Antes de começar a falar da idade, quero
falar rapidamente da “pele”. Árvores e pele? Sim, vamos tratar
do assunto da perspectiva humana. A pele é uma barreira que protege
nosso interior do mundo exterior, retém líquidos, conserva os
órgãos no corpo e expele e absorve gases e umidade. Além disso,
bloqueia agentes patógenos que se disseminariam em nosso sistema
circulatório. É sensível a toques, que podem ser agradáveis ou
causar dor e, com isso, provocar uma reação defensiva. Ela não se
mantém sempre firme, como na juventude, e com o passar do tempo essa
complexa estrutura se torna cada vez mais flácida. Como resultado,
surgem rugas e dobras, que “entregam” nossa idade aproximada.
Se olharmos com atenção, veremos que o
necessário processo de renovação da pele não é nada prazeroso:
por dia, cada pessoa perde cerca de 1,5 grama em escamas de pele. Em
um ano, chega-se a mais de meio quilo. Mas a matemática pode ser
ainda mais impressionante: por dia perdemos 10 bilhões de partículas
de pele. Não parece um processo muito atraente, mas ele é
necessário para manter nosso órgão superficial em boas condições.
E na infância é essencial para o crescimento, do contrário nossa
vestimenta natural acabaria rasgando.
No caso das árvores, o processo é
semelhante; a diferença fundamental é apenas terminológica: a pele
delas se chama casca, mas cumpre exatamente a mesma função que tem
a pele humana: protege os órgãos internos do mundo exterior. Sem
casca, a árvore ressecaria e poderia sofrer ataques de fungos, que
na madeira úmida e saudável não têm chance alguma, mas podem
destruir a madeira um pouco mais ressecada. Os insetos também
precisam de níveis mais baixos de umidade, portanto não têm chance
caso a casca esteja intacta. Percentualmente a árvore contém quase
tanto líquido quanto o corpo humano, por isso não desperta o
interesse de parasitas, que literalmente morreriam afogados. Ou seja:
para a árvore, um buraco na casca é tão incômodo quanto um
ferimento na nossa pele. Por isso ela se vale de mecanismos
semelhantes aos nossos para curá-lo.
Por ano, um espécime repleto de seiva
aumenta de 1,5 a 3 centímetros em diâmetro. Em tese isso bastaria
para a casca se romper. Para evitar que isso aconteça, as árvores
também renovam a pele perdendo uma enorme quantidade de escamas, que
têm tamanho proporcional à estatura da árvore: medem até 20
centímetros. Se quiser vê-las, observe o chão ao pé de uma árvore
depois de uma ventania e você encontrará esses restos (no caso dos
pinheiros é fácil reconhecê-los por causa da casca avermelhada).
No entanto, nem toda árvore descasca da
mesma forma. Algumas o fazem continuamente, enquanto outras perdem
pouco material. Nesse caso, a casca dá sinais de como age cada
espécime. Ela também serve para diferenciar as espécies. Em
árvores jovens de qualquer espécie a cortiça é extremamente lisa.
Quando elas envelhecem, as rugas começam a surgir de baixo para cima
e se aprofundam com o passar do tempo. A velocidade do processo
depende da espécie. Pinheiros, carvalhos, bétulas ou douglásias
começam cedo, enquanto faias e abetos-brancos permanecem lisos por
muito tempo. Tudo depende da velocidade de queda das escamas. No caso
da faia, cuja casca acinzentada permanece lisa até os 200 anos, a
taxa de renovação é muito alta. Por isso sua pele permanece fina,
encaixa-se exatamente à idade (ou seja, seu diâmetro) e não
precisa rachar para se expandir. O mesmo vale para o abeto-branco.
Por outro lado, pinheiros e outras
coníferas demoram para renovar a pele, talvez porque essa couraça
mais grossa aumente sua proteção. Demoram tanto a perder a casca
que formam uma cortiça espessa, cujas camadas mais externas (as que
foram criadas quando ela era jovem) permanecem por séculos. Com o
tempo, o diâmetro do tronco aumenta e as camadas externas caem de
fora para dentro, e só ao fim a árvore exibe seu verdadeiro
diâmetro. Ou seja, quanto mais profundas as rugas, mais lenta é a
espécie para realizar esse processo. Isso também vale para as
faias, que, ao chegar à metade da vida, começam a mostrar fissuras
na casca de baixo para cima. Como se quisesse exibir a ferida, a
árvore começa a permitir a proliferação de musgo nas fendas, onde
a água da chuva fica retida por mais tempo e proporciona a umidade
necessária ao desenvolvimento do musgo. Dessa forma, para estimar a
idade das matas de faias basta olhar para a cobertura verde nos
troncos: quanto mais houver, mais antigas serão.
Árvores são indivíduos, e suas rugas
variam. Muitos espécimes de uma mesma espécie apresentam essas
marcas ainda jovens, enquanto outros demoram mais. Algumas faias da
nossa reserva chegaram aos 100 anos com a cortiça já totalmente
enrugada, o que só costuma acontecer aos 150. Nenhuma pesquisa
determinou se isso só depende da genética ou se uma mudança
drástica nas condições de vida exerce alguma influência. Mais uma
vez as árvores exibem características humanas.
Os pinheiros da nossa floresta têm
sulcos bastante profundos. Isso não pode ser resultante apenas da
idade; eles têm idade estimada em 100 anos, ainda são jovens. Desde
1934, ano em que foi construída nossa cabana florestal, eles têm se
desenvolvido bem. Parte das árvores do terreno foi derrubada para a
construção da cabana, e desde então os pinheiros que restaram
recebem mais luz. Mais luz, mais sol, mais raios ultravioleta (que
envelhecem a pele humana e, ao que parece, a das árvores). Nesse
sentido, é importante ressaltar que a cortiça do lado voltado para
o sol é mais dura – portanto, menos flexível e mais propensa a
descolamento.
No entanto, essas alterações também
podem ser apenas “doenças de pele”. Assim como na puberdade a
acne podem causar cicatrizes permanentes, um ataque de piolhos de
casca de árvore pode marcar o tronco de forma definitiva. Em sua
superfície surgem milhares de furinhos e pústulas que não
desaparecem mais. Os espécimes mais adoentados também desenvolvem
ferimentos purulentos, úmidos, dos quais escorre uma secreção
preta e infestada de bactérias. Não é apenas no ser humanos que a
pele é um espelho da alma (ou do bem-estar).
Árvores antigas podem realizar outra
função especial para o ecossistema da floresta. No entanto, na
Europa Central não existem mais florestas ancestrais – a idade da
mata mais antiga está entre 200 e 300 anos. Até essas reservas se
tornarem florestas ancestrais, precisaremos olhar para a costa
ocidental do Canadá a fim de compreender o verdadeiro papel de
árvores antigas. Lá, a Dra. Zoë Lindo, da Universidade McGill, em
Montreal, pesquisou a Picea sitchensis, espécie de abeto, com idade
mínima de 500 anos. Como resultado, encontrou grandes quantidades de
musgo nos galhos e nas forquilhas dos espécimes idosos. O musgo
havia sido colonizado por cianobactérias, que captavam nitrogênio
do ar e o convertiam para que as árvores pudessem absorvê-lo. A
chuva leva fertilizante natural pelo tronco até o solo e o põe à
disposição das raízes. Dessa forma as árvores antigas fertilizam
a floresta e, com isso, ajudam a prole a ter um começo de vida mais
auspicioso. E, apesar do contato, a prole não acumula musgo, que
cresce muito devagar e só se instala na árvore depois de décadas.
Além das rugas e do crescimento de
musgo, outras alterações físicas mostram a idade das árvores. Por
exemplo, na copa: dependendo da espécie, entre os 100 e os 300 anos
os brotos começam a nascer mais curtos e em quantidade cada vez
menor, e a copa acaba “careca”. Em árvores frondosas, a
sobreposição desses brotos provoca o crescimento de galhos curvados
como garras, que lembram mãos reumáticas.
No caso das coníferas, o tronco reto
termina em brotos altos que desaparecem aos poucos. Enquanto o topo
do abeto para de crescer, o do abeto-branco cresce em largura, como
se um pássaro tivesse construído seu ninho ali. O pinheiro também
cresce para o lado na parte superior do tronco, mas começa o
processo mais cedo. Assim, quando idosas, a copa das coníferas é
larga e sua ponta não é identificável.
De qualquer forma, em algum momento toda
árvore para de crescer em altura. Suas raízes e seu sistema
vascular não conseguem bombear água e nutrientes para cima, pois o
esforço seria grande demais. Em vez disso, ela passa a engrossar
cada vez mais (outro paralelo com seres humanos em idade avançada).
No entanto, ela não é capaz de manter a altura por muito tempo,
porque ao longo dos anos vai perdendo a força e, com isso, não
consegue mais alimentar os galhos mais altos, que começam a morrer.
Então, como os idosos humanos, as árvores vão perdendo altura. As
tempestades levam os galhos mortos da copa e, depois dessa limpeza,
por um período curto, a árvore volta a parecer nova. Esse processo
se repete todo ano, diminuindo a copa de forma quase imperceptível.
Quando todos os galhos superiores caem, restam os mais grossos. Eles
também morrem, mas não caem com tanta facilidade. Nesse estágio, a
árvore já não é mais capaz de esconder sua idade avançada nem
sua decadência.
Nesse período, talvez até antes, sua
casca volta a chamar atenção, pois seus ferimentos pequenos e
úmidos se transformam em porta de entrada para fungos, que
“comemoram” sua vitória produzindo frutos exuberantes em formato
de semicírculo que se aderem ao tronco e crescem ano após ano. No
interior da árvore, os fungos atravessam todas as barreiras e
alcançam o núcleo da madeira. Ali, dependendo da espécie, devoram
os compostos de açúcar depositados ou, pior, a celulose e a
lignina. Com isso, decompõem o esqueleto da árvore, que, apesar
disso, se defende bravamente durante muitas décadas. Nas laterais
dos ferimentos cada vez maiores, ela forma madeira nova e cria
protuberâncias, numa tentativa de proporcionar equilíbrio a esse
ponto do tronco.
Por um tempo, isso ajuda a árvore em
deterioração a aguentar as fortes tempestades de inverno. No
entanto, chega o dia em que o tronco quebra e a árvore morre.
“Finalmente”, parecem dizer as árvores jovens e esperançosas,
que nos anos seguintes começarão a crescer ao lado do toco da
árvore caída, que mesmo morta tem uma função na floresta, pois
seu cadáver em putrefação ainda desempenhará um papel importante
no ecossistema durante séculos.
Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam
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