sábado, 28 de agosto de 2021

O futuro que ninguém quer ver

Como as pessoas reagem quando algo terrível pode acontecer? Tudo depende de quando. Se for num futuro muito distante, ninguém dá muita bola. Por exemplo, se eu disser que, em 5 bilhões de anos, o Sol vai expandir feito um balão, engolindo Mercúrio e Vênus e inflando até quase a órbita da Terra, as pessoas vão achar interessante, mas só isso, mesmo que esse cataclismo marque o fim do nosso planeta e da vida aqui.
O que sobrar, se sobrar, será um amontoado de rochas e cinzas. E se eu disser que mudanças no Sol vão afetar a vida na Terra bem antes disso, em menos de um bilhão de anos? Um bilhão de anos? É um tempo que não compreendemos, diria a maioria. Tudo bem. Mas e se eu trouxer esse relógio apocalíptico mais para perto? Qual é o intervalo de tempo que começa a surtir efeito, despertando medo nas pessoas? Um milhão de anos? Muito longe. Dez mil anos? Também. Mil anos? Ainda muito distante. Cem anos? Aqui a coisa começa a ficar incômoda. Setenta anos? Passa a estar dentro da longevidade da maioria das crianças que hoje têm 10 anos.
Se o mundo, como existe hoje, deixar de existir em setenta anos, as pessoas deveriam prestar atenção. Tenho um filho de 13 e outro de 7, e três já adultos. Quero deixar um mundo melhor para eles. Esse deveria ser o legado da nossa geração. Infelizmente, estamos falhando, e os que negam isso o fazem sabendo que não precisarão arcar com as consequências de suas escolhas. Setenta anos nos aproximam do fim deste século, quando modelos de mudança climática preveem cenários terríveis.
Costumamos focar no nível dos oceanos e na migração forçada de milhões de pessoas para o interior. Rio, Recife, Fortaleza, Nova York, Bangladesh: para onde essas pessoas irão, com suas cidades parcialmente submersas? Como vão se alimentar, encontrar abrigo? O que estamos fazendo, nós e os governos, para nos preparar? Em 2017, um iceberg com metade do tamanho de Sergipe se soltou da placa continental da Antártica chamada Larsen C.
Embora seja difícil atribuir um único evento ao aquecimento global – modelos climáticos fazem previsões estatísticas e não exatas de quando algo vai ocorrer –, o efeito desse evento e de outros nas placas Larsen A e B marcam uma mudança radical na Antártica; mapas terão que ser redesenhados. Mesmo que filmes sobre distopias como Mad Max e Jogos Vorazes pintem quadros terríveis sobre o futuro, poucos contemplam seriamente a possibilidade de que essas ficções possam virar realidade. A menos, claro, que a situação mude radicalmente, e a sobrevivência de milhões seja ameaçada.
Nossa tendência é reagir sob pressão, e não preventivamente. Infelizmente, com o clima, uma reação tardia pouco fará para reverter as coisas. Em seus relatórios periódicos, cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) vêm soando o alarme cada vez mais alto. Os modelos mostram que a temperatura irá flutuar cada vez mais, com uma tendência definitiva em direção ao aquecimento. Ondas de calor impactam a produção agrícola, que, no Brasil, é essencial para a estabilidade econômica. As doenças se proliferam e afetam mais intensamente os menos privilegiados. A onda de calor de 2003 matou 35 mil pessoas na Europa, 2 mil por dia.
O jornalista americano David Wallace-Wells entrevistou vários cientistas que dedicaram suas carreiras a esse assunto: “Nenhum programa de controle de emissões pode prevenir o desastre climático.”
Esse é um trem descarrilado. A lista de horrores é longa. A fome levará a migrações de centenas de milhões. O derretimento do gelo no Ártico liberará enormes quantidades do gás metano na atmosfera, atingindo 34 vezes a quantidade atual de dióxido de carbono até o final do século. Doenças soterradas há milênios sob o gelo começarão a se espalhar pelo mundo.
O excesso de dióxido de carbono aumentará cada vez mais a acidificação dos oceanos, destruindo corais e um quarto da vida marinha, que hoje alimenta 500 milhões de pessoas. O caos criará instabilidades sociais, violência e crimes. Muitos acham que a ciência encontrará soluções para a crise. Mas essa é uma aposta muito arriscada, que não podemos perder. Até o momento, não vejo que tipo de solução será efetiva numa escala global. O que precisamos é de uma mudança radical de mentalidade, em nível individual, governamental e corporativo.
Precisamos de uma nova ética planetária, baseada numa relação moral com o planeta, para garantir o futuro das novas gerações. As pessoas não estão tendo medo suficiente do futuro. E precisam, não só ter medo como começar a agir, individualmente, para mudar como vivem e como comem. Talvez seja a nova geração, a das crianças que hoje têm dez anos, que irá finalmente compreender a dimensão do problema e fazer algo sério a respeito, dado que a nossa geração só piorou as coisas. Que vergonha ter que dizer isso aos meus filhos.

Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul

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