que não fora absorvido
pela propaganda.
Entidades o criticavam. Foi acusado de
mau exemplo à juventude e um estorvo na sociedade de consumo. Mas
algumas ONGs ligadas ao movimento antiglobalização passaram a
apoiá-lo. Organizaram uma passeata diante de seu escritório. “Pelo
direito de não achar nada”, gritavam, auxiliados por membros do
movimento contra a intolerância sexual, anarquistas, punks,
sem-terra, movimento da defesa das florestas e dois bebuns.
Diante de sua janela, ele apareceu.
Aplaudiram. Pediram para se pronunciar. Pararam para escutar. Ele
gritou: “Melhor vocês apertarem o passo! Acho que vai chover!”
Marcelo Rubens Paiva, in Crônicas para ler na escola
Nenhum comentário:
Postar um comentário