sábado, 2 de outubro de 2021

O terremoto

Ela estava muito ocupada: viera das compras de casa, deu vários telefonemas inclusive um dificílimo para chamar o bombeiro de encanamentos de água, foi à cozinha ver se o almoço dos meninos se adiantava, eles não podiam atrasar-se na ida à escola, riu de uma graça de uma das meninas, recebeu um telefonema convidando-a para um chá de caridade, preparou a merenda das crianças, e afinal fechou a porta à saída delas.
Então – então do ventre mesmo, como de um longínquo estremecer de terra que mal se sabe ser o sinal do terremoto, do ventre o estremecimento gigantesco de uma forte torre abalada, do ventre vem o estremecimento – e em caretas não só de rosto mas de corpo vem com uma dificuldade de petróleo abrindo terra dura – vem afinal o grande choro, um choro quase mudo, só a tortura seca do choro mudo entrecortado de soluços, o choro secreto até para ela mesma, aquele que ela não adivinhou, aquele que ela não quis nem previu – sacudida como uma árvore que é sempre mais sacudida que a fraca – e afinal rebentados canos e veias e tendões pela grossura da água salgada do choro. Só depois que passa percebe que nenhuma lágrima a molhou. Foi o seco terremoto de um choro.

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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