Os chapéus parecem andar sozinhos;
mas a paisagem é ainda mais fantástica
quando chove e cogumelos deslizam
negros no espelho que então se estende
pela Place de la Concorde e se fecham
e desabrocham e correm sabe-se lá para
onde; ver o mundo e entender o tanto
que se esconde é melhor sem folhas
embora nua a noite fique assim tão fria
com seus esqueletos agarrados nas ilhas
de luz dos postes que gentis são guardas
monótonos, sempre de dieta e paletó;
mais divertidas vão as sombras que se
espicham quando o sol cai nas calçadas
onde a bicicleta é ela mais duas rodas
se uma claridade quadrada vem apanhá-la
e uma carroça parece uma carruagem
fantástica; na vizinhança de tais
alegrias,
rumino certos pensamentos e monotonias,
o movimento, por exemplo, não é mais
que efeito do vento; o corre-corre, o
lusco-
-fusco, o zigzag, ilusão de nada encobre
o certo: que as coisas são preenchimento
momentâneo de um pasto vazio, outros
chamarão deserto, alma, onde assisto
a pequenas euforias flores tabuletas
nuvens de cigarro correria gatos e
sobretudo as máquinas do progresso;
balões gigantes debruçam encantos
e futuras bombas sobre mim, sobre
as chaminés, as noivas e os rabinos;
dos balões pode-se ver minha solidão;
cabeças de edifícios não pensam mas
nelas pensa-se melhor porque daqui,
mais alto que o mais alto galinheiro,
avistamos o teatro inteiro; tudo assim
é pequeno; coisas me perguntam a razão
de elas estarem ali ou então sou eu
que lhes pergunto a razão de estar
aqui, porque é sempre espantoso,
cada coisa vive estranha e sem razão
nenhuma; mas nada supera a liberdade,
poder estar assim, exilado e livre,
doido, sinfônico, chifre-chafariz sobre
a cidade boquiaberta, boi sem igual,
sem causa, sem meta, dos telhados
de Paris ver girar num salto-
-mortal a Terra.
Eucanaã Ferraz
Nenhum comentário:
Postar um comentário