Não era uma jaqueta muito branca,
mas branca o bastante, disso não resta dúvida, como se revela a
seguir.
Eis como cheguei a ela.
Com nossa fragata ancorada em Callao, na
costa peruana — último porto no Pacífico —, vi-me sem um
“grego”, ou sobretudo de marinheiro. Como nos aproximávamos do
fim de um cruzeiro de três anos, já não era possível comprar
gabões com o comissário do almoxarife, e, tendo o navio por destino
o cabo Horn, um substituto fazia-se indispensável. Empenhei-me dias
a fio, então, na manufatura de um traje estapafúrdio, de invenção
minha, para abrigar-me do clima intratável que logo se nos
assomaria.
Não era mais do que uma blusa de
uniforme, ou, para ser mais específico, um camisolão de brim
branco, que, estendido sobre o convés, dobrei em dois na altura do
peito e, produzindo uma extensão da abertura da gola, rasguei de
cima a baixo — exatamente como se abririam os cadernos da mais
recente novidade literária. Feito o corte, operou-se uma metamorfose
a transcender quaisquer das relatadas por Ovídio. Pois, de súbito,
fez-se do camisolão um casaco! Casaco, evidentemente, bem peculiar;
de barra larga, digna de um quacre; gola caída e sem firmeza; um
volume deselegante na altura dos punhos; e branco, claro, branco como
uma mortalha. Posteriormente, ele quase se provou digno de tal
comparação, como verá o leitor que seguir adiante.
Mas, valha-me Deus, amigo, que paletó de
verão é esse capaz de enfrentar as intempéries do cabo Horn? Ele
passaria muito bem por um elegante traje de linho branco; fato,
contudo, é que as pessoas quase que universalmente usam o linho
próximo à pele.
Exato; e esse foi um pensamento que muito
logo me ocorreu; pois não tinha eu qualquer pretensão de fazer a
travessia do cabo Horn em mangas de camisa; pois isso não seria
diferente de atravessá-lo, literalmente, a mastro nu.
Assim, com artigos de inúmera
procedência à guisa de remendo — meias usadas, pernas de calças
velhas e objetos que tais —, revesti e preenchi o interior de minha
jaqueta, até que toda ela se mostrasse firme e almofadada como o
gibão forrado de algodão e à prova de adagas que Jaime, o rei
inglês, vestia; e não se tem notícia de cota de malha ou bocassim
mais forte e resistente.
Até aqui, tudo bem; mas, por favor,
Jaqueta Branca, me diga: como imagina suportar a chuva e a umidade
nesse seu “grego”? Você não está comparando esse chumaço de
remendos a uma gabardina, está? Ou querendo dizer que esse estambre
todo é à prova d’água?
Não, caro amigo; e eis aí o diacho do
problema. À prova d’água ele não era — não mais do que uma
esponja. Na verdade, foi tal a displicência com que forrei minha
jaqueta que, durante as borrascas, eu me tornava um absorvente
universal, secando até a amurada em que me encostava! Em dias
úmidos, meus cruéis companheiros chegavam a se esfregar em mim, tão
poderosa era a atração capilar entre minha infeliz jaqueta e toda e
qualquer gota. Eu pingava como pinga um peru que assa; e mesmo muito
tempo depois das tempestades, com o sol mostrando-nos o rosto, ainda
caminhava debaixo de uma névoa escocesa. Enquanto para os demais
fizesse tempo bom, para mim ele estava sempre carregado.
Eu? Ah, pobre de mim! Ensopada e
pesada, que fardo era carregar aquela jaqueta por toda parte,
principalmente quando me mandavam para o topo do mastro;
arrastando-me ao alto, pouco a pouco, como se estivesse içando uma
âncora. Não havia tempo para tirá-la e torcê-la na chuva; não se
permitia atraso ou hesitação. Não, isso não; para cima, gordo ou
magro, Lambert ou Edson, não importa o peso que carregue. E assim,
por intermédio de minha própria pessoa e sem ferir as leis da
natureza, foram muitas as chuvas que reascenderam aos céus.
Mas que fique bem claro: fui
terrivelmente frustrado na tentativa de levar a cabo meu projeto
original para a jaqueta. Minha intenção era torná-la totalmente
impermeável com uma demão de tinta. O amargo destino, porém,
sempre se abate sobre nós, desafortunados. Tanta havia sido a tinta
roubada pelos marinheiros para calafetar calças de serviço e
chapéus de lona que, quando eu, um homem honesto, terminei de forrar
a jaqueta, os potes de tinta tinham sido proibidos e colocados sob
estrita vigilância de chave e cadeado.
“Dá uma olhada, Jaqueta Branca, não
sobrou uma gota”, eis o que disse o velho Pincel, capitão do paiol
de tintas.
Assim, portanto, era minha jaqueta: bem
remendada, acolchoada e porosa; e, sob a noite escura, brilhante em
sua alvura como a Dama Branca d’Avenel!
Herman Melville, in Jaqueta branca
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