Bem, sou um homem com muitos problemas e
suponho que em sua maioria sejam criados por mim mesmo. Estou falando
de problemas com mulheres, jogo, hostilidade contra grupos de
pessoas, e, quanto maior o grupo, maior a hostilidade. Dizem que sou
negativo, sombrio e taciturno.
Sempre me lembro da mulher que me gritou
assim:
– Você é tão negativo, porra! A vida
pode ser bonita!
Suponho que possa e especialmente com
menos gritaria. Mas quero falar de meu médico. Não vou a
psiquiatras. Psiquiatras não valem nada e estão muito satisfeitos
consigo mesmos. Mas um bom médico está sempre de saco cheio e/ou
louco, e, portanto, muito mais interessante.
Fui ao consultório do dr. Kiepenheur
porque era o mais perto. Minhas mãos estavam estourando com pequenas
bolhas brancas... um sinal, imaginei, da minha ansiedade presente ou
possivelmente câncer. Eu usava luvas grossas para que as pessoas não
ficassem olhando. E minhas mãos ardiam dentro das luvas, enquanto eu
fumava dois maços de cigarro por dia.
Entrei no consultório do doutor. Minha
consulta era a primeira. Sendo o homem ansioso que eu era, estava
trinta minutos adiantado, pensando no câncer. Caminhei pela sala de
espera, olhando para o escritório. Ali estava uma
enfermeira-recepcionista agachada no chão com o seu uniforme branco
e justo, seu vestido subira quase até os quadris, coxas grossas e
potentes apareciam através da meia-calça de nylon apertada. Esqueci
completamente do câncer. Ela não me ouvira e eu olhava suas pernas
e coxas desveladas, apreciava aquela bunda deliciosa com meus olhos.
Ela estava secando água do chão, a privada havia transbordado e ela
dizia palavrões, de modo passional, e ela era rosa e marrom e cheia
de vida e desvelada e eu a encarava.
Ela olhou para cima.
– Sim?
– Vá em frente – eu disse –, não
deixe que eu a atrapalhe.
– É a privada – ela disse –, vive
transbordando.
Ela continuou secando e eu continuei
olhando por cima da revista Life. Finalmente ela se levantou.
Caminhei até o sofá e me sentei. Ela revisou a agenda de consultas.
– Você é o sr. Chinaski?
– Sim.
– Por que não tira as luvas? Está
quente aqui.
– Prefiro não tirá-las, se não se
importa.
– O dr. Kiepenheuer logo estará aqui.
– Tudo bem. Posso esperar.
– Qual é o seu problema?
– Câncer.
– Câncer?
– Sim.
A enfermeira desapareceu, e eu li a Life
e depois outro exemplar da Life e então uma Sports
Illustrated e em seguida fiquei sentado, olhando as pinturas de
paisagens marítimas e terrestres pregadas na parede. Logo uma música
de saxofone surgiu de algum lugar. Então, subitamente, todas as
luzes piscaram, então mais uma vez, e imaginei se haveria alguma
maneira de estuprar a enfermeira e não ser preso, quando o médico
entrou. Ignorei-o e ele me ignorou, de modo que ficamos quites.
Ele me chamou para seu escritório.
Estava sentado em um banquinho e me olhou. Tinha uma cara amarela e
cabelos amarelados e seus olhos eram opacos. Ele estava morrendo.
Devia ter uns 42 anos. Vi-o e lhe dei seis meses de vida.
– Por que as luvas? – ele perguntou.
– Sou um homem sensível, doutor.
– É?
– Sim.
– Então devo lhe informar que eu já
fui nazista.
– Tudo bem.
– Não se importa de eu já ter sido
nazista?
– Não, não me importo.
– Fui capturado. Eles me levaram pela
França em um vagão de trem com as portas abertas, e as pessoas
ficavam ao longo do caminho e atiravam bombas de fedor e pedras e
todo tipo de lixo em nós... ossos de peixe, plantas mortas,
excremento, tudo o que se possa imaginar.
Então o doutor me falou de sua esposa.
Ela estava tentando lhe arrancar o couro. Uma tremenda cadela. Queria
toda a grana dele. A casa. O jardim. A casa de verão. O jardineiro
também, provavelmente, se já não o tinha. E o carro. E uma pensão.
Além de uma grande quantia em dinheiro. Mulher horrível. Ele
trabalhava tão duro. Cinquenta pacientes por dia a dez dólares por
cabeça. Quase impossível sobreviver. E aquela mulher. Mulher. Sim,
mulher. Ele decompôs a palavra para mim. Não lembro se ele disse
mulher ou fêmea ou outra coisa, mas ele decompôs a palavra para mim
em latim e a dividiu para me mostrar qual era a raiz... em latim:
mulheres eram basicamente insanas.
Enquanto ele falava sobre a insanidade
das mulheres, comecei a me sentir bem com o doutor. Minha cabeça
sinalizava em concordância.
Subitamente ele me mandou para a balança,
me pesou, então auscultou meu coração e meu peito. Tirou rudemente
as minhas luvas, lavou minhas mãos com algum tipo de merda e abriu
as bolhas com uma lâmina, ainda falando sobre o rancor e a vingança
que todas as mulheres carregavam em seus corações. Era glandular.
As mulheres eram comandadas por suas glândulas; os homens, por seus
corações. Era por isso que apenas os homens sofriam.
Disse que eu deveria lavar as mãos
regularmente e jogar as malditas luvas fora. Falou um pouco mais
sobre as mulheres e sua esposa e então fui embora.
O problema seguinte foram vertigens que
me causavam desmaios. Mas só me acontecia quando eu estava em pé em
alguma fila. Comecei a ficar aterrorizado de ter que ficar em
qualquer fila. Era insuportável.
Descobri que na América e provavelmente
em todos os outros lugares, tudo se resumia a ficar na fila. Fazíamos
isso em toda parte. Carteira de motorista: três ou quatro filas.
Hipódromo: filas. Cinema: filas. Mercado: filas. Eu odiava filas.
Senti que devia haver uma maneira de evitar as filas. Então a
resposta me iluminou. Ter mais atendentes. Sim, essa era a solução.
Dois atendentes para cada pessoa. Três atendentes. Deixem os
atendentes fazerem fila.
Sabia que as filas estavam me matando.
Não podia aceitá-las, mas todo mundo aceitava. Todo mundo era
normal. A vida era bela para eles. Podiam ficar na fila sem sentir
dor. Podiam ficar na fila para sempre. Eles até mesmo gostavam de
ficar na fila. Conversavam e se mostravam os dentes e sorriam e
flertavam uns com os outros. Não tinham mais nada para fazer. Não
conseguiam pensar em mais nada para fazer. E eu tinha que olhar para
suas orelhas e bocas e pescoços e pernas e bundas e narinas, tudo
aquilo. Podia sentir raios de morte emanando de seus corpos, como
vapores e, ouvindo suas conversas, eu sentia vontade de gritar:
– Jesus Cristo, alguém me ajude!
Tenho que sofrer desta forma só para comprar um quilo de hambúrger
e um pedaço de pão de centeio?
A tontura vinha, e eu espichava e
afastava minhas pernas para evitar cair no chão, o supermercado
girava e também as caras dos atendentes do supermercado com seus
bigodes dourados e marrons, seus olhos alegres e espertos, todos
chegarão a gerentes de supermercado um dia, com suas caras
esfoliadas e contentes, comprando casas em Arcádia e trepando à
noite com suas esposas loiras, pálidas e graciosas.
Marquei novamente uma consulta com o
doutor. Recebi o primeiro horário. Cheguei meia hora mais cedo e a
privada estava consertada. A enfermeira estava tirando o pó do
escritório. Ela se curvou e se endireitou e se curvou um pouco e
então se curvava para a direita e então se curvava para a esquerda
e virou a bunda para mim e se curvou. O uniforme branco se contraía
e subia, escalava, se erguia; aqui estava um joelho com covinhas, lá
uma coxa, aqui um quadril, lá o corpo inteiro. Sentei e abri um
exemplar da Life.
Ela parou de tirar o pó e pôs a cabeça
para fora e me sorriu:
– Livrou-se das luvas, sr. Chinaski.
– Sim.
O doutor entrou, parecendo estar um pouco
mais perto da morte, acenou com a cabeça, levantei e o segui para
seu consultório.
Ele sentou em seu banco.
– Chinaski, como vai?
– Bem, doutor...
– Problema com as mulheres?
– Bem, é claro, mas...
Ele não me deixava terminar minhas
frases. Tinha perdido mais cabelo. Seus dedos se contraíam. Parecia
não ter mais fôlego. Mais magro. Era um homem desesperado.
Sua esposa o estava esfolando. Tinham ido
ao tribunal. Ela lhe deu um tapa no tribunal. Ele gostou disso.
Ajudou no caso. Eles viram quem era aquela cadela. De qualquer forma,
não se saiu tão mal. Ela lhe deixara alguma coisa. É claro, sabe
quanto custam os advogados. Desgraçados. Já reparou nos advogados?
Quase sempre gordos. Especialmente ao redor do rosto.
– De qualquer forma, caralho, ela me
ferrou. Mas tenho um pouco guardado. Quer saber quanto custa uma
tesoura como essa? Olha bem. Latão com um parafuso. Dezoito e
cinquenta. Meu Deus, e eles odiavam os nazistas. O que é um nazista
comparado a isso?
– Não sei, doutor. Já disse que sou
um homem confuso.
– Já tentou um psiquiatra?
– Não adianta. São idiotas, sem
imaginação. Não preciso de psiquiatras. Ouvi dizer que eles acabam
molestando sexualmente suas pacientes. Eu gostaria de ser um
psiquiatra, se eu pudesse foder todas as mulheres. Fora isso, o
trabalho deles é inútil.
Meu doutor se endireitou no seu banco.
Ele amarelou e acinzentou um pouco mais. Um gigantesco espasmo
percorreu seu corpo. Estava quase acabado. Um bom camarada, apesar de
tudo.
– Bem, me livrei da minha esposa –
ele disse. – Está acabado.
– Bom – eu disse –, me conte de
quando você era nazista.
– Bem, não tínhamos muita escolha.
Eles simplesmente nos faziam entrar. Eu era jovem. Quero dizer,
porra, o que se pode fazer? Só se pode viver em um país por vez.
Vai-se à guerra e, se não acaba morrendo, acaba em um vagão aberto
com pessoas atirando merda em você...
Perguntei-lhe se ele trepava com sua
enfermeira gostosa. Ele sorriu gentilmente. O sorriso era um sim.
Então me disse que desde o divórcio, bem, vinha se encontrando com
uma de suas pacientes e ele sabia que não era ético fazer isso com
pacientes...
– Não, acho que está tudo bem,
doutor.
– É uma mulher muito inteligente.
Casei com ela.
– Tudo bem.
– Agora estou feliz... mas...
Então ele esticou suas mãos abertas,
lado a lado, com as palmas para cima...
Contei-lhe sobre o meu medo de filas. Ele
me deu uma receita de Librium.
Então fui atacado por uma furunculose na
minha bunda. Estava em agonia. Amarraram-me com tiras de couro, esses
sujeitos podem fazer o que quiserem com você, me deram uma anestesia
local e me abriram o cu. Virei minha cabeça e olhei para o meu
doutor e disse:
– Há alguma possibilidade de que eu
mude de ideia?
Três rostos me olhavam de cima. O do
médico e outros dois. Ele para cortar. Ela para as bandagens. Um
terceiro metendo agulhas.
– Você não pode mudar de ideia –
disse o doutor e esfregou suas mãos e arreganhou os dentes e
começou...
A última vez que o vi foi por causa de
algo relacionado à cera em meus ouvidos. Eu podia ver seus lábios
se mexendo, tentei entender, mas não podia ouvir. Eu sabia, por seus
olhos e por sua cara, que eram tempos difíceis para ele outra vez e
assenti com a cabeça.
Fazia calor. Eu estava um pouco tonto e
pensei, bem, sim, ele é um bom camarada, mas por que não me deixa
falar sobre os meus problemas, isso não é justo, também tenho
problemas e tenho que pagá-lo.
Por fim, meu doutor se deu conta de que
eu não estava ouvindo nada. Pegou algo que parecia com um extintor
de incêndio e meteu em meus ouvidos. Mais tarde me mostrou grandes
pedaços de cera... era a cera, ele disse. E apontou para um balde.
Parecia realmente com feijões requentados.
Levantei da mesa, paguei-o e me fui.
Ainda não podia ouvir nada. Não me sentia particularmente mal nem
bem e imaginei que doença eu lhe traria da próxima vez, o que ele
faria a respeito disso, o que ele faria com respeito à sua filha de
dezessete anos que estava apaixonada por outra mulher e que iria
casar com ela, e me ocorreu que todo mundo sofria
continuamente, incluindo aqueles que fingiam não sofrer. Parecia-me
que essa era uma boa descoberta. Olhei para o garoto que vendia
jornal e pensei, hmmmm, hmmmm, e olhei para a próxima pessoa que
passou e pensei hmmmm, hmmmm, hmmmmmm, e no semáforo perto do
hospital, um carro novo e preto dobrou a esquina e atropelou uma bela
garota que vestia um minivestido azul, e ela era loira e tinha faixas
azuis no cabelo e se sentou na rua, ao sol, e um filete escarlate
correu de seu nariz.
Charles Bukowski, in Ao Sul de Lugar Nenhum
Nenhum comentário:
Postar um comentário