quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Conversa muito louca

Você foi convidado para a ceia dos cardeais?
Fui, mas não vou. Tenho outro programa.
Já sei. Os fidalgos da casa mourisca.
Não. Vou ver a dança sobre o abismo.
Pois eu estarei lá com as mulheres de mantilha.
Ué, não leva o demônio familiar?
Pois sim. Deixo ele na barca dos homens.
Bem bolado. Mas eu, infelizmente, tenho de sair com a ré misteriosa. Você sabe: os interesses da companhia.
Vem cá. No fundo, isso não é ilusão americana?
Que nada. Você não diria isso se ouvisse as confissões de frei Abóbora.
O quê? Foi apurado o crime do estudante Batista?
Por enquanto, não. Só o do padre Amaro.
Mas isso é velho. O exorcista contou tudo na televisão, e os cinegrafistas penetraram na montanha mágica.
Mas o dr. Jivago escapou.
Pudera. Se escondeu no chapadão do bugre.
É a tal coisa. As ligações perigosas conduzem direto aos subterrâneos da liberdade.
Besteira. Os sequestrados de Altona também escapavam sem que ninguém percebesse isso no gabinete do dr. Caligari.
É, mas os cavalinhos de Platiplanto estavam selados, à espera deles. Assim é fácil.
Cosi è se vi pare.
Lá vem você com citações. Não sabe que les jeux sont faits, en attendant Godot, e que to paint is to love again?
Desculpe. É que eu vivo conjugando amar, verbo intransitivo.
Pois devia olhar menos para o corpo de baile e mais para toda a América.
A questão é que chega hoje o rajá de Pendjab e não está aí o primo Altamirando para recebê-lo.
Por que não chama o coronel e o lobisomem para hospedá-lo?
Não posso. Desde que um deus dormiu lá em casa, tenho sempre uma ala reservada para o conde e o passarinho.
Absalão! Absalão! Meu quarto de hóspedes não mede mais que dois metros e cinco. Seria recusado pela condessa Hermínia.
Mas você descolou uma nota firme naquela concorrência da ponte de São Luís Rei.
E daí? Evaporei tudo com as pupilas do senhor reitor.
Ah, essas flores do mal!
Que se há de fazer? São os ossos do barão.
Mas sempre deve ter sobrado algum, no baú de ossos.
Mudemos de assunto. Não estou aqui para bancar Simão, o patético.
Tá bom. Tem visto a Clara d’Ellébeuse?
Fugiu com o Juca Mulato, não sabia?
Muito me contas. E Iaiá Garcia, continua em Búzios com a Lúcia McCartney?
Ouvi dizer que se separaram. Fogo morto.
Hum… Com que então, a Morgadinha de Valflor, hem?
É, parece que aderiu ao rei da vela.
Quer dizer: uniu o feijão e o sonho.
Para viver um grande amor no país das pedras verdes, isto é, na Zona Sul.
Ai de ti, Copacabana!
Por quê? Solness, o construtor, garante que aquilo ali não cai tão cedo.
E você acredita? Ainda ontem, a Maroquinhas Frufru me contou que o interceptor oceânico…
Até que não cheira mal. Os velhos marinheiros sabem de cor a geringonça carioca.
Dá para ouvir solo de clarineta?
Claro, executando a sinfonia pastoral, em arranjo de João Ternura. Mas que é isso? Que turma é aquela?
Aquela? Disfarça, e vamos saindo. São os irmãos Karamázov!

Carlos Drummond de Andrade, in De notícias e não notícias faz-se a crônica 

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