— Você foi convidado para a ceia dos
cardeais?
— Fui, mas não vou. Tenho outro
programa.
— Já sei. Os fidalgos da casa
mourisca.
— Não. Vou ver a dança sobre o
abismo.
— Pois eu estarei lá com as mulheres
de mantilha.
— Ué, não leva o demônio familiar?
— Pois sim. Deixo ele na barca dos
homens.
— Bem bolado. Mas eu, infelizmente,
tenho de sair com a ré misteriosa. Você sabe: os interesses da
companhia.
— Vem cá. No fundo, isso não é
ilusão americana?
— Que nada. Você não diria isso se
ouvisse as confissões de frei Abóbora.
— O quê? Foi apurado o crime do
estudante Batista?
— Por enquanto, não. Só o do padre
Amaro.
— Mas isso é velho. O exorcista contou
tudo na televisão, e os cinegrafistas penetraram na montanha mágica.
— Mas o dr. Jivago escapou.
— Pudera. Se escondeu no chapadão do
bugre.
— É a tal coisa. As ligações
perigosas conduzem direto aos subterrâneos da liberdade.
— Besteira. Os sequestrados de Altona
também escapavam sem que ninguém percebesse isso no gabinete do dr.
Caligari.
— É, mas os cavalinhos de Platiplanto
estavam selados, à espera deles. Assim é fácil.
— Cosi è se vi pare.
— Lá vem você com citações. Não
sabe que les jeux sont faits, en attendant Godot, e que to paint is
to love again?
— Desculpe. É que eu vivo conjugando
amar, verbo intransitivo.
— Pois devia olhar menos para o corpo
de baile e mais para toda a América.
— A questão é que chega hoje o rajá
de Pendjab e não está aí o primo Altamirando para recebê-lo.
— Por que não chama o coronel e o
lobisomem para hospedá-lo?
— Não posso. Desde que um deus dormiu
lá em casa, tenho sempre uma ala reservada para o conde e o
passarinho.
— Absalão! Absalão! Meu quarto de
hóspedes não mede mais que dois metros e cinco. Seria recusado pela
condessa Hermínia.
— Mas você descolou uma nota firme
naquela concorrência da ponte de São Luís Rei.
— E daí? Evaporei tudo com as pupilas
do senhor reitor.
— Ah, essas flores do mal!
— Que se há de fazer? São os ossos do
barão.
— Mas sempre deve ter sobrado algum, no
baú de ossos.
— Mudemos de assunto. Não estou aqui
para bancar Simão, o patético.
— Tá bom. Tem visto a Clara
d’Ellébeuse?
— Fugiu com o Juca Mulato, não sabia?
— Muito me contas. E Iaiá Garcia,
continua em Búzios com a Lúcia McCartney?
— Ouvi dizer que se separaram. Fogo
morto.
— Hum… Com que então, a Morgadinha
de Valflor, hem?
— É, parece que aderiu ao rei da vela.
— Quer dizer: uniu o feijão e o sonho.
— Para viver um grande amor no país
das pedras verdes, isto é, na Zona Sul.
— Ai de ti, Copacabana!
— Por quê? Solness, o construtor,
garante que aquilo ali não cai tão cedo.
— E você acredita? Ainda ontem, a
Maroquinhas Frufru me contou que o interceptor oceânico…
— Até que não cheira mal. Os velhos
marinheiros sabem de cor a geringonça carioca.
— Dá para ouvir solo de clarineta?
— Claro, executando a sinfonia
pastoral, em arranjo de João Ternura. Mas que é isso? Que turma é
aquela?
— Aquela? Disfarça, e vamos saindo.
São os irmãos Karamázov!
Carlos Drummond de Andrade, in De notícias e não notícias faz-se a crônica
Nenhum comentário:
Postar um comentário