Faz três dias que voltei a entrar,
depois de uma longa ausência, em minha casa de Valparaíso. Grandes
gretas feriam as paredes. Os cristais estilhaçados formavam um
doloroso tapete sobre o chão dos aposentos. Os relógios, também no
solo, marcavam teimosamente a hora do terremoto. Quantas coisas belas
Matilde varria agora com uma vassoura. Quantos objetos raros que o
abalo da terra transformou em lixo.
Temos que limpar, pôr em ordem e começar
tudo de novo. Custa encontrar o papel em meio à desordem e depois é
difícil ordenar os pensamentos.
Meus últimos trabalhos foram uma
tradução de Romeu e Julieta e um longo poema de amor em ritmo
antiquado, poema que ficou inconcluso.
Vamos, poema de amor, levanta-te dentre
os vidros partidos que chegou a hora de cantar.
Ajuda-me, poema de amor, a restabelecer a
integridade, a cantar sobre a dor.
É verdade que o mundo não se limpa de
guerras, não se lava de sangue, não se corrige do ódio. É
verdade.
Mas é igualmente verdade que nos
aproximamos de uma evidência: os violentos se refletem no espelho do
mundo e seu rosto não é bonito nem para eles mesmos.
E continuo acreditando na possibilidade
do amor. Tenho a certeza do entendimento entre os seres humanos,
logrado sobre o sofrimento, sobre o sangue e sobre os cristais
quebrados.
Pablo Neruda, in Confesso que vivi
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