Como as pessoas reagem quando algo
terrível pode acontecer? Tudo depende de quando. Se for num futuro
muito distante, ninguém dá muita bola. Por exemplo, se eu disser
que, em 5 bilhões de anos, o Sol vai expandir feito um balão,
engolindo Mercúrio e Vênus e inflando até quase a órbita da
Terra, as pessoas vão achar interessante, mas só isso, mesmo que
esse cataclismo marque o fim do nosso planeta e da vida aqui.
O que sobrar, se sobrar, será um
amontoado de rochas e cinzas. E se eu disser que mudanças no Sol vão
afetar a vida na Terra bem antes disso, em menos de um bilhão de
anos? Um bilhão de anos? É um tempo que não compreendemos, diria a
maioria. Tudo bem. Mas e se eu trouxer esse relógio apocalíptico
mais para perto? Qual é o intervalo de tempo que começa a surtir
efeito, despertando medo nas pessoas? Um milhão de anos? Muito
longe. Dez mil anos? Também. Mil anos? Ainda muito distante. Cem
anos? Aqui a coisa começa a ficar incômoda. Setenta anos? Passa a
estar dentro da longevidade da maioria das crianças que hoje têm 10
anos.
Se o mundo, como existe hoje, deixar de
existir em setenta anos, as pessoas deveriam prestar atenção. Tenho
um filho de 13 e outro de 7, e três já adultos. Quero deixar um
mundo melhor para eles. Esse deveria ser o legado da nossa geração.
Infelizmente, estamos falhando, e os que negam isso o fazem sabendo
que não precisarão arcar com as consequências de suas escolhas.
Setenta anos nos aproximam do fim deste século, quando modelos de
mudança climática preveem cenários terríveis.
Costumamos focar no nível dos oceanos e
na migração forçada de milhões de pessoas para o interior. Rio,
Recife, Fortaleza, Nova York, Bangladesh: para onde essas pessoas
irão, com suas cidades parcialmente submersas? Como vão se
alimentar, encontrar abrigo? O que estamos fazendo, nós e os
governos, para nos preparar? Em 2017, um iceberg com metade do
tamanho de Sergipe se soltou da placa continental da Antártica
chamada Larsen C.
Embora seja difícil atribuir um único
evento ao aquecimento global – modelos climáticos fazem previsões
estatísticas e não exatas de quando algo vai ocorrer –, o efeito
desse evento e de outros nas placas Larsen A e B marcam uma mudança
radical na Antártica; mapas terão que ser redesenhados. Mesmo que
filmes sobre distopias como Mad Max e Jogos Vorazes pintem quadros
terríveis sobre o futuro, poucos contemplam seriamente a
possibilidade de que essas ficções possam virar realidade. A menos,
claro, que a situação mude radicalmente, e a sobrevivência de
milhões seja ameaçada.
Nossa tendência é reagir sob pressão,
e não preventivamente. Infelizmente, com o clima, uma reação
tardia pouco fará para reverter as coisas. Em seus relatórios
periódicos, cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC) vêm soando o alarme cada vez mais alto. Os
modelos mostram que a temperatura irá flutuar cada vez mais, com uma
tendência definitiva em direção ao aquecimento. Ondas de calor
impactam a produção agrícola, que, no Brasil, é essencial para a
estabilidade econômica. As doenças se proliferam e afetam mais
intensamente os menos privilegiados. A onda de calor de 2003 matou 35
mil pessoas na Europa, 2 mil por dia.
O jornalista americano David
Wallace-Wells entrevistou vários cientistas que dedicaram suas
carreiras a esse assunto: “Nenhum programa de controle de emissões
pode prevenir o desastre climático.”
Esse é um trem descarrilado. A lista de
horrores é longa. A fome levará a migrações de centenas de
milhões. O derretimento do gelo no Ártico liberará enormes
quantidades do gás metano na atmosfera, atingindo 34 vezes a
quantidade atual de dióxido de carbono até o final do século.
Doenças soterradas há milênios sob o gelo começarão a se
espalhar pelo mundo.
O excesso de dióxido de carbono
aumentará cada vez mais a acidificação dos oceanos, destruindo
corais e um quarto da vida marinha, que hoje alimenta 500 milhões de
pessoas. O caos criará instabilidades sociais, violência e crimes.
Muitos acham que a ciência encontrará soluções para a crise. Mas
essa é uma aposta muito arriscada, que não podemos perder. Até o
momento, não vejo que tipo de solução será efetiva numa escala
global. O que precisamos é de uma mudança radical de mentalidade,
em nível individual, governamental e corporativo.
Precisamos de uma nova ética planetária,
baseada numa relação moral com o planeta, para garantir o futuro
das novas gerações. As pessoas não estão tendo medo suficiente do
futuro. E precisam, não só ter medo como começar a agir,
individualmente, para mudar como vivem e como comem. Talvez seja a
nova geração, a das crianças que hoje têm dez anos, que irá
finalmente compreender a dimensão do problema e fazer algo sério a
respeito, dado que a nossa geração só piorou as coisas. Que
vergonha ter que dizer isso aos meus filhos.
Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul
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