Não era, definitivamente, um homem de se
jogar fora. Trinta e alguns, peitoral definido, concursado, cabelo
jogadinho. O típico homem que, se ficou disponível para casar até
então, deixa a pulga atrás da orelha.
Saía com muitas mulheres. Buscava em
casa, pagava a conta, dizia falsamente que deixaria que elas pagassem
a próxima. Vestia-se bem, de modo geral. As camisas eram meio justas
no tal peitoral definido, o que não transmitia um ar muito
inteligente, mas a situação melhorava quando ele começava a falar
sobre história do rock, que aprendera com a mãe, e cultivo de
orquídeas, paixão do finado avô paterno.
Corria o boato de que tinha um beijo
fantástico. Sem muita baba, sem muita pressa. Os dentes, aliás,
eram um primor; grandes, harmônicos e luminosos. Assim como seu
carro, grande, cheio de luzes e perfeitamente adequado ao seu jeito
imponente. Grande também era uma outra coisa, para afastar dúvidas
quanto a este assunto de inegável importância.
Talvez o fato de nenhuma mulher sossegar
ao seu lado se devesse a um mau gênio, já que o sorriso de
comercial evidenciava que por mau hálito não seria. Não era.
Ficamos sabendo que era sossegado, sem surtos de ciúmes, nem
chiliques por pequenos atrasos, tampouco aversão a lugares cheios de
gente.
O que, então, poderia deixar aquele
homem fantástico na eterna busca por uma companheira?
A resposta não estava na cara, nem na
mente, nem na cama, nem no coração. Estava naquelas duas mãos com
uma assombrosa vocação para a cozinha. E ele adorava o dom
recebido, não se sabe bem se por acaso ou por herança genética (já
que seu tio era conhecido em Lindoia como o Rodrigues Panela de
Ouro).
Sabendo-se um cozinheiro encantado, não
tardava a convocar a moça da vez para jantar em sua casa. Eram
massas, carnes, peixes, risotos e doces de tirar o fôlego, regados
com vinho escolhido por quem era íntimo das uvas.
Esse jantar, na concepção dele, era o
auge. A cartada final. Overdose de qualidades que resultaria em
arrebatadora paixão. Era exatamente aí que se enganava.
As moças chegavam. Deslumbramento certo
ao ver aquele homem com pano de prato no ombro controlando o ponto do
risoto enquanto preocupava-se em colocar mais vinho no copo da
visita. Ao mesmo tempo que ralava o Parmigiano-Reggiano, falava sobre
sua dor adolescente na morte de Kurt Cobain.
Tudo ia muito mais do que bem.
Até que se sentavam à mesa. Ele servia
o prato da moça (às vezes bem moça, outras nem tão moça). A
primeira garfada era como uma viagem. Elas saíam dali. Da mesa à
meia-luz, do apartamento moderninho, do bairro nobre, da cidade
caótica, do país em desenvolvimento, do planeta ameaçado. Iam sabe
Deus até onde.
Era realmente inexplicável. O sabor de
cada garfada era assombrosamente bom. Elas não conseguiam parar, não
conseguiam olhar para ele, não conseguiam continuar a conversa. Mais
do que talento, parecia bruxaria.
Os pratos ficavam limpos, sem uma
cebolinha para contar história. Todas iam até o final: a mais
magrinha, a mais enjoada, a que fazia dieta Dukan, a que estava com a
garganta inflamada. Terminavam tão desnorteadas como quando haviam
começado.
Ele tirava os pratos. Impecável.
Levava-as para a varanda com as taças cheias mais uma vez. Tirava a
mecha de cabelo da frente do rosto delas, deslizava a mão até a
nuca. Beijava-as. Normalmente ao som de “Everything”, do Michael
Bublé. Era o golpe da morte. Dele.
Depois daquele jantar, daqueles temperos,
daquela viagem… aquele beijo. Aquele beijo que se tornava tão
pequeno. Sem sabor, sem emoção. Aquele homem, que era lindo,
comparado com a lembrança daquele prato, era tão pouco. Tão oco. O
toque das suas mãos já não fazia sentido. Seu sorriso, seus dentes
claros. Nada.
Elas abaixavam a cabeça e sorriam
falsamente para as tábuas de madeira. Sempre igual. O clima acabava
ali. E as histórias, alguns minutos depois.
Dizem que até hoje ele não entendeu e
segue mais vítima das próprias mãos do que qualquer suicida por
aí.
Ruth Manus, in Pega lá uma chave de fenda: e outras divagações sobre o amor
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