Recebi uma carta do padre-poeta Armindo
Trevisan. Ele me conta uma coisa que Mário Quintana lhe contou. Era
uma vez uma menininha de oito anos, “linda e inteligente” que
queria conhecer a todo o custo o poeta Quintana. E tanto insistiu com
sua professora, que esta resolveu pedir uma audiência a Mário. Este
acedeu.
No dia marcado, lá se foram a professora
e a menininha à redação do Correio do Povo onde Quintana trabalha.
A menina viu o poeta, conheceu-o, falou com ele, ouviu-o falar.
Logo depois que partiram, a professora
telefonou ao Quintana e perguntou-lhe se ela poderia dizer-lhe as
impressões da sua jovem admiradora. Quintana respondeu que a opinião
de uma criança, favorável ou desfavorável, sempre merecia
acatamento. Então a professora disse:
– Meu caro poeta, a menininha disse:
“Ele é tão bonito mas parece meio pateta.”
Bendita patetice de um dos poetas que
mais admiro.
Padre Armindo, você permite que eu cite
um trecho de sua carta em que sua humildade cristã de novo se
revela? Permita, por favor. Eu gosto muito de você, por isso
transcrevo o pequeno trecho. Você escreve: “Se me permite, rezarei
por você; não deixe, oh não, de rezar por mim que sou bem pecador,
e preciso das suas orações, sejam quais forem, porque tenho a
secreta certeza de que você está mais próxima de Deus do que eu,
apesar de ser travessa para com Ele, e parecer mandar brasa sobre
muitas coisas sobre as quais eu não mando...”
Padre Armindo, são quatro horas da
madrugada e é uma hora tão bela que todo o mundo que estiver
acordado está de algum modo rezando. Rezo para que o mundo lhe seja
sempre bonito de se olhar e de se sentir, rezo para que você goste
da comida que come, rezo para você sempre fazer poesia, fazer poesia
é em si mesmo uma salvação.
É preciso que você reze por mim. Ando
desnorteada, sem compreender o que me acontece e sobretudo o que não
me acontece.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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