A
garota em êxtase brandiu o postal que recebera do namorado em
excursão na Grécia:
— Coisa
mais linda! Olhe só o que ele me escreveu: “Eu queria desfolhar
teu coração como se ele fosse a mais margarida de todas as
margaridas”. Marquinhos é genial, o senhor não acha?
— Pode
ser que seja, não conheço Marquinhos. Se bem que antes da era
Pierre Cardin, genial era Dante, Da Vinci, Einstein, outros assim.
Mas essa frase não é de Marquinhos.
— Não
é de Marquinhos?! Tá com a letra dele, assinada por ele.
— Estou
vendo que assinou, mas é de Darío.
— Quem?
O Darío, do Atlético Mineiro? Sem essa!
— Não,
minha florzinha, Darío, Rubén Darío, o poeta da Nicarágua.
— Não
conheço. Então Rubén Darío falou pra Marquinhos e Marquinhos
achou bacana e pediu emprestado a ele?
— Tenho
a impressão que o Marquinhos não pediu nada emprestado a Rubén
Darío. Tomou sem consultar.
— Como
é que o senhor sabe?
— É
muito difícil consultar o Darío.
— Por
quê? Ele não dá bola pra gente? Não gosta da mocidade? É careta?
— Não
é nada disso. O Darío não é encontrado em parte alguma.
— Ah,
ele gosta de bancar o invisível, né?
— Não
creio que goste, mas é exatamente o caso dele: invisível.
— Não
dá pra entender.
— Vai
entender logo. Ele morreu em 1916.
— Ah!
E como é que o Marquinhos descobriu essa margarida, me conte!
— Simples.
Leu num livro de poemas de Rubén Darío.
— Marquinhos
não é ligado a leitura. Duvido.
— Se
não leu no livro, leu em alguma revista, em alguma parte.
— Hã…
Ficou
tão triste — os olhos, a boca, a testa franzida — que achei de
meu dever confortá-la:
— Que
importância tem isso? A frase é de Darío, é de Marquinhos, é de
toda pessoa sensível, capaz de assimilar o coração à margarina…
Desculpe: à margarida.
Muxoxo:
— Se
é de todos, não é de ninguém, não vale nada.
— Pelo
contrário. Fica valendo mais, torna-se sentimento universal.
— Ah,
o senhor está por fora. Eu queria a margarida só pra mim. Copiada
não tem graça. A graça era imaginar Marquinhos, muito sério,
desfolhando meu coração transformado em margarida, para saber se eu
gosto dele, um pouquinho, bastante, muito loucamente, nada. E a
margarida sempre com uma pétala escondida por baixo da outra,
entende? pra ele não ter certeza, por que essa certeza eu não dava…
Era gozado.
— Continue
imaginando.
— Agora
não dá pé. Marquinhos roubou a margarida, quis dar uma de poeta.
Não colou.
— Espere
um pouco. Eu disse que a margarida era de Rubén Darío? Esta cabeça!
Esquece, minha filha. Agora me lembro que Rubén Darío nem podia
ouvir falar em margarita,
começava a espirrar, a tossir, ficava sufocado, uma coisa horrível.
Alergia — que no tempo dele ainda não estava batizada. Pois é.
Garanto a você, posso jurar que a margarida não é de Darío.
— De
quem é então?
— De
Marquinhos, ué.
— Tem
certeza que nunca ninguém antes de Marquinhos escreveu “a mais
margarida de todas as margaridas”? O senhor lê milhões, pode me
responder. Tem certeza?
— Absoluta.
Marquinhos é genial, reconheço. Mas, por via das dúvidas, continue
escondendo uma pétala de reserva, sim?
— Pode
deixar por minha conta. Puxa, quase que eu parava de transar com o
Marquinhos por causa do senhor. Agora tá legal, tchau, vovô!
Vovô:
foi assim que ela me agradeceu a mentira generosa, a bandida.
Carlos Drummond de Andrade, in De notícias e não notícias faz-se a crônica
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