Não duvidas de que a vida feliz seja o
supremo bem; logo, se a vida possui o supremo bem, então é
sumamente feliz. E tal como o supremo bem não pode receber qualquer
acréscimo (o que haveria acima do supremo?!), também a vida feliz o
não pode, pois a felicidade não existe sem o supremo bem. Repara:
se disseres que alguém é “mais” feliz, tornarás possível que
se diga também “muito mais”; e assim irás fazendo inúmeras
gradações no supremo bem, quando por “sumo bem” eu entendo tudo
o que não tem valor algum acima de si. Se alguém é menos feliz do
que um outro, segue-se que preferirá a vida desse outro (por ser
mais feliz) à sua própria; ora, um homem feliz não considera nada
preferível à sua vida.
Qualquer destas duas situações é
inaceitável: existir algo que o homem feliz preferiria ter em lugar
daquilo que tem, ou não preferir ter algo que seja melhor do que
aquilo que tem. De fato, quanto mais um homem é avisado, tanto mais
se procurará chegar ao que há de melhor, e ambicionará alcançá-lo
seja de que modo for. Ora, como pode ser feliz alguém que pode, que
deve mesmo, desejar ainda mais do que o que tem?
Vou dizer-te qual a origem donde provém
este erro: da ignorância de que o que caracteriza a vida feliz é a
sua unidade. É a qualidade, não a dimensão, que granjeia à vida
esse supremo estado. Por isso mesmo, a vida feliz é simultaneamente
longa e breve, difusa e limitada, disseminada por muitos lugares, por
muitas áreas, e concentrada num único ponto. Quem avalia a
felicidade em números, medidas e partes está-lhe por isso mesmo
roubando o que ela tem de melhor. E o que há de melhor na felicidade
do que a sua plenitude? Imagino eu que toda a gente pára de comer e
de beber quando está saciada. Este come mais, aquele come menos; mas
que importa isso se ambos se sentem satisfeitos? Este bebe mais,
aquele bebe menos; mas que importa isso se ambos mataram a sede? Este
viveu mais anos, aquele viveu menos; isso não tem importância desde
que a provecta idade do primeiro e os breves anos do outro os tenham
feito igualmente felizes. Aquele a quem tu chamas “menos feliz”
não é de fato feliz, porquanto este predicado não é suscetível
de conhecer gradação.
Sêneca, in Cartas a Lucílio
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