quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Saco cheio!

Existe a tal semana do saco cheio, ou melhor, Semana do Saco Cheio, isso, com maiúsculas, como devem vir as datas, feriados, festas populares, eventos históricos (Carnaval, Natal, Sete de Setembro, Páscoa), já que se celebra a semana em que não se celebra nem comemora nada.
Não houve decreto. Nenhum vereador aprovou. É extraoficial. Apenas foi instituído por alguém, já há um bom tempo, que nesta semana de outubro, que contém o, este sim, feriado do dia 12 de Outubro, oficial e decretado, seria A Semana do Saco Cheio, efeméride cheia de particulares: trata-se apenas de umas férias curtas inventadas por alunos e professores do ensino público e privado.
Não, metalúrgicos, servidores públicos, contínuos, porteiros, entregadores de pizza, comissários de bordo, contadores, escriturários, patrulheiros rodoviários, barmen, gráficos, químicos e profissionais liberais que prestam serviço não celebram neste mês de outubro A Semana do Saco Cheio, a não ser que trabalhem para o mundo escolar.
E por que o saco já está cheio, se nem há pouco mais de dois meses estavam todos em férias? E haja pressa: daqui a pouco mais de dois meses, estarão todos novamente em férias. Não dá pra esperar?
Não. Exatamente no intervalo e momento equidistante entre duas férias, inventou-se a semana citada. Seu inventor foi matemático. Mas injusto. Estudar ou promover a educação enche tanto o saco assim?
Há em outros países A Semana do Saco Cheio, como The Pain in the Ass Week? Já que nós, brasileiros, instituímos A Semana do Saco Cheio, poderíamos sofisticar e criar outras.
A Semana do Saco Cheio do Síndico. Seria aquela semana em que você diz tudo o que gostaria de dizer ao seu síndico, mas, por educação e medo de retaliação, não diz.
A Semana de Mandar Seu Chefe pra Casa do Chapéu deveria ser instituída logo depois dos dissídios das categorias sindicalizadas ou não terem sido acertados pelas duas partes. Seria uma semana valiosa para todas as empresas, já que acertos nasceriam diante da verdade dita.
O problema seria a tensão da semana posterior: “Desculpe, eu não queria dizer aquilo, foi só pra comemorar a semana...”
Poderia ter A Semana do Saco Cheio de Ser Brasileiro Com Muito Orgulho. Todos passaríamos a detestar futebol, falar em francês e, na padoca, diríamos: “Bonjour, monsieur, une café, s’il vous plaît.”
Poderia haver A Semana do Saco Cheio da Vida Privada de Celebridades, uma semana em que revistas de famosos não falariam de ricos e famosos, mas de como distribuir a renda, diminuir a desigualdade social, integrar a cultura da periferia e difundir o rap.
Aliás, taí: poderia haver A Semana das Rimas, em que todos falariam como cantores de hip-hop ou poetas parnasianos. Ou A Semana do Saco Cheio de Vou Estar Passando, a semana em que telefonistas e operadores de telemarketing diriam, enfim: “Vou passar a sua ligação, transferir, escutar o seu pedido, falar corretamente.”
Poderia haver A Semana da Inversão, aquela em que quem tem dá pra quem não tem, e quem não tem vive como quem tem. O problema seria determinar aos que não têm quando a semana termina.
Na Semana da Inversão, judeus poderiam rezar ajoelhados a Meca, muçulmanos leriam em sinagogas a Torá, evangélicos poderiam adorar Xangô, e os padres, liberados para namorar à beça. Mas esta seria a Semana do Saco Cheio de Tabus.
Melhor seria A Semana de Gritar Pela Janela que Estou de Saco Cheio de Dois Pontos. Eu gritaria: “Dá pra proibirem esses sinos orientais que badalam ao vento em varandas?! Eu não relaxo coisa nenhuma com este barulho!”
Chato mesmo é aquele que celebra A Semana do Saco Cheio de Semana do Saco Cheio e fica na escola sozinho estudando como um doido e praguejando que brasileiro é tudo preguiçoso.

Marcelo Rubens Paiva, in Crônicas para ler na escola

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