segunda-feira, 12 de julho de 2021

A loteria das árvores

As árvores mantêm um equilíbrio interno. Racionam a energia com todo o cuidado, pois precisam economizar para realizar todas as necessidades. Parte da energia é usada em seu crescimento: os galhos devem ser estendidos, o tronco precisa aumentar em diâmetro para suportar o peso cada vez maior. Outra parte é retida, para que ela possa reagir e bombear substâncias de defesa para as folhas e a casca caso seja atacada por insetos ou fungos. Por fim, resta a reprodução.
As espécies que florescem anualmente levam em conta esse enorme esforço ao calibrar seus níveis de energia e mantê-los em equilíbrio. No entanto, espécies como faias ou carvalhos, que florescem apenas a cada três ou cinco anos, perdem o equilíbrio na época de reprodução. Parte de sua energia já está reservada para outras atividades, mas mesmo assim elas produzem tantos frutos que tudo o mais fica em segundo plano. Com isso, começa a batalha por espaço nos galhos. As flores ocupam todo o espaço livre, obrigando as folhas a caírem. Quando isso acontece, a árvore fica completamente desfolhada e ganha uma aparência estranha. Não surpreende que nesses anos os relatórios sobre o estado das florestas indiquem que a situação das copas de espécies em florescimento é deplorável. E, como todas atingem esse estágio ao mesmo tempo, à primeira vista a floresta inteira parece doente.
A árvore não está doente, mas vulnerável, pois para florescer usa suas últimas reservas de energia. E ainda há um agravante: nessa época ela diminui a folhagem, por isso produz menos açúcar, que em sua maior parte acaba sendo transformado em óleo e gordura nas sementes. Assim, quase não resta energia para a árvore, que precisa estocar parte dela para o inverno e para se defender contra doenças.
Muitos insetos estão apenas esperando esse momento, como o besouro da espécie Rhynchaenus fagi, que bota seus ovos na folhagem jovem e indefesa. Suas larvas ínfimas e devoradoras abrem túneis entre as partes superior e inferior das folhas, deixando manchas na superfície. Já o besouro adulto abre buracos, dando a impressão de que um caçador atirou nelas com a espingarda. Em alguns anos, o ataque é tão violento que, de longe, as faias parecem mais marrons que verdes.
Normalmente, as árvores se defenderiam, secretando uma substância amarga que afastaria os insetos. Mas na época da floração elas não têm energia para isso e precisam suportar o ataque sem reagir. Os espécimes saudáveis sobrevivem, mas levam anos para se recuperar. No entanto, se a faia já estiver doente, um ataque de insetos desse porte pode significar sua morte.
Mesmo que a árvore soubesse que se encontra nesse estado, não deixaria de florescer. Com base em estudos realizados sobre épocas de alta taxa de mortalidade das florestas, sabemos que mesmo as árvores mais enfraquecidas florescem com frequência. Provavelmente querem se reproduzir antes que sua morte ameace sua herança genética. Algo semelhante acontece após verões mais quentes que o normal. Mesmo que a seca leve várias árvores à beira da morte, elas florescem todas juntas no ano seguinte. Dessa forma, pode-se concluir que quando carvalhos e faias produzem muitos frutos não estão indicando que o inverno seguinte será especialmente frio. A reprodução é definida no verão (antes de se saber se o inverno será rigoroso), portanto a grande quantidade é apenas um reflexo do clima no ano anterior.
No outono a redução das defesas volta a repercutir, porém nas sementes. Os besouros também perfuram os frutos, deixando-os completamente ocos e sem valor.
No período de germinação cada espécie de árvore tem uma estratégia própria de disseminação das sementes. Se as sementes caem em solo macio e úmido, precisam germinar logo e aproveitar o sol quente da primavera. Afinal, a cada dia que permanece caído e desprotegido, o embrião da árvore corre grande risco, pois pode ser comido por javalis e cervos. Essa é a situação dos frutos grandes, como os de faias e carvalhos. Para se tornar menos atraente para os herbívoros, então, o broto nasce o mais rápido possível. Essa é sua única tática de defesa, portanto as sementes não têm estratégia alguma contra fungos e bactérias. Assim, as mais lentas, que não germinam a tempo, acabam virando húmus antes da primavera seguinte.
Por outro lado, as sementes de muitas outras espécies aguardam até mais de um ano para germinar. Isso aumenta o risco de serem devoradas, mas também traz boas vantagens. Se germinassem em uma primavera seca, por exemplo, as mudas poderiam morrer, e com isso a energia gasta na produção do broto teria sido em vão. Além disso a semente também poderia cair no território de alimentação de um cervo, crescer e, ao virar muda, ser comida pelo animal. No entanto, se parte das sementes germinasse apenas depois de um ano ou mais, o risco de ser comida seria distribuído e aumentariam as chances de que alguma vingasse e se transformasse em árvore.
É exatamente essa a tática adotada pela tramazeira: suas sementes podem esperar até cinco anos para germinar em condições favoráveis. Como se trata de uma planta pioneira, essa é a estratégia adequada. Enquanto os frutos de espécies nativas da floresta caem embaixo da árvore-mãe e suas mudas crescem em um clima de floresta previsível e agradável, as da tramazeira podem se desenvolver em qualquer lugar, pois os pássaros que comem sua fruta ácida eliminam suas sementes pelas fezes. Se isso acontecer em uma superfície aberta, os anos em que houver estações com climas extremos, temperaturas especialmente altas e, consequentemente, escassez de água serão muito mais duros para a tramazeira do que para as outras espécies que crescem em florestas, sob as sombras úmidas e frescas. Para evitar isso, é melhor que pelo menos parte das sementes de plantas pioneiras só despertem e germinem depois de anos.
E quais são as chances de as mudas crescerem e se reproduzirem? Esse cálculo é relativamente fácil de fazer. Estatisticamente, cada tramazeira gera uma sucessora que um dia ocupará seu lugar. Porém as sementes que não são levadas pelo vento também podem germinar, e os brotos jovens aguardam durante anos ou mesmo décadas à sombra da árvore-mãe, mas em algum momento ficam sem energia. E elas não estão sozinhas: dezenas de outros espécimes se aglomeram aos pés da matriz, e pouco a pouco a maioria morre e vira húmus. Somente as poucas sortudas que foram carregadas pelo vento ou por animais para os espaços livres poderão começar a crescer sem restrições.
Mas, voltando às possibilidades, a cada cinco anos uma faia produz no mínimo 30 mil frutos (com as mudanças climáticas, esse intervalo mudou para cada dois ou três anos, mas vamos desconsiderar esse fato). Entre os 80 e 150 anos, dependendo de quanta luz recebe, ela alcança a maturidade sexual. Ao atingir a idade máxima de 400 anos, a faia poderá ter frutificado pelo menos 60 vezes e ter gerado, por baixo, 1,8 milhão de frutos. Desse total, um se tornará uma árvore adulta. Numa floresta, essa é uma boa probabilidade de sucesso, parecida com a chance de ganhar na loteria. Todos os outros esperançosos embriões serão comidos por animais ou transformados em húmus por fungos e bactérias.
Seguindo o mesmo esquema, vamos calcular as chances dos brotos em um caso mais adverso: o do álamo. As árvores-mães produzem até 26 milhões de sementes – por ano. Essas certamente gostariam de trocar de lugar com os brotos da faia, pois, até que morra, sua progenitora formará mais de 1 bilhão de sementes, que, revestidas por uma camada de penugem, são carregadas pelo vento para novos campos. Mesmo assim, segundo a estatística, só uma dessas sementes se tornará um álamo adulto.

Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam

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