Para nós o subsolo é ainda mais
desconhecido que o mar. Embora saibamos menos sobre o fundo do oceano
do que sobre a superfície da Lua, nossas informações sobre a vida
debaixo da terra são ainda mais escassas. Já descobrimos muitas
espécies e fatos que originaram bastante material, mas não passa de
uma fração mínima em relação à diversidade debaixo dos nossos
pés.
Até metade da biomassa de uma floresta
se encontra no subsolo, e a maioria dos seres vivos que habitam essa
área não pode ser vista a olho nu. Provavelmente por isso não
despertam nosso interesse na mesma medida em que, por exemplo, um
lobo, um pica-pau ou uma salamandra. Ainda assim, possivelmente são
muito mais importantes para as árvores. Uma floresta poderia
simplesmente abrir mão dos habitantes de grande porte. Cervos,
corças, javalis, animais de rapina e até grande parte dos pássaros
não fariam tanta falta ao ecossistema. Mesmo se todos desaparecessem
ao mesmo tempo, a floresta continuaria crescendo sem grandes
percalços. No entanto, se os seres subterrâneos desaparecessem, a
situação seria outra.
Em um punhado de terra de floresta
existem mais seres vivos do que o total de seres humanos no planeta.
Uma colher de chá contém mais de 1 quilômetro de filamentos de
fungos. Todos esses seres trabalham e transformam o solo, tornando-o
valioso para as árvores.
Antes de nos atermos a algumas dessas
criaturas, vamos voltar ao início da formação do solo. Sem solo
não há matas e florestas, pois as árvores precisam se enraizar em
algum lugar. As rochas nuas não seriam suficientes, e o cascalho
solto até poderia oferecer suporte para as raízes, mas não
armazenaria água e nutrientes suficientes para ela. Os processos
geológicos (como a Era do Gelo e suas temperaturas extremamente
frias) quebraram as pedras, e as geleiras as moeram até virarem
areia e pó, de forma que, ao fim, restou um substrato básico solto.
Com o derretimento do gelo, a água levou esse material para
depressões e vales, ou ele foi arrastado por tempestades e
depositado em camadas de muitos metros de espessura.
Tempos depois, a vida surgiu na forma de
bactérias, fungos e plantas, que se transformavam em húmus ao
morrer. No decorrer dos milênios, as árvores colonizaram esse solo
– que só agora pode ser chamado assim – e o tornaram cada vez
mais rico. Suas raízes fixaram o solo e o protegeram de chuvas e
tempestades, evitando a erosão, um dos maiores inimigos da floresta.
Com isso, as camadas de húmus continuaram crescendo e formaram os
precursores do linhito (carvão fóssil rico em detritos vegetais).
A erosão é um dos maiores inimigos
naturais da floresta. O terreno perde solo sempre que há
acontecimentos extremos, sobretudo tempestades. Se o solo florestal
não consegue absorver toda a água de imediato, a que sobra escorre
pela terra e arrasta partículas, o que é possível observar na
época de chuvas: quando a água fica turva e marrom, está
carregando um solo valioso.
Em um ano, esse processo pode carregar
até 10 mil toneladas de terra por quilômetro quadrado de
superfície. Por outro lado, os processos de decomposição formam
apenas 100 toneladas a partir das pedras situadas no subterrâneo.
Isso provoca uma enorme perda de volume do terreno, até chegar o dia
em que sobra apenas cascalho. Atualmente é fácil encontrar áreas
formadas por esses solos empobrecidos em muitos pontos das florestas,
que, mesmo assim, há séculos vêm sendo usados para a agricultura.
No entanto, se a floresta fosse mantida intacta, perderia apenas
entre 0,4 e 5 quilômetros quadrados por ano. Com o passar do tempo,
o subsolo ficaria cada vez mais rico, proporcionando condições cada
vez melhores para o desenvolvimento das árvores.
É nesse ponto que entram os animais que
habitam o subsolo, que são fundamentais, mas não são muito
bonitos. Além disso, a maioria das espécies não é visível a olho
nu, e quando vistos ao microscópio a situação só piora: ácaros,
colêmbolos e poliquetas não são tão simpáticos quanto
orangotangos ou jubartes. Na floresta, esses seres ínfimos e
estranhos formam a base da cadeia alimentar e podem ser considerados
o plâncton terrestre. Infelizmente, os pesquisadores não se
interessam muito por milhares de espécies descobertas, que têm
nomes científicos impronunciáveis em latim. Inúmeras outras
esperam em vão que alguém as descubra. Mas talvez isto seja
reconfortante: ainda há muitos segredos por descobrir nas florestas
próximas da sua casa. Vamos examinar alguns dos poucos que já foram
revelados.
Conhecemos mais de mil espécies de
oribatídeos, família de ácaros que medem menos de 1 milímetro e
parecem aranhas beges e marrons com pernas curtas, por isso se
disfarçam bem no solo, seu hábitat natural. Basta ler a palavra
ácaro para fazermos associações com os ácaros domésticos, que se
alimentam de escamas de pele e outros dejetos e provocam alergias em
algumas pessoas. E a verdade é que pelo menos parte desses ácaros
produz um efeito semelhante nas árvores. As folhas e os pedaços de
casca caídos formariam pilhas de alguns metros de altura se um
exército de criaturas milimétricas e famintas que vivem na folhagem
caída no solo não os devorasse com avidez.
Outras espécies de ácaros se
especializaram em fungos. Movimentam-se por pequenos túneis no
subsolo e se alimentam dos sumos produzidos pelos filamentos finos e
brancos dos fungos. Em último caso, alimentam-se do açúcar das
árvores, os quais também compartilham com os fungos parceiros. Seja
madeira em decomposição ou caracóis mortos, não há nada que não
sirva de alimento para pelo menos uma espécie de ácaro, criatura
imprescindível para o ecossistema, pois vive na interseção entre o
nascimento e a morte.
Há também o caso do gorgulho, um
besouro que lembra um elefante minúsculo sem as orelhas. Os
gorgulhos estão entre as famílias de insetos com mais espécies em
todo o mundo – só na Europa, são cerca de 1.400. O gorgulho não
usa as plantas para absorver nutrientes, mas para proteger a prole.
Com a ajuda de seu longo chifre, abre pequenos buracos nas folhas e
nos talos, nos quais bota seus ovos. Protegidas de predadores, as
larvas podem abrir pequenos dutos nas plantas e crescer com
segurança.
Algumas espécies de gorgulho, em sua
maioria habitantes do solo, perderam a capacidade de voar, pois se
acostumaram ao ritmo lento das árvores e à sua existência quase
eterna. Ao longo de um ano inteiro se locomovem no máximo 10 metros,
e não é necessário mais que isso. Quando a árvore morre e o
ambiente se transforma a seu redor, o gorgulho só precisa se mudar
para a árvore ao lado, onde continuará se alimentando da folhagem
em deterioração. Quando encontramos esses insetos em uma floresta,
já sabemos que ela é antiga e tem um histórico ininterrupto. Se a
floresta foi desmatada na Idade Média e replantada depois, não
encontramos essa espécie de besouro, pois o caminho até a floresta
mais próxima seria longo demais para eles.
Todos os animais que mencionei têm algo
em comum: são muito pequenos, por isso têm um raio de ação
extremamente limitado. Em florestas grandes e ancestrais que no
passado cobriam a Europa Central, isso não tinha importância, mas
hoje grande parte das florestas foi alterada pelo homem. Abetos em
vez de faias, douglásias no lugar de carvalhos, árvores jovens
substituindo antigas: as novas florestas não agradam ao paladar dos
animais, que morrem de fome.
No entanto, ainda existem florestas
antigas de árvores frondosas, que servem de refúgio para eles e
ainda contam com a diversidade de espécies do passado. Órgãos
governamentais se esforçam para criar florestas de árvores
frondosas, e não de coníferas. Mas, quando as poderosas faias
voltarem a ocupar as terras hoje habitadas pelos abetos, como os
ácaros e colêmbolos chegarão até elas? Certamente não a pé,
pois ao longo da vida eles mal percorrem 1 metro de solo.
Existe a esperança de que um dia
possamos nos maravilhar com verdadeiras florestas ancestrais, ao
menos nos parques nacionais como a Floresta Bávara. Pesquisas
realizadas por universitários na nossa reserva apontaram que animais
microscópicos ligados a florestas de coníferas conseguem percorrer
distâncias surpreendentemente grandes. A prova são as antigas matas
de abetos onde foram encontradas espécies de colêmbolos que se
especializaram nesta conífera.
No entanto, os engenheiros florestais que
trabalharam anteriormente nessa reserva plantaram essas matas em
Hümmel há cerca de 100 anos; antes disso, as faias antigas
predominavam na Europa Central. Como esses colêmbolos especializados
em coníferas chegaram a Hümmel? Desconfio que talvez tenham sido
transportados por pássaros, que os carregaram em suas penas. Como os
pássaros gostam de rolar nas folhagens para limpar a plumagem,
certamente alguns colêmbolos se penduraram nas penas e foram
depositados na outra floresta. Se isso funcionou com os animais
especializados em abetos, possivelmente funcionará com espécies
especializadas em árvores frondosas.
No futuro, quando houver mais florestas
antigas de frondosas que se desenvolvam livremente, os pássaros
poderão ser os encarregados do reaparecimento dos inquilinos
correspondentes em seu hábitat original. No entanto, isso pode
demorar muito, como comprovam os últimos estudos nas cidades de Kiel
e Luneburgo.29 Há cerca de 100 anos foram plantadas matas de
carvalhos na charneca de Luneburgo, onde antes havia uma plantação
comercial. Segundo a hipótese dos cientistas, poucas décadas
depois, a estrutura original de fungos e bactérias já deveria ter
se restabelecido no solo. No entanto, ainda falta muito para isso
acontecer – mesmo depois desse período relativamente longo, ainda
existem grandes lacunas no inventário de espécies, e isso gera
consequências graves para a floresta, pois os ciclos de crescimento
e deterioração não funcionam da maneira correta.
Por outro lado, o solo ainda contém
bastante nitrogênio dos antigos fertilizantes, por isso a floresta
cresce mais rápido do que outras matas semelhantes em solo florestal
antigo, mas é muito mais suscetível, por exemplo, à seca. Ninguém
sabe quanto tempo demorará até que se forme um solo florestal
autêntico, mas já se sabe que 100 anos não bastam.
Para que haja regeneração, são
necessárias reservas com florestas originais, que não sofreram
interferência humana. Nesse ambiente, a biodiversidade no solo pode
perdurar e servir como célula germinal para a recuperação das
regiões próximas, e não é preciso realizar nenhum grande
sacrifício para que isso aconteça, como há anos vem provando a
comunidade de Hümmel. Antigas matas de faia inteiras foram
protegidas e demarcadas de forma diferente: parte é usada como
floresta-cemitério, onde arrendamos as árvores como uma lápide
viva para o enterro de urnas de cinzas. Tornar-se parte de uma
floresta ancestral após a morte – não é uma ideia maravilhosa?
Outra área da reserva é arrendada para empresas que contribuem para
a preservação do meio ambiente. Dessa forma vale a pena abrir mão
da exploração de madeira, e tanto o homem quanto a natureza saem
ganhando.
Peter Wollhlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam
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