Hoje é quinta-feira e como é usual
estive no escritório. Cheguei cedo de propósito, me sentei e
apontei todos os lápis.
Nosso Diretor deve ser um homem muito
inteligente. A sala toda está repleta de estantes. Eu li o título
de alguns dos livros; eles eram muito técnicos, além da compreensão
de gente da minha classe, e todos em francês ou alemão. Eu olho em
seu rosto e oh! quanta dignidade há em seus olhos. Eu nunca ouvi uma
única palavra supérflua sair de sua boca, exceto quando ele me
entrega os documentos e pergunta “Como está o tempo lá fora?”
Não, ele não é um homem da nossa
classe; ele é um verdadeiro homem de Estado. Eu já percebi que sou
um favorito dele. Agora se também o fosse de sua filha – ah! Que
besteira – não direi mais sobre isso!
Eu li o Abelha do Norte. Que povo
besta são os franceses! Céus! Eu gostaria de pegar todos eles e
lhes dar uma bela surra. Eu também li uma bela descrição de um
baile promovido por um proprietário de terras em Kursk. Os
proprietários de terras em Kursk têm muito estilo.
Então eu percebi que já era meio dia e
meio e o Diretor ainda não havia saído de seu gabinete. Mas lá
pela uma e meia aconteceu algo que lápis algum pode descrever.
A porta se abriu. Eu pensei que fosse o
Diretor; saltei do meu lugar com os documentos,
e-então-ela-mesma-entrou-na-sala. Deuses! Como ela estava lindamente
vestida. Suas vestes eram mais brancas que as penas de um cisne –
oh, esplêndida! O brilho de um Sol, em verdade!
Ela me cumprimentou e perguntou “Meu
pai ainda não saiu?”
Ah! Que voz. Um canário! Um verdadeiro
rouxinol!
“Sua Excelência” eu queria
gritar “não mande que me executem, mas se deve ser feito,
mate-me com suas mãos angelicais”. Mas, sabe Deus porque, eu
não consegui falar. Então eu disse “Não, ele não saiu
ainda”.
Ela me olhou de relance, olhou para os
livros nas estantes e deixou cair o seu lenço. No mesmo instante eu
pulei, mas escorreguei no chão infernalmente encerado e quase
quebrei o meu nariz. Mesmo assim, consegui pegar o lenço. Pelos
corais do paraíso, que lenço! Tão macio e suave, do melhor linho.
Tinha um perfume digno de reis!
Ela me agradeceu, e sorriu tão
amigavelmente que seus lábios de açúcar quase derreteram. Então
ela saiu.
Depois que eu me sentei por quase uma
hora, um serviçal entrou e me disse “Você pode ir para casa,
Sr. Ivanovitch; o Diretor já foi embora!”
Eu não suporto esses serviçais! Eles
perambulam pelos vestíbulos e mal se dignam a cumprimentar alguém
com um aceno. Sim, às vezes é até pior; um desses patifes me
ofereceu sua caixa de rapé sem nem mesmo se levantar. “Você
não sabe, seu caipira simplório, que eu sou um oficial e nascido na
aristocracia?”
Dessa vez, no entanto, eu peguei meu
chapéu e meu casaco em silêncio; Essas pessoas naturalmente nunca
pensam em ajudar os outros. Fui para a minha casa e fiquei um bom
tempo deitado, e escrevi alguns versos no meu caderno:
“Faz uma hora desde que te vi,
E parece um longo ano;
Se eu sofro com a minha própria
existência,
Como posso seguir vivendo, minha
querida?”
Acho que são de Pushkin.
Durante a noite eu me enrolei em minha
capa e corri para a casa do Diretor, e esperei ali por muito tempo
para ver se ela sairia e entraria na carruagem. Eu só queria vê-la
uma vez, mas ela não veio.
Nikolai Gogol, in Diário de um louco
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