Comecemos
por opiniões antigas, como esta de uma carta de Capistrano de Abreu
a João d'Azevedo: O jaburu... a ave que para mim simboliza a nossa
terra. Tem estatura avantajada, pernas grossas, asas fornidas, e
passa os dias com uma perna cruzada na outra, triste, triste...
Paulo
Prado abre seu livro Retrato do Brasil com esta afirmação: Numa
terra radiosa vive um povo triste.
Tão
triste que em 1925, em Petrópolis, Manuel Bandeira, que tinha “todos
os motivos menos um de ser triste”, resolveu “tomar alegria”.
Uns
tomam éter, outros cocaína. Eu já tomei tristeza, hoje tomo
alegria. Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira
gorda. Ninguém se lembra de política... Nem dos oito mil
quilômetros de costa... O algodão do Seridó é o melhor do
mundo?...
Que
me importa?
Não
há malária nem moléstia-de-chagas nem ancilóstomos.
A
sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca. Eu tomo alegria!
E
Sérgio Buarque de Holanda, na primeira página de suas Raízes do
Brasil: ... Somos ainda hoje desterrados em nossa terra.
O
consolo é lembrar aquela coisa de Euclides da Cunha em Os Sertões:
O sertanejo é, antes de tudo, um forte.
Enchemos
o peito de orgulho. Mas Euclides prossegue dizendo: Não tem o
raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.
Viram?
Para falar bem do homem do sertão ele desmerece o homem da praia.
Mas o próprio sertanejo, embora possa se transformar em “um titã
acobreado e potente”, não é figura muito boa: ... É desgracioso,
desengonçado, torto... reflete no aspecto a fealdade típica dos
fracos...
E
mais adiante Euclides proclama: Não temos unidade de raça. Não a
teremos, talvez, nunca. Predestinamo-nos à formação de uma raça
histórica em futuro remoto, se o permitir dilatado tempo de vida
nacional autônoma...
Estamos
condenados à civilização. Ou progredimos ou desaparecemos.
Este
dilema me faz lembrar um outro que me assustava quando eu era menino.
Não sei se era frase de homem célebre ou propaganda de algum
formicida: Ou o Brasil acaba
com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil.
Isto me dava aflição; eu me perguntava
por que é que nós todos não íamos urgentemente matar saúvas.
Não matamos. Não morremos. Convivemos.
Oswald de Andrade exclama, no seu “Manifesto Antropofágico”, de
1928: Tupi or not tupi that is the question.
E é outro paulista Andrade, Mário, que
faz uma comovente confissão brasileira.
Não vê que me lembrei que lá no norte,
meu Deus! Muito longe de mim Na escuridão ativa da noite que caiu,
Um homem pálido, magro, de cabelo escorrendo nos olhos, Depois de
fazer uma pele com a borracha do dia, Faz pouco se deitou, está
dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu...
Essa fundamental solidariedade me
impressionou quando uma lavadeira que eu tinha aqui no Rio,
Sebastiana, me disse que não tinha podido dormir aquela noite: uma
chuva com vento invadira o seu barraco no morro do Cantagalo. Seu
menino amanhecera doente, e ela também sentia uma dor no peito.
“Mas enfim”, disse, “isso é bom
para a lavoura.”
A velha Sebastiana viera de Carangola e
não tinha mais lavoura nenhuma; e até a casinha que ela fizera lá
em Minas, “perto do comércio”, fora registrada em nome do seu
marido, que não era seu marido porque era casado com outra. E ela
descia os caminhos perigosos, escorregadios, do morro, com a trouxa
de roupa na cabeça, e me dizia: “É bom para a lavoura.”
É uma maneira de dizer na roça. Pode
ser maneira de pensar. O Brasil é, principalmente, uma certa maneira
de sentir.
Rubem Braga, in Recado de primavera
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