Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém
passava entre
as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um
bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de
um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais
do que na
pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um
mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre
uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça.
Representou para mim que ela andava na
aldeia de
braços com Maiakovski — seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o
poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma
roupa
mais justa para cobrir a sua noiva.
A foto saiu legal.
Manoel de Barros
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