Começar um namoro pode estressar mais do
que terminá-lo. Há um número infindável de códigos a serem
aprendidos. Situações novas e inusitadas lembram um campo minado.
É preciso buscar a rota certa, caso não
se deseje colidir com o blindado das defesas humanas. Afinal, para
entrar na vida de alguém, que provavelmente teve um sem-número de
encontros e relações fracassadas, é necessário pular etapas,
garantir a defesa na retaguarda, cavar trincheiras, esperar o momento
certo do ataque, priorizando o bombardeio das defesas inimigas, digo,
da pessoa amada, cortando o seu sistema de comunicação, as linhas
de suprimentos, estabelecer postos de observação e garantir uma
ponte para o desembarque da tropa.
Sim, começar um namoro é uma guerra.
Por isso, o estresse.
1) Você achava que ia ficar para sempre
deslocado, não aguentava mais ir sozinho aos sábados à noite a
cinemas, nem o olhar de reprovação de todos que o cercam, da
família aos porteiros. Desenterraram o sapo. Você está saindo com
uma pessoa. Fofa. Desencalhou. Quando se decide que começou o
namoro, já no primeiro beijo? Só depois de uma semana saindo
juntos? Só depois de passarem um findi numa pousada bucólica
“carbon free”? Mas aí não é “ficar”?
2) Se ele ou ela tem fama de quem não
para muito tempo numa relação, você ainda assim considerará
aquelas primeiras saídas um namoro? Mas tem certeza de que não é
“ficar”? É ponderada a qualidade ou quantidade de tempo, para
classificar a relação como “namoro”? Se é o tempo que indica,
é a partir de um mês? Dois?
3) Você beija já no primeiro encontro?
Pega à força ou vai desabando cuidadosamente a cabeça, até quase
que acidentalmente seus lábios se cruzarem no meio do caminho? Sua
jornada começa pela bochecha e só depois escorrega para a boca?
Começa pelo pescoço? Pela orelha? Não sossegará enquanto não
ganhar um beijo de boca? Enquanto ela fala da peça de teatro que
mudou a vida dela, você presta atenção ou só pensa em qual será
o momento ideal do beijo na boca?
4) No primeiro beijo de boca, já há
envolvimento de línguas, ou somente os lábios se apresentam? Há
primeiro uma bicota, e depois afasta-se o rosto, olham-se nos olhos,
para a confirmação de que há consenso no ato simbólico de
representação da atração? Caso os olhares aprovem a atitude
intempestiva das bocas, volta-se a beijar ou antes palavras são
pronunciadas, tipo “gosto de você”? Mas aí não é ficar?
5) No primeiro dia já se fala “gosto
de você”? Ou “curto você”? Fala “te quero”? Mas aí não
é muito “bolero”?
6) Nas primeiras semanas, como você
apresenta a pessoa fofa com quem você está saindo: “minha amiga”,
“minha parceira”, “minha mina”, “minha chegada”, “minha
ficante”, “meu caso”, “meu nheco-nheco”? Quando você
finalmente assume e apresenta exprimindo pela primeira vez a sentença
“conhece a minha namorada”? Você pergunta para a sua namorada
fofa, antes de falar a frase “conhece a minha namorada”, se ela
já é a sua namorada?
7) Você afinal sabe a diferença entre
ficar e namorar?
8) Quanto tempo de namoro é preciso para
falar “adoro você”? Quanto tempo de namoro é preciso para falar
“amo você”? Quanto tempo de namoro é preciso para se falar você
é a mulher (ou homem) da minha vida?
9) Quanto tempo de namoro é preciso para
falar “você foi muito mais importante do que todas as outras, que
não prestavam, que eram frias e infelizes”?
10) Quanto tempo de namoro é preciso
para revelar a senha do e-mail?
11) E a da caixa postal do celular?
12) E a do banco?
13) Em qual data se decide o começo do
namoro, no dia em que saíram com a turma, no dia em que se viram
pela primeira vez, mas não rolou, no dia em que saíram, mas quase
rolou, no dia em que deram o primeiro beijo na boca, no dia em que
saíram só os dois ou no dia em que não saíram, e ficaram em casa
comendo queijo importado, chocolate importado e assistindo a um DVD
importado?
14) Só concordará em namorar a pessoa
depois de todos os seus amigos aprovarem? Toda a família? Incluindo
os porteiros?
15) Você é daqueles que, quando começa
a namorar, muda o número de celular, o e-mail e reconfigura o
computador, apagando aqueles videozinhos secretos, por exemplo? Muda
a foto do site de relacionamento, trocando-a por uma com ela
abraçada? Muda o status: relacionamento sério?
16) Você torce para encontrar a ex ou é
daqueles que ficam sem graça quando são obrigados a cruzar com o
motivo de dois anos de insônia? E se a sua ex, bêbada, chega junto,
cola em você numa festa, você anuncia, com deleite “querida,
agora não dá, estou namorando”?
17) E quando você começa a frequentar o
botequim pé-sujo, que a namorada fofa frequenta? Como reagir àqueles
amigos íntimos que a abraçam como se estivessem para cair? E você
decora os nomes dos garçons, íntimos dela, ou conta para ela que há
outros 70 mil estabelecimentos visitados pela Vigilância Sanitária
com habite-se, alvará e uísque não paraguaio melhor do que aquele?
18) E quando você a leva para conhecer a
sua lanchonete preferida, aquela de garçonetes lindas,
universitárias, que fizeram a peça que mudou a vida dela (eram as
estátuas gregas) e o cumprimentam com abraços e beijos, chamando-o
de “coisa fofa” e reclamando que você está sumido?
19) O que você faz se o cachorro
enciumado da dita-cuja não for com a sua cara? Quando ela vai ao
banheiro, você leva uma conversa de homem para cão com o animal que
não para de rosnar e mostrar os dentes? Continua a fazer carinhos ou
desiste de conquistá-lo? E se, na hora de namorar, ele sobe no sofá
e se deita entre você e a amada, o namoro termina ali? Não? Mesmo
se, depois de uma semana, aparecer uma micose enorme no seu peito?
20) E se ela for à sua casa, e você
descobrir que a nheco-nheco tem alergia a gatos, sendo que você tem
um casal. Joga-os pela janela ou pede para ela se sentar, pois vocês
têm que conversar?
21) Você pagou a primeira conta da
lanchonete. Afinal, você queria se mostrar para ela. Pagou a
segunda, a das garçonetes elenco fixo da peça que mudou a vida
dela. Quando é o momento, durante o namoro, de anunciar “bora
rachar”?
Marcelo Rubens Paiva, in Crônicas para ler na escola
Nenhum comentário:
Postar um comentário